O inglês Marco Pierre White, um dos chefs mais famosos, o mais novo a conseguir três estrelas Michelin, afirmou que o serviço é mais importante do que a comida e que, se o ambiente for mau, os clientes não voltam ao restaurante. O italiano Massimo Bottura e o dinamarquês René Redzepi, igualmente cozinheiros célebres, consideram que a arte da hospitalidade é a chave do sucesso. Por cá, parece que muitos fregueses dos restaurantes estarão mais disponíveis para perdoar uma refeição menos conseguida do que um mau serviço.
Como diria Ricardo Silva do restaurante Feitoria, "ser chefe de sala não é cool". Porém, o responsável pela sala do restaurante lisboeta acredita num trabalho conjunto. Refere que "os clientes vêm satisfazer uma necessidade básica: a alimentação". Diz que "são ambos importantes e cada um tem a sua responsabilidade e, em conjunto, podem fidelizar ou não o cliente". Conclui que "uma comida má com certeza não trará de volta um cliente bem atendido". Já João Marujo, que chefia o restaurante Loco em Lisboa, considera que "concordando ou não, a realidade é que a afirmação de Marco Pierre White é uma verdade". O profissional costuma dizer que "um restaurante serve, acima de tudo, para alimentar pessoas e isso deveria ser razão suficiente para qualquer cliente voltar se a comida for boa". Mas acredita que "um bom serviço de sala é independente do restaurante" e que o bom trato, a hospitalidade, a atenção ao cliente e ao detalhe, tanto serve "para restaurantes de estrela Michelin como o que consideramos a nossa cantina diária".
A chefe de sala e sommelier do restaurante Sult, em Cascais, Julieta Carrizzo, considera que "oferecer uma boa comida é uma questão de estrutura e tempo", enquanto "o ambiente é construído desde a escolha da loiça, pelas pessoas que tiram o pedido, e por todos os envolvidos no serviço". Para Paulo Cambundo, chefe de sala do Hilton Garden Inn em Évora, "não basta um bom ambiente ou um bom serviço, porque se a comida não for boa as pessoas também não vão voltar". Outra opinião tem o chefe de sala do Restaurante Gastronómico do The Yeatman Hotel, Pedro Marques, que não poderia concordar mais com a ideia mencionada pelos chefs do Sult e Garden Inn. O responsável pelo restaurante em Vila Nova de Gaia com duas estrelas Michelin, diz que a comida "obviamente tem de ser boa, caso contrário dificilmente as pessoas regressam", mas acredita que "se não houver empatia, profissionalismo e atenção nos detalhes, as pessoas não irão querer repetir a experiência".
Ainda a Norte, no restaurante Le Monument, no Porto, o chefe de sala Pedro Silva considera que "a importância relativa do serviço e da comida pode variar de acordo com a perspetiva dos clientes, mas ambos são cruciais para uma experiência gastronómica bem-sucedida". O responsável salienta que "um atendimento acolhedor e eficiente pode criar uma boa impressão imediata". Mas, por outro lado, sublinha que "a qualidade e o sabor da comida são fundamentais". Refere que não consegue "concordar em atribuir maior importância a apenas um deles".
Os chefes de sala podem trabalhar muito acima das 40 horas semanais e ganhar pouco mais de 1200 euros, mas os desafios continuam a ser quase incontáveis. O líder da sala do restaurante Feitoria garante que "a mão-de-obra especializada e com experiência tem sido a parte mais desafiante", sendo que "os jovens de hoje querem tudo para ontem". Para Ricardo Silva outra questão é "a falta de capacidade das empresas de perceberem que a formação e integração dos funcionários é essencial". O responsável refere que o chefe de sala deve ser reconhecido quando faz um bom trabalho e "se ganhar o suficiente para si e para a sua família produz mais e melhor". Por outro lado, João Marujo, do Loco, sabe que "todos se queixam do mesmo, isto é, da falta de profissionais", mas crê que se se continuar "a exigir horários de 12 horas diárias ou mais, também não vai melhorar". O chefe de sala insiste nas condições, mas "nem sempre o vencimento é a forma correta". Revela ver "recursos humanos desadequados às operações, tanto equipas demasiado grandes, mal geridas, como equipas pequenas e desgastadas pela exigência do serviço".
