Há alguns anos, o comediante e satirista político Ghanem al-Dosari decidiu que queria promover o seu perfil público. Então, tal como milhões de outras pessoas com as mesmas ambições, criou um canal no YouTube. A partir do seu apartamento no norte de Londres, filmou vídeos curtos e de baixo orçamento de si próprio a falar perante a câmara, antes de os divulgar online, na esperança de encontrar público ou, mais precisamente, que o público o encontrasse a ele.
E assim foi. Lentamente, no início, mas depois com um impulso emocionante e exponencial, as pessoas começaram a clicar. Viram Dosari e riram-se ou concordaram com ele em silêncio, partilhando os vídeos com os amigos, os quais, por sua vez, os partilharam com os seus próprios amigos. Os seus sketches e polémicas evoluíram de dezenas de milhares de visualizações para centenas de milhares e depois milhões. Atualmente, os seus vídeos são vistos cerca de 300 milhões de vezes e esse número continua a aumentar, o que significa que ele concretizou a ambição arquetípica do início do século XXI: tornou-se – e continua a ser – viral. Usando apenas um computador portátil e um telemóvel, tornou-se famoso. Tem mais de 400.000 seguidores no Twitter. É um influencer. Está a viver o sonho.
Existe, porém, um senão. Dosari é da Arábia Saudita. O alvo da sua sátira é o estado saudita. O tema das suas piadas é, invariável e inexoravelmente, a Casa Real Saudita. E a família real saudita não gosta de ser piada. Não gosta de críticas. Nem tende a ficar quieta quando se sente ofendida.
Acontecimentos recentes tornaram isto muito óbvio. Em outubro de 2018, o jornalista saudita Jamal Khashoggi, colunista do Washington Post e crítico do regime, foi assassinado e desmembrado por agentes dos serviços secretos sauditas em Istambul. No mês passado, Jeff Bezos, o homem mais rico do mundo e dono do Washington Post, alegou que o seu telefone fora alvo de um ataque informático saudita depois de ter recebido uma mensagem pessoal do Príncipe da Coroa Mohammad bin Salman, o dirigente de facto do reino, pelo WhatsApp. Existe atualmente um programa gerido pelo estado saudita para raptar vozes dissidentes que vivam no estrangeiro e recambiá-las para Riad sabe-se lá para quê. Estes raptos têm vindo a aumentar e são executados descaradamente. Por isso, para Dosari, o sonho tem tido alguns contornos de pesadelo.
"Aquilo que estou a fazer é muito perigoso", diz, sem fanfarrice. "E posso vir a pagá-lo com a vida."
Estamos numa pequena sala de reuniões com paredes de vidro na redação do The Times. Dosari tem 39 anos e é um homem genial e bastante contido, embora tenha uma certa energia nervosa. Sentado à minha frente, do outro lado de uma mesa pequena e redonda, pega distraidamente numa série de canetas e brinca com elas, tirando-lhes e trocando-lhes as tampas enquanto fala. A dada altura, a mesa entre nós começa a vibrar e reparo que a perna dele está a tremer imenso.
Ele raramente vem ao centro de Londres nos dias que correm, diz-me. Com efeito, raramente sai de casa, com medo de ser seguido e usa óculos de sol até no metro. Tem de planear cada passo antes de sair à rua. "Estou sempre a mudar os meus trajetos. A mudar de roupa. Geralmente, uma pessoa normal caminha até ao seu destino sem medo, mas eu tenho de mudar constantemente de direção, para o caso de estar a ser vigiado."
