Arnold Schwarzenegger: "Chamei a este livro 'Faz-te Útil' porque é esse o melhor conselho que o meu pai me deu"
Após deixar o cargo de Governador da Califórnia em 2011, o ator austro-americano enfrentou um impasse difícil de superar. No entanto, após uma profunda reflexão, decidiu que o seu tempo não terminava ali; ainda tinha muito por realizar. Neste livro, revela as "7 Regras para a Vida" como uma forma de ajudar aqueles que se encontram num caminho onde a luz ainda parece distante. A Must teve acesso ao excerto "Olhar para o Espelho", que pertence ao primeiro capítulo.
02 de junho de 2024 | Safiya Ayoob / Com Rosário Mello e Castro
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OLHAR PARA O ESPELHO Quando olham para o espelho, o que veem? Um vencedor ou um vencido? Uma pessoa feliz ou alguém que se sente infeliz? Alguém com uma visão ou alguém que está perdido? Eis uma pergunta fácil: de que cor são os vossos olhos? E não me digam que são azuis, castanhos ou uma coisa qualquer. Isso são respostas da treta para preencher impressos. São realmente de que cor?
Não é assim tão simples, certo?
Para muitas pessoas, são perguntas difíceis. A maioria detesta olhar -se ao espelho. E, quando o fazem, quase nunca se olham diretamente nos olhos. É muito desconfortável.
Demasiado assustador. Porque quem está no espelho é frequentemente um estranho nada parecido com a pessoa que veem quando fecham os olhos e imaginam quem querem ser.
Por muito incómodo que possa ser, têm de se olhar ao espelho todos os dias para saber onde estão. Se querem ter a certeza de que estão a ir na direção certa, têm de se avaliar. Têm de garantir que a pessoa que vos olha é a mesma que veem quando fecham os olhos e visualizam a pessoa em que estão a tentar tornar -se. Têm de saber se a vossa visão está ou não em linha com a realidade das vossas escolhas.
Precisam obviamente de fazer isto para evitar perderem -se e tornarem -se inúteis. Mas também para evitar tornarem -se más pessoas. Pela minha experiência, os mundos dofitness, de Hollywood e da política estão cheios de pessoas extraordinárias. Conheci muitas. Também estão repletos de imbecis, parvalhões e idiotas. Também conheci muitos. Cda um era pior do que o outro. Imaginamos os donos de ginásios como tipos básicos e forretas até conhecermos um responsável de um estúdio cheio de dinheiro e com zero gosto, ou um político que pensa que o mundo gira à sua volta porque teve 40 mil votos num qualquer recanto escondido do seu estado. Atravessar as piores partes destes mundos foi como pro curar mover-me entre um conjunto de bonecas russas cheias de merda e gel para o cabelo. E acreditem: é muito fácil ser engolido por elas se não tivermos certezas quanto a nós e àquilo que queremos concretizar.
A diferença entre os bons e os maus é simples e óbvia: é a consciência de si mesmo e a clareza da visão. Os bons sabem especificamente o que procuram alcançar e são disciplinados a avaliar as escolhas que fazem relativamente à visão que têm. Avaliam -se regularmente. E a visão muda à medida que eles mudam. Cresce e evolui com eles. Os bons não têm medo do espelho.
Já os maus evitam o espelho como se fosse a peste. Muitos já desistiram da sua visão há muito tempo – e, por causa disso, foi a versão mais superficial e autocentrada dessa visão que se apoderou deles e os conduziu. Nunca trabalharam para clarificar as suas metas ou para se focarem naquilo a que o seu mundo se poderia realmente assemelhar caso tivessem êxito. Nunca sentiram essa necessidade. Estas pessoas são as que foram para a área financeira porque tudo o que queriam era ser ricas. Foram para Hollywood porque queriam ser famosas. Foram para a política porque queriam ser poderosas. E a sua visão nunca se aprofundou, nem foi para além disso, porque, para elas, funcionava perfeitamente a primeira versão, a mais geral. Atingiram o êxito na dimensão que mais lhes importava – e, lá está, se não está avariado, o melhor é não consertar, certo? Mesmo quando isso não funciona para todos os outros à volta.
