Se há uma lição a aprender com a notícia de Tom Hanks e a sua mulher, Rita Wilson, se terem isolado depois de o seu teste ao Covid-19 ter sido positivo é que o coronavírus discrimina ainda menos do que pensávamos. Ninguém pode ser ingénuo ao ponto que os dois Óscares de Hanks, ou a sua gigantesca reserva de pontos de karma – afinal de contas, ele é um homem tão adorado e simpático que uma revista o batizou de "Paizinho da América" – o vacinariam contra uma pandemia global. No entanto, alguns poderão ter acreditado que o seu património líquido, que excede os 250 milhões de libras, poderia dar-lhe garantir-lhe mais segurança do que à maioria das pessoas, quanto mais não seja por ele ter mais opções de sobrevivência ao seu dispor.
Infelizmente, na madrugada de quinta-feira, Hanks atualizou os seus 7,2 milhões de seguidores no Instagram, dizendo-lhes que ele e Wilson, que estão na Austrália enquanto Hanks filma a biografia de Elvis Presley realizada por Baz Luhrmann, são dois dos mais de 100.000 casos de coronavírus existentes em todo o mundo. "Bem. Então e o que fazemos agora?", escreveu, como legenda de uma imagem de luvas cirúrgicas e um caixote de lixo hospitalar. "Nós Hanks’ [sic] vamos ser testados, observados e ficar isolados enquanto a saúde pública e a segurança assim o exigirem. Não há muito mais para fazer numa abordagem ‘um dia de cada vez’, pois não?" Hanks e Wilson são os afetados pelo vírus mais famosos até à data, mas ao longo desta semana, vários membros do 1% mais rico do mundo demonstraram estar tão preocupados com o Covid-19 como todos os outros.
No domingo, Dame Joan Collins, de 86 anos, publicou uma fotografia sua com uma máscara facial preta. Regra geral, sabemos que as coisas estão a ficar sérias quando Dame Joan aparece com acessórios mais baratos do que o valor da entrada para uma casa. De um modo ligeiramente surreal, ela teve uma resposta de David Furnish, que disse que as máscaras "não a protegem", mas aconselhou: "não toque na cara".
Billie Eilish, o fenómeno musical adolescente, também foi vista com uma máscara protetora. Kim Kardashian-West partilhou conselhos sobre como cumprimentar alguém usando apenas os pés (obrigada, Kim). E a famosa germofóbica Naomi Campbell – que nunca na vida não apareceria vestida à altura da ocasião, quanto mais não reagiria à altura da ocasião – apareceu no aeroporto de Los Angeles vestida com um fato de proteção química dos pés à cabeça, óculos e luvas de latex cor de salmão. "A segurança é o mais importante PRÓXIMO NÍVEL", escreveu.
Diz-se que os médicos privados de Harley Street [em Londres] estão a ser inundados com telefonemas à procura dos melhores cuidados, de acesso mais rápido a testes do coronavírus e até perguntas sobre vacinação. Eles podem conseguir atalhar as filas para os cuidados de saúde, mas não há atalhos para os testes – o Departamento de Saúde e Cuidados Sociais insistiu que todos os testes devem ser realizados através do NHS (Serviço Nacional de Saúde) e do Public Health England – nem para a vacina, que ainda nem sequer existe. No entanto, isso não impede as pessoas de tentarem. Isto se o 1% não tiver requisitado os serviços de médicos e enfermeiros privados (para se juntarem aos seus professores, cabeleireiros e assistentes pessoais…) para os acompanharem onde quer que vão. Os serviços de reserva de aviões privados têm sido inundados com pedidos de empresas multinacionais e indivíduos com fortunas consideráveis, que estão a tentar "evacuar" para zonas mais seguras, evitando aeroportos e voos comerciais cheios de gente. Segundo dados da empresa de monitorização de aviação executiva WingX, o número de voos privados de Hong Kong para a Austrália e a América do Norte aumentaram 214 porcento em janeiro, em relação ao ano anterior. Embora as companhias aéreas comerciais estejam a ver os seus lucros cair a pique, este sector da aviação está a florescer: uma viagem de ida e volta de Nova Iorque para Londres a bordo de um Gulfsteam IV com 12 lugares, um avião privado considerado normal, custa cerca de 100.000 libras – dez vezes mais do que um bilhete de primeira classe num voo comercial.