À semelhança do sucedido com Bezos, o telefone de Dosari foi alvo de um ataque informático e os seus movimentos foram rastreados. Ele foi atacado em plena luz do dia, nas ruas do centro de Londres, por homens que crê serem agentes sauditas, e diz ter recebido telefonemas de parentes do Príncipe da Coroa Mohammad bin Salman – "MBS" – ameaçando-o de decapitação e muito mais. Em outubro de 2018, pouco depois do homicídio de Khashoggi, detetives da Polícia Metropolitana foram até ao apartamento de Dosari para o informarem que tinham razões para crer que a sua mulher corria perigo, embora aparentemente não tivessem provas suficientes para revelar de onde vinha, ao certo, essa ameaça. Dosari, que recebera asilo político por volta dessa altura, depois do pedir ao longo de seis anos, agradeceu-lhes educadamente a informação. Em seguida, os agentes instalaram um alarme de pânico e foram-se embora.
Não há nenhum glamour em ser dissidente político, diz Dosari. É quase tudo paranoia, tédio e solidão. Ele tem uma relação, mas não revela mais nada. Tem dificuldades em dormir. Diz que costumava passar a vida no ginásio, mas agora tem medo de ir. "Por isso, engordei", diz, quase desculpando-se.
Acima de tudo, é o descaramento das tentativas sauditas de ameaçar e intimidar que ainda o surpreende. As suas sobrancelhas bem arqueadas franzem-se. "Nas décadas anteriores, os sauditas têm estado envolvidos em raptos, homicídios e detenções", diz falando rápida e serenamente num inglês temperado com um sotaque denso. "Mas costumavam fazê-lo em privado. Costumavam encobrir o seu rasto. Mas desde que MBS subiu ao poder? Parecem não querer saber."
Dosari está a ripostar. No mês passado, o Supremo Tribunal do Reino Unido permitiu a Dosari interpor uma ação cível contra o reino da Arábia Saudita. Quando infetaram os seus dois telemóveis com um vírus que lhes permitia ouvir as suas chamadas, ler as suas mensagens e rastrear a sua localização, os seus advogados disseram que o governo saudita invadira a sua privacidade. Os sauditas negam a acusação. Quando um mensageiro tentou entregar a documentação legal na embaixada saudita, o funcionário que a recebeu limitou-se a atirá-la para o chão. Uma análise independente aos dois telemóveis de Dosari realizada por especialistas em ciberarmas do Citizen Lab da Universidade de Toronto levou-os a concluir, "com bastante certeza", que a Arábia Saudita estava por detrás do ataque. Por isso, ele espera vê-los – ou pelo menos alguém em representação do regime – em tribunal. Ele pretende uma indemnização ("Ainda não definimos o valor"), mas, igualmente importante, um pedido de desculpas. A sua esperança é que, atrair atenção para os alegados atos da Arábia Saudita os incentive, no mínimo, a reconsiderar o seu comportamento. "O seu ministro dos negócios estrangeiros está sempre a dizer ao Irão para se comportar como um país normal", diz, levantando os olhos das canetas. "Mas são eles que têm de se comportar como um país normal."
Há muito que Dosari sabe que não é de um país normal. Ele é vago em relação ao seu passado, mas diz que cresceu numa família "normal" em Al Kharj, uma cidade a 50 km de Riad. Saiu da Arábia Saudita em 2003, com 23 anos, oficialmente para estudar ciência informática na Universidade de Portsmouth, mas também para fugir de uma sociedade que já concluíra ser opressiva e estar podre. Não era apenas a questão da falta de liberdades civis essenciais – era a forma como tudo era concebido de modo a aumentar a autoridade e o prestígio da dinastia no poder. Se quisermos fazer seja lá o que for na Arábia Saudita, diz, precisamos da aprovação do governador local. Este governador vai sempre ser um membro da família real que tem de ser abordado com muita humildade.
"Se quisermos fazer seja lá o que for, temos de ir ao seu gabinete pedir autorização", diz, com uma careta. "Basicamente, temos de humilhar-nos para obter seja o que for que deveria nosso por direito. Se quisermos tratamento hospitalar, precisamos de uma carta. Até em emergências. Lembro-me de um parente meu ter um acidente de trabalho sul da Arábia Saudita. Para conseguir um helicóptero militar, precisamos da autorização do ministro da saúde. E se ele estivesse em Marrocos?", pergunta, encolhendo os ombros. "Nada no país funciona como deve ser. Tudo lhes pertence. Eles precisam que nós nos sintamos gratos a eles por tudo. Até pelos nossos direitos fundamentais."