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Eu passei toda a vida adulta a olhar -me ao espelho. Nos últimos vinte anos, enquanto funcionário eleito para servir e filantropo, o espelho assumiu a forma de votos, sondagens, estatísticas e dados. Como governador da Califórnia, como presidente do Conselho para a Boa Forma Física e o Desporto, como ativista pelo clima, não há maneira de evitar os números. As pessoas mostram, em palavras, votos e ações, o que pensam de nós e das nossas ideias. Dizem -nos se acreditam em nós – ou não. Quando os dados chegam, quando o ponteiro se mexe, descobrimos muito rapidamente se a nossa visão é real ou é uma fantasia.
Nos vinte anos antes disso, em Hollywood, a câmara e o ecrã eram o espelho. Fosse qual fosse a minha visão para o desempenho que pretendia ter num filme, ela empalidecia em comparação com aquilo que 500 pessoas sentadas às escuras num cinema viam quando eu estava à frente delas num ecrã com nove metros de altura. A câmara não mente. Filma em alta definição, com um foco total, a 24 imagens por segundo. EmO Exterminador Implacávelsó ocupei o ecrã 21 minutos, mas mesmo assim estamos a falar de mais de trinta mil imagens diferentes captadas para sempre. O que eu pensava que estava a fazer nessas cenas só importava se o público visse a mesma coisa. Só então eu podia reivindicar sucesso. Só então podia dizer que tinha atingido a minha visão como ator nesse filme.
Nos vinte anos antes disso, como culturista, o espelho era um espelho literal. Eu olhava para o espelho todos os dias. Horas seguidas. Fazia parte do trabalho. Não é possível saber se um exercício funciona devidamente a menos que olhemos para nós ao espelho a executá-lo. Não é possível saber se temos todos os movimentos bem definidos a menos que estejamos diante do espelho e executemos as poses em sequência.
Na cena de abertura deO Homem dos Músculos de Aço, Franco Columbu e eu estamos num estúdio de dança em Nova Iorque a aprender movimentos com uma instrutora de bailado. A ideia é melhorar as poses. Ela vai -nos guiando através de diferentes posições, ajustando a nossa postura e olhar e suavizando as transições, procurando que tudo pareça mais fluido e impressionante. Nesse trabalho, ela sublinhou de uma forma fantástica a importância de prestar atenção à maneira como nos movíamos entre poses. Quando estamos em cima do palco, os juízes não olham para nós apenas nos momentos-chave em que estamos em flexão total, no nosso melhor. "O que vocês precisam de perceber", disse-nos, "é que as pessoas estão sempre a olhar para vocês." E tinha tanta razão! As pessoas estáticas são o que acabará por aparecer nas fotos publicadas em revistas. E serão o que as pessoas que não estiveram lá ficarão a saber sobre nós. Mas as pessoas na sala, as pessoas que importam, estarão a observar e a julgar todos os aspetos dos nossos movimentos e as transições entre esses momentos-chave.
A metáfora era perfeita. A vida não é apenas feita de pontos altos ou de grandes momentos. Não se trata só dos acontecimentos que acabam gravados nas memórias das pessoas ou em imagens coladas em livros de recortes. A vida é também feita dos pedaços de tempo nos intervalos. A vida acontece tanto nas transições como nos momentos de pose. É, toda ela, um longo desempenho – e quanto mais impacto se quiser que ele tenha, mais importante se tornam cada um desses pequenos momentos.
Aquilo que não se vê nessa primeira cena, por causa do ângulo da câmara, é que as outras duas paredes do estúdio da professora são revestidas de espelhos. Os bailarinos, tal como os culturistas, sabem. É impossível crescer sem observar atentamente o trabalho que se realiza. É impossível melhorar sem se comparar o esforço que se faz com aquilo que se sabe, no coração e na mente, que devia ser. Para ter o desempenho de uma vida, para alcançar uma visão, seja ela qual for, por muito louca ou impossível, há que ser capaz de ver aquilo que o mundo vê quando olha para nós a tentar atingi-la. Isso não significa conformarmo-nos com as expetativas do mundo. Quer dizer é que não devemos ter medo de estar frente ao espelho, olharmo-nos nos olhos ever de verdade.