Julieta Carrizzo diz que a principal dificuldade é a "falta de atenção aos detalhes, quando parece ser simples atender um cliente, mas só fica descomplicado se todos estiverem sempre atentos, sendo minuciosamente cuidadosos com cada pedido e manutenção da mesa". Já para o responsável no Hilton Garden, Paulo Cambundo, "lidar com os clientes insatisfeitos é um dos maiores desafios, tal como as falhas de comunicação ou a rotatividade da equipa".
O responsável do The Yeatman adianta que "os cancelamentos de última hora e os atrasos representam um desafio no trabalho, mas encontrar pessoas qualificadas na hotelaria e na restauração continua a ser a principal dificuldade deste setor". Porém, Pedro Marques acrescenta que no seu restaurante têm tido a sorte da equipa "ser bem compacta e estar junta há alguns anos". Para o responsável da sala do Le Monument, Pedro Silva, há inúmeros problemas, entre os quais, a comunicação ineficiente, a falta de formação, a rotatividade, a gestão ineficiente de reservas, o atendimento inconsistente, a demora no serviço, problemas de relacionamento, a falta de limpeza adequada, a má gestão das reclamações, os problemas com equipamentos, a falta de motivação, o moral baixo e o planeamento inadequado dos turnos.
Os chefes de sala são os verdadeiros anfitriões. Pelo menos parece ser o entendimento dos profissionais. Para Ricardo Silva "é o responsável máximo por dar a toda a sua equipa os meios necessários, físicos e não só, para que o cliente usufrua de uma experiência de verdadeira hospitalidade". O chefe de sala do Feitoria acredita que todas as peças são essenciais "desde o momento da reserva até à despedida do restaurante". Relativamente à hierarquia, Ricardo Silva acha que "o mais importante é que estejam todos alinhados no que querem para o restaurante e para o cliente". Refere que nos dias de hoje, "os chefs de cozinha tendem a assumir o posto mais alto da hierarquia", mas não o incomoda, "desde que haja respeito pela equipa de sala e liberdade para o trabalho a desenvolver". Destaca que "o ego que importa é o do cliente".
Além do trabalho exigente, também há momentos especiais. Ricardo Silva recorda que um cliente marcou estadia e festa de réveillon num hotel e não compareceu, sem dar qualquer tipo de justificação mesmo à sua acompanhante. Conta que, juntamente com a equipa, foram, alternadamente, "dando atenção à senhora num momento delicado de rejeição e acabou por passar a noite com a equipa do restaurante num ambiente seguro e, inclusivamente, foi acompanhada ao quarto para garantir que estivesse só o menos tempo possível".
João Marujo do Loco gosta de associar o chefe de sala "a um distribuidor de jogo que valorizar as valências de cada elemento da equipa, enaltecendo um todo e um elo entre o conceito/proposta do restaurante e o fazer corresponder às expectativas de todos". O profissional também considera que a sua posição é de anfitrião, "mas nunca se fazendo sentir indispensável, ter um elevado sentido de hospitalidade, uma ampla visão sobre todos os papéis que levam a cabo um bom serviço de sala e apurado sentido de observação a todos os detalhes". Ainda assim, conclui que "devem ser requisitos para qualquer empregado de mesa".
Para João Marujo, "a hierarquia pode ser alterada ou partilhada". Salienta que "a confiança em ambos os líderes (chefe de sala e chef) é fundamental, mas, no fundo, são dois campos distintos de uma equipa só com um objetivo final". Quanto às histórias o chefe no Loco conta que no final do serviço, certa vez, manteve uma conversa com clientes que ficaram quase até ao nascer do sol. Ofereceu-se para lhes dar boleia e "ficaram maravilhados".