Quando chegou a Portsmouth, porém, ficou maravilhado com a maneira como a sociedade britânica funcionava. "Estava sempre a sorrir", diz-me, alegre. Ver tudo aquilo, desde a liberdade de imprensa à igualdade de género só o fez perceber ainda melhor quão retrógradas as coisas eram na sua terra natal. E, ao ver essas liberdades, percebeu o medo que o regime saudita tem do seu próprio povo. No Reino Unido, a polícia e os serviços secretos estão treinados para proteger os cidadãos. Na Arábia Saudita, era ao contrário. "É como se nós fossemos o inimigo", diz, inclinando-se para frente e batendo no peito. "Os serviços secretos estão a trabalhar contra nós, tentando descobrir o que dissemos para o usarem contra nós."
Infelizmente, ele veio a provar que estava certo nesta matéria. Enquanto estudava no Reino Unido, começou a encontrar-se e a conversar com sauditas que tinham deixado o reino e partilhavam as suas opiniões políticas. No entanto, pelo menos uma destas supostas figuras da "oposição" veio a revelar-se um agente do governo saudita. Pouco depois, um parente de Dosari que trabalhava para o serviço diplomático saudita foi transferido para Londres. Este parente, que nunca prestara muita atenção a Dosari, começou a convidá-lo para o acompanhar em férias luxuosas a Marrocos e ao Egito. Dosari diz que começou a sentir suspeitas, tratando-se de países para os quais os dissidentes sauditas eram frequentemente atraídos para depois serem raptados pelo governo. Arranjou sempre uma desculpa para não ir com o seu parente ao estrangeiro, mas convivia socialmente com ele de vez em quando, enquanto saltava de um curso universitário – e um visto de estudante – para outro.
Certo dia, em 2007, Dosari estava a tomar café no hotel Lanesborough, em Londres, com o seu parente e um amigo em comum chamado Maher Abdulaziz Mutreb, do serviço diplomático saudita. Passado algum tempo, o seu parente levantou-se para ir à casa de banho e Mutreb inclinou-se em frente e dirigiu-lhe um aviso calmo, mas urgente. "Ele disse-me: ‘Fica onde estás. Não te mexas.’" A intenção era transmitir-lhe que não saísse do Reino Unido por motivo algum. Quando lhe perguntou porquê, Mutreb abanou a cabeça e disse que não podia entrar em pormenores.
Dosari saiu do Lanesborough ainda mais convencido de que estava marcado como alvo a abater. Numa reviravolta estranha e ligeiramente assustadora, em novembro do ano passado, o governo saudita confirmou que Mutreb fora responsável por organizar o esquadrão que matou Jamal Khashoggi em Istambul. "Quando os pormenores foram divulgados, imensa gente falou-me para me dizer: ‘Tu conheces aquele tipo!’ Ele era ótima pessoa na altura. Fiquei chocado. Para mim, ele deixou de ter um lado humanitário e passou a ser um monstro."
Os anos sucederam-se e Dosari permanecia no Reino Unido. Ganhou apetite por muitos aspetos da nossa cultura popular. "Sou um grande fã do The Apprentice, do The X Factor, do Dragons’ Den, da Premier League", enumera, alegremente. "Vejo quase todos os jogos."
