O mistério da derradeira partida. Como aconteceu isto? Alzheimer, tão novo, um desportista? O pequeno genial, deixando-nos de forma tão precoce quão precocemente se estreou de águia ao peito. Para quem tem todas as respostas, superiores soluções para as grandes perguntas, não há mistério: Chalana veio, viu e venceu. Os menos crentes não podem deixar de sentir o queixo cair. Morreu, aos 63 anos, Fernando Chalana, "o pequeno genial", ponta-esquerda do Benfica e da Seleção, tecnicista dos relvados, herói do Euro 1984, artista sem par.
Fernando Chalana é sem dúvida um dos melhores futebolistas portugueses da história. Não só pelo que jogou, e jogou muito, mas porque a sua carreira se fez de quase tantas alegrias quanto tristezas, de momentos de sorte e de azar, como é dos Grandes. "Para ser grande sê inteiro", escreveu Pessoa, e assim fez Fernando Chalana, que se movimentou no futebol com a graciosidade que tinha dentro de campo, por entre as polémicas da vida pessoal e as lesões, da saída do Benfica para cumprir calendário (leia-se, aumentar a conta bancária) no estrangeiro e um regresso agridoce, já fora do seu tempo.
Nascido no Barreiro, a 10 de fevereiro em 1959, o rapaz a quem chamaram um dia 'o pequeno genial' cresceu a jogar à bola nos campos pelados, de balizas improvisadas, em jogos amigáveis entre vizinhos e amigos da escola. Até há bem pouco tempo, antes das academias, das "escolinhas", e dos pais que levam os filhos ao futebol e discutem com árbitros e treinadores porque entendem que os seus petizes têm o dobro do talento de Cristiano Ronaldo, era esta a forma de se fazer futebolistas. Chalana frequentou, portanto, a escola da vida. Rejeitado pelo CUF, despontou, sem ambiguidade, no Barreirense. O passo seguinte, do tamanho da sua ambição e não da sua altura, foi natural. O SL Benfica abriu os cordões à bolsa, e, então em escudos, longe vão os tempos, desembolsou 750 contos, menos de quatro mil euros para o ter no plantel.
No clube da Luz, em 1976, Chalana tornou-se no mais jovem de sempre, à data, a atuar na Primeira Divisão. Uns impensáveis 17 anos e 20 dias. Passou no exame. Durante oito épocas, foi campeão, ídolo incontestado e, do alto do seu 1,65m, fez-se grande no Portugal dos Pequeninos que sonhava ser uma democracia.
Em 1984, ano de europeu em França, Chalana era já uma das grandes figuras do futebol português. Levou a equipa às costas, até às meias-finais, onde Portugal haveria de ser derrotado pela França de Michel Platini. Privilégio do vencedor, o francês foi eleito o melhor jogador do torneio. Mas o mundo acordava para o pequeno genial. Chalana deu nas vistas. Ele e a mulher, Anabela. Loira, alta e sem papas na língua, desempenhava o papel de agente num tempo em que não existiam ainda os ‘superagentes’ de hoje, dava entrevistas, ajudava Chalana a dar as suas entrevistas, escrevia crónicas para o jornal A Bola e era presença constante e notada nas concentrações da Seleção Nacional.
Mas se a meia-final do Euro foi perdida para os franceses (3-2, em Marselha), golpe duro de roer que seria vingado 32 depois em 2016, Chalana teve a sua pequena vingança de forma imediata. Pelo equivalente a 1,5 milhões de euros, o Bordeaux levou-o da Luz para terras gaulesas, onde se fez herói do clube. As semelhanças físicas com Asterix deram-lhe a alcunha Chalanix. Esteve três épocas ao serviço dos girondinos, antes do regresso ao Benfica e do ponto final numa carreira brilhante, mas já com demasiadas lesões, em 1991, pelo Estrela da Amadora.
‘Working Class Hero’, marido de Anabela, absoluto génio da bola. Fernando Chalana partiu a 10 de agosto de forma precoce. Com uma carreira de charneira, estreou-se durante o PREC, no tempo da TV a preto e branco, fez-se, como muitos portugueses, emigrante em França, e terminou a carreira já a cores, com Portugal membro de pleno direito da CEE. Foram 15 anos a espalhar magia por relvados enlameados, com direito a lugar no Olimpo, e uma tímida pós-reforma como treinador. Adeus, Chalana. Cumpra-se o minuto de silêncio.