Julieta Carrizo considera que a arte de receber/ hospitalidade depende de uma equipa completa a todos os níveis, que "passa pela relação entre o restaurante e seus fornecedores e parceiros e chega até ao setor administrativo". A chefe de sala e sommelier do Sult reconhece que "o que é visível para o cliente acaba por ser a figura do chefe de sala e os empregados de mesa e, mesmo em projetos onde os cozinheiros estão no balcão interagindo com os clientes, o que é visto por todos depende do serviço bem orquestrado por um maestro anfitrião". Quanto aos cargos de chefia, a responsável acredita que "depende do projeto, mas uma vez que atualmente a figura do chef de cozinha interage bastante com a sala e pode dizer-se que, independentemente da hierarquia, quando este casamento funciona em parceria o maior beneficiado é o próprio freguês". Julieta Carrizzo já teve de lidar com muitas situações, mas não esquece o email de uma senhora "que queria explicações sobre o serviço, mas que na verdade estava em busca de provas de traição do seu marido".
Paulo Cabundo não tem dúvidas que "um chefe de sala é frequentemente considerado o verdadeiro anfitrião de um restaurante, responsável por garantir que os clientes se sintam bem-vindos, cuidados e satisfeitos durante toda a sua estadia no restaurante". No que diz respeito à liderança, o responsável do Hilton refere que num restaurante "pode variar de acordo com o tamanho e o estilo do estabelecimento". Acrescenta que podem existir outros cargos como gerente geral ou diretor de operações, "que estão acima do chef e do chefe de sala". Para Paulo Cabundo, estes últimos, "ocupam posições de igual importância, mas em departamentos diferentes".
Quanto às narrativas, o chefe de sala lembra-se de um cliente que ficou três dias no hotel e que "ficou extremamente exaltado porque o serviço no restaurante estava demorado e foi indelicado e rude". Pelo menos, conclui, "no final da sua estadia, acabou por nos pedir desculpa pela atitude e acabou tudo bem".
Pedro Marques reconhece o papel de anfitrião, "pois são a primeira abordagem para o cliente e tem de ser delicada, simpática, disponível, positiva, acolhedora e esclarecedora". Muitas vezes, acrescenta, "as pessoas quando chegam ao espaço já receberam o menu e pesquisaram sobre o conceito, mas tem sempre de existir uma breve explicação sobre a dinâmica que se segue, e isso é muito importante". Sobre as chefias, o profissional do Yeatman explica que no seu caso "o chef de cozinha está acima do chefe de sala e é ele que toma sempre a última decisão". Esclarece que tentam funcionar como equipa, onde "não há propriamente superiores hierárquicos, mas um verdadeiro coletivo, cada um com a sua função, mas todos com vontade de criar grandes experiências gastronómicas".
Histórias tem muitas, e "quase podia escrever um livro". Conta que depois de entregar a um cliente uma publicação sobre quem era quem no restaurante, no texto que lhe dizia respeito havia uma referência aos muitos pedidos de casamento que costuma ajudar a agilizar para que tudo corra bem. Esse freguês perguntou-lhe se era pedido muitas vezes em casamento e, como pensou que estava a brincar, disse que sim: "No final da refeição, esse mesmo cliente disse que a experiência tinha sido muito boa e que também queria casar comigo".
Pedro Silva também considera o chefe de sala não apenas "o verdadeiro anfitrião, como também criador de anfitriões e toda a equipa deve respirar a sua genuína hospitalidade". O profissional do Le Monument afirma que deve "garantir que todos tenham uma experiência agradável, resolver quaisquer problemas que possam surgir e, muitas vezes, receber os clientes pessoalmente". Pedro Silva defende que o papel "é crucial para garantir que tudo funcione de maneira suave e eficiente, proporcionando um atendimento de alta qualidade e uma atmosfera acolhedora". Relativamente à hierarquia o responsável defende que "pode variar dependendo do tamanho e do tipo de estabelecimento". Refere que "o chef lidera a cozinha, enquanto o chefe de sala chefia a área de atendimento ao cliente". Em alguns restaurantes, acrescenta, "o chefe de cozinha pode ter mais prestígio ou autoridade geral, especialmente em estabelecimentos onde a comida é o principal atrativo, como no caso do Le Monument".
Para os chefes de sala a exigência do trabalho parece vir com o cargo. É mais do que provável que trabalhem horas a mais e, como admite Pedro Silva, que compara o serviço de sala com o trabalho de uma equipa médica no bloco operatório, "não há hora certa de saída e termina-se o serviço apenas quando a missão estiver concluída".