Uma vez que a pandemia de coronavírus já está a afetar quase todos os países do planeta, viajar para uma zona "mais segura" não garante necessariamente a segurança (até um resort de luxo nas Maldivas já relatou casos de coronavírus). Na sua interpretação deste problema, os ricos chegaram às suas próprias conclusões excêntricas. No estado do Kansas, existe uma estrutura subterrânea de 15 pisos chamada Survival Condo, uma de 72 construídas durante a Guerra Fria para garantir proteção contra um míssil balístico, mas foi modificada entretanto, ao som de 20 milhões de dólares, para uma nova geração de sobreviventes ultra-ricos. Agora conta com uma biblioteca, uma piscina, uma parede de escalada, um salão com videojogos, uma sala de cinema e uma carreira de tiro. Os apartamentos custam desde 1,5 milhões e 4,5 milhões – a penthouse. Visto de cima, o Survival Condo – que acrescentou recentemente informação sobre o Covid-19 ao seu website – parece um daqueles montes cobertos de erva onde viviam os Teletubbies. Num corte transversal, é uma gigantesca torre invertida em forma de latas de Coca-Cola.
A procura por estes bunkers tem vindo a aumentar, pelo menos na semana passada. A Modern House, uma empresa de imobiliário russa que foi notícia no início deste ano por ter apresentado um abrigo para o apocalipse inspirado pelo Tesla Cybertruck "pós-apocalíptico" de Elon Musk, anunciou no mês passado no Instagram que "a pedido dos clientes, estamos a desenvolver um sistema de proteção contra coronavírus e poeira radioativa".
Mas a vida sem janelas pode não ser para qualquer um, por mais papel higiénico que tenha. Os multimilionários ainda dispostos a arriscar a vida acima do solo em tempos de apocalipse, têm sempre a Nova Zelândia. Foi para onde foram os melhores de Silicon Valley. Peter Thiel, o polémico capitalista de risco norte-americano, co-fundador da PayPal e um dos primeiros investidores do Facebook, é dono de uma quinta na ‘terra da longa nuvem branca’ e dizem que é um de alguns investidores da área tecnológica que se sente atraído pelo seu ar e água puros e isolamento relativo. "Nenhum outro país é mais compatível com a minha ideia de futuro do que a Nova Zelândia", disse em tempos, o que deve ter preocupado imenso os Kiwis. O seu plano é simples: há quatro anos, Sam Altman, outro influente empresário de Silicon Valley, revelou que, na eventualidade de algum colapso global – como, por exemplo, uma pandemia – ele e Thiel embarcariam num avião privado e iriam para a antiga quinta de criação de ovelhas com 193 hectares de Thiel. O que fariam depois de lá chegarem permanece uma incógnita. No entanto, vão ter de se apressar: numa tentativa de combater a disseminação do Covid-19, a primeira ministra da Nova Zelândia, Jacinda Adern, deverá anunciar novas restrições fronteiriças dentro em breve.
Todos estes gastos colossais deixam-nos com a sensação de que o 1% se sente tão inseguro, tão preocupado e é tão suscetível a contrair o vírus como nós – só que não têm problemas em esvaziar as contas bancárias para melhorarem as suas probabilidades contra ele. A sua reação poderia ser suficiente para gerar ainda mais desconforto, por isso ainda bem que temos Gemma Collins, a grande senhora da reality TV, a oficiosa Rainha de Essex, cuja presença nos reconforta neste momento. Ela publicou a seguinte mensagem no Instagram na semana passada: "Não podemos permitir que a economia colapse por causa de um vírus", escreveu como legenda de um vídeo que a mostrava no West End de Londres, com uma taça de champanhe na mão, prestes a estimular o crescimento económico numa loja da Gucci. "Temos de comer chocolate e seguir em frente".
Exclusivo Style/The Sunday Times/Atlântico Press. Tradução: Erica Cunha e Alves