Ele manteve-se em contacto com amigos e familiares na Arábia Saudita e escreveu artigos e publicou posts no seu blogue criticando o estado. Quando foi a Primavera Árabe, em 2010-11, ele já testemunhara o poder das redes sociais para criar coesão e divulgar mensagens de desafio. Em 2012, filmou um vídeo de 60 segundos, consigo próprio a dirigir-se ao rei da Arábia Saudita da altura, Abdullah bin Abdul Aziz, dizendo-lhe que era ele e não os seus adversários políticos quem deveria estar na prisão. "Aquele vídeo foi publicado na página de entrada do YouTube e na BBC. No dia seguinte, foi eliminado pelos sauditas. Foi o ponto de não retorno."
Impulsionado pelo alcance e pelo impacto do vídeo, Dosari decidiu criar o seu próprio canal de YouTube. Apesar de não ter experiência como artista ou apresentador, definiu rapidamente um estilo eficaz, dirigindo-se à camara sentado atrás de uma secretária, vestindo o traje tradicional saudita antes de atacar, em alto e bom som, a família real pela sua corrupção, incompetência, venalidade e crueldade.
Inspirando-se em talk shows americanos como o de Stephen Colbert e Jimmy Kimmel, o Ghanem Show tem um ambiente bizarro, mostrando caricaturas e imagens digitalmente editadas de membros da família real saudita, em particular o Príncipe da Coroa Mohammad bin Salman. Com efeito, Dosari é responsável por dar uma alcunha a MBS que é agora amplamente usada na Arábia Saudita, que significa, mais ou menos "o Urso Gordo", ou "o Urso Perdido". Pode não soar muito mal, mas no Médio Oriente, chamar urso a alguém é um insulto a sério, pois significa gordo e feio, e "perdido" é uma alusão à corrupção e falta de discernimento. Naquele que é o seu único momento de deleite ao longo da nossa entrevista, Dosari ri-se do facto de o Príncipe da Coroa saber que as pessoas lhe chamam isto. "É demasiado para ele", diz, batendo na mesa. "É demasiado."
Pôr o Ghanem Show a funcionar foi complicado. Dosari criou uma conta de YouTube, começou a publicar vídeos, atraiu alguns milhões de visualizações e, de repente, o governo saudita conseguia remover-lhe a conta, bombardeando o YouTube com queixas, dizendo que ele estava a violar os direitos de autor da família real ou que não era quem dizia ser. Isto aconteceu mais do que uma vez. Dosari ganhava dezenas de milhares de seguidores, apenas para perdê-los em seguida e ter de começar tudo do início. Por fim, queixou-se ao YouTube, que tomou a altitude certa, validando a sua queixa e verificando-lhe a conta. "O que foi um enorme alívio." A partir de 2016, a sua popularidade não parou de aumentar.
O seu público é esmagadoramente saudita e gosta do Ghanem Show porque Dosari, a partir do seu apartamento em Londres, tem liberdade para dizer aquilo em que eles estão a pensar. "Falo por eles. Eles querem dizer estas coisas, mas não podem. Estão numa prisão. Por isso, eu digo aquilo que eles gostariam de dizer e eles adoram." Vale a pena sublinhar que, na Arábia Saudita, as leis contra a sátira significam que uma pessoa pode ser condenada a cinco anos de prisão e pagar uma coima superior a 600.000 libras esterlinas por criticar o governo. "Quando falamos sobre o príncipe da coroa e ele está a fazer alguma coisa de errado, nós dizemo-lo. Isso é uma novidade. E as pessoas querem ver isso."
Ele usa trajes tradicionais sauditas quando apresenta os seus vídeos para que os seus compatriotas sauditas identifiquem a sua imagem quando estão a navegar no YouTube. E embora grande parte do Ghanem Show se dedique a ridicularizar os detentores do poder, o canal também informa os cidadãos sauditas sobre os seus direitos e aquilo que deveriam esperar de um governo funcional. Ele refere a guerra vangloriosa do Príncipe da Coroa no Iémen, que ele estava em pulgas para iniciar e disse que terminaria em poucos meses, mas se transformou num derrame de sangue que dura há anos. Ele ridiculariza as tentativas do Príncipe da Coroa para parecer algum tipo de força liberalizadora perante o Ocidente.
"Mas ele não fez nada!", diz Dosari. "A única coisa que fez foi deixar as mulheres conduzir. O que é fantástico. Mas, em simultâneo, deteve as mulheres que trabalharam nesse sentido, porque não queria dar-lhes os créditos. Ele quis os créditos para si próprio. Ele é um ditador e está a tentar mostrar ao mundo que é um reformador."
A cada novo vídeo publicado por Dosari, mais pressão os sauditas exercem sobre ele. Em 2017, o seu website foi alvo de um ataque informático e foram publicadas fotografias do Príncipe da Coroa na sua página de entrada. Ele recebeu um telefonema de um homem que crê ser o príncipe Abdulaziz bin Mashour, o cunhado do Príncipe da Coroa, ameaçando-o de lhe cortar a cabeça. Dosari gravou o telefonema e partilhou a gravação na Internet. Pouco depois, diz ter recebido uma chamada de um famoso assassino a soldo saudita – que detém, aparentemente, o recorde mundial de ingestão de escorpiões vivos – que o ameaçou de ir a Londres matá-lo e, em seguida, comê-lo. No entanto, isso não o dissuadiu. Nesse mesmo mês, setembro de 2017, Dosari foi instrumental na organização de um dia de protestos populares contra detenções políticas e a má gestão da economia interna da Arábia Saudita.
No ano seguinte, as ameaças deixaram de ser virtuais. Um dia, em agosto de 2018, Dosari estava a tomar café com um amigo que estava de visita quando dois sauditas o confrontaram à porta do Harrods. Os homens começaram a gritar com ele, perguntando-lhe quem ele achava que era para criticar a família real saudita. "O meu amigo tentou travá-los. Disse-lhes: ‘Estamos no Reino Unido, não na Arábia Saudita.’ Mas eles limitaram-se a dizer ‘Que se f*** a Rainha. Nós controlamos a polícia.’ E atacaram-me ali mesmo."
A luta que se seguiu foi filmada por alguém e rapidamente divulgada em canais de redes sociais associadas ao regime saudita. Depois disso, um amigo canadiano de Dosari diz ter sido abordado por um terceiro saudita que lhe disse que trabalhava para o Príncipe da Coroa e lhe ofereceu dinheiro para não se apresentar como testemunha do ataque. Dosari insiste, perentoriamente, que os seus agressores trabalhavam para o governo saudita, quanto mais não seja porque a natureza hierárquica intrínseca da sociedade saudita significa que ninguém faria algo tão ousado sem autorização. Pouco depois, saiu de um restaurante para se encontrar um homem que estava lá fora à sua espera. "Ele disse-me que eu tinha os dias contados." No ano passado, enquanto tomava café em Edgware Road, ele diz que um adolescente saudita tentou atacá-lo enquanto filmava o ataque.
Só depois de descobrir que os seus telefones tinham sido alvo de um ataque informático que é Dosari percebeu que estes incidentes não deveriam ser aleatórios. O vírus que os infetara, transmitido por uma mensagem falsa do serviço de entregas da DHL, transformou os telemóveis em dispositivos de vigilância que permitiam rastrear cada um dos seus movimentos. Depois de o vírus ser exposto, Dosari diz que começou a ter mais medo do que nunca. Dissidentes e até príncipes sauditas "desapareciam" frequentemente do norte de África e de outros países europeus. No entanto, ele achava que, desde que permanecesse no Reino Unido, estaria seguro. "Eu achava que o Reino Unido era um território proibido. Todos sabíamos que eles raptavam pessoas em França, Itália e na Suíça. Mas pisarem aquele risco, atacarem-me na rua e, depois, passado um mês, matarem Jamal Khashoggi? Estavam a ficar malucos."
Foi por volta da altura em que o seu pedido de asilo