O ano de 2020 será sempre recordado pela pandemia… e pelos clips do advogado do Texas que não conseguia perceber como desligar o filtro com a imagem de um ‘gatinho’ durante um processo judicial virtual, a decorrer no Zoom, e que sentiu necessidade de dizer ‘não sou um gato’, ou ainda pelo jornalista da New Yorker que foi despedido depois de ser apanhado num ato sexual (consigo próprio) durante uma reunião de colegas no Zoom a pensar que a sua câmara estava desligada.
Em janeiro de 2020, havia 659.000 utilizadores do Zoom no Reino Unido. Em abril, esse número tinha subido para 13 milhões. No final desse mesmo mês, a plataforma Google Meet estava a captar três novos milhões de utilizadores por dia. Desde que há memória, nunca antes tinha havido uma reviravolta desta amplitude na maneira como as pessoas vivem e trabalham.
Mais de um ano depois, a maioria de nós defende a realização de reuniões virtuais a partir dos nossos novos escritórios, em nossa casa. Estas plataformas atiraram-nos uma corda de segurança vital, neste período de isolamento forçado, e, consequentemente, muitos de nós acabámos por nos reconectar a mais pessoas que vivem e trabalham mais longe. Na opinião de muitos, tudo isto aponta para o fim das viagens de negócios e da hospitalidade corporativa [entretenimento que as empresas proporcionam aos seus funcionários ou clientes, geralmente através da participação em eventos culturais ou desportivos] – mas as coisas não são assim tão lineares.
"Nos últimos dias, reservei mais de uma dezena de voos para mim mesmo, porque sei que no setor em que opero tenho de me sentar pessoalmente com as pessoas ou então as coisas na verdade não funcionam. Mas decididamente que não vou levar comigo cinco membros da minha equipa, como faria anteriormente", conta-me o presidente executivo de uma empresa.
E quanto aos eventos corporativos, em que socializar com parceiros e clientes atuais e potenciais equivale a bons negócios? "Estou a ver a hospitalidade corporativa de topo a retomar, mas de forma mais discreta, mais significativa e mais baseada em experiências", diz o mesmo CEO.
"Atendendo a que poucas empresas saíram ilesas da pandemia, os eventos de hospitalidade em grande escala são de certa forma vistos como inapropriados nesta altura. Oiço dizer que [há empresas que] estão a tentar trocar os bilhetes mais caros da final do Campeonato do Mundo de Rugby, que podem custar 8.000 libras cada um, porque há quem sinta que pagar um balúrdio para pular e gritar a ver um jogo não é a coisa certa a fazer".
Uma coisa é certa: embora as viagens de negócios no segmento mais baixo da escala tenham desaparecido por completo, os mais abastados a nível mundial simplesmente não vão querer abrir mão dos negócios presenciais e do mútuo respeito implícito num aperto de mãos físico. E dado que se registou um número sem precedentes de novos multimilionários no mundo em 2020, os negócios no segmento de topo não deverão escassear.
E embora estas pessoas pudessem ter tido vontade de comprar propriedades no valor de vários milhões de dólares que só viram de forma virtual durante a pandemia, o certo é que, quando estamos a falar de negócios que envolvem empresários com valores patrimoniais elevadíssimos, os egos significam que as coisas ganham um toque muito mais personalizado.
Resorts como o Gleneagles na Escócia estão a dar conta de imensas reservas para grupos empresariais mais pequenos de executivos de topo – oferecem uns dias de descanso com um grande foco nos espaços exteriores, repletos de atividades como jogar golfe e andar de barco, conjugados com provas de conhaque e cozinha imaginativa. É o team building [criação de espírito de equipa] ao mais alto e mais luxuoso nível".
"Uma nova tendência interessante em que reparei é que as pessoas integradas nessas pausas corporativas estão a ser incentivadas a levarem os seus companheiros", diz Conor O'Leary, diretor-geral do Gleneagles. "Parece ter muito a ver com a demonstração de generosidade para com os executivos de topo e, depois do ano que as pessoas tiveram, tem também muito a ver com recompensar a unidade – um executivo e o seu companheiro – em vez de apenas o indivíduo. O nosso espaço independente de realização de eventos para pequenos grupos, o Ochil House, está já reservado para os próximos meses".
As imagens por satélite fornecidas pelo Observatório da Terra, da esfera da NASA, mostraram que a poluição climatérica diminuiu significativamente no ano passado, devido ao facto de os aviões, comboios e automóveis de todo o mundo terem feito uma pausa no andamento. Claramente, a pausa nas viagens das pessoas do mundo inteiro, que acorriam a feiras comerciais à pinha e a outros eventos relacionados com trabalho, fez alguns favores ao planeta.
"Antes da pandemia, as empresas que estavam em vias de ser cotadas em bolsa organizavam os chamados ‘roadshows’ [digressões], com périplos de curtas paragens nas capitais mundiais para se apresentarem aos investidores", contou-me James Lewisohn, investidor de capital privado. "Isto poderia implicar dois ou três voos num único dia, por vezes em aviões privados de modo a poderem fazer mais uma paragem ou duas. Era dispendioso, extenuante e ambientalmente deplorável. Não creio que haja quem volte algum dia a organizar um ‘roadshow’ físico".
Aquilo que temos de realmente ter em conta no período pós-pandemia é o que deve e não deve ser classificado como essencial para o negócio e o que pode e não pode ser feito à distância com êxito. Como tudo na vida, é provável que a solução envolva encontrar um equilíbrio entre o físico e o virtual.
"A importância do contacto presencial e da química pessoal não pode ser subestimada, especialmente no caso de grandes negócios e importantes decisões de investimento", diz Marine Eugène, diretora-geral das empresas de aluguer de aviões privados PrivateFly e Flexjet – áreas onde, é claro, o negócio está a florescer.
Segundo uma empresária minha conhecida, é muitas vezes a conversa de circunstância que ocorre durante as interações das pessoas no trabalho que leva a uma excelente criação de laços entre as pessoas.
"O contacto direto não é o mesmo que num ecrã", diz-me ela. "Tem também a ver com a linguagem corporal e com o fluir de uma conversa mais próxima. Quando se está perante uma pessoa, presencialmente, é muito mais fácil avaliar os seus valores, pensamentos e sentimentos".
As reuniões virtuais são uma invenção brilhante e necessária e revolucionaram a forma como as pessoas interagem e fazem negócios. E também preencheram o vazio criado pelo distanciamento social imposto no ano passado e conectaram as pessoas no mundo inteiro a uma escala nunca antes vista. Mas continua a haver afinações necessárias a toda esta experiência.
"O Zoom é um excelente método para receber informação que seja sobretudo, mas não exclusivamente, unidirecional – apresentações ou atualizações da empresa, seguidas de uma sessão de perguntas, por exemplo", acrescenta James Lewisohn.
"Contudo, trata-se de um formato pouco enriquecedor para a interação de grupo ou para o tipo de aliança que se constrói nas reuniões onde múltiplos ‘stakeholders’ [partes interessadas], possivelmente com agendas diferentes, se fazem representar. As pistas visuais e verbais podem tornar-se confusas e é mentalmente exaustivo ter uma dúzia de caras a que estar atento enquanto se tenta preservar um sorriso ligeiramente forçado no nosso próprio rosto".
A solução para o futuro, ao que parece, é algo mais "híbrido": tecnologia que disponibiliza aos participantes a opção de estarem presencialmente, remotamente ou talvez inseridos em pequenos módulos de pessoas que se sintonizam juntas em reuniões maiores.
Stephen Williams, CEO dos aviões Super Legacy, que têm um impressionante historial de segurança, os mais baixos custos operacionais de qualquer avião privado no mercado – e só com um motor –, e 50% das emissões de um bimotor, considera que as empresas de aluguer de aviões privados como a sua desempenharão um papel integrante na revitalização das viagens de negócios.
"Nos EUA, os aviões privados não são, de todo, vistos como brinquedos de luxo para os ricos e famosos; eles são vistos como ferramentas essenciais para se fazer negócios", diz Williams. "Acho que cada vez mais pessoas estão a abraçar essa ideia. Um dos nossos clientes, que vive no Mediterrâneo, está no ramo dos iates e tem de ir frequentemente ao estaleiro em Hamburgo. Se fosse num voo comercial, demoraria dois dias. Desta forma, pode sair de manhã e estar de regresso a tempo do chá das 5".
Créditos: Francesca Syz/The Telegraph/Atlântico Press
Tradução: Carla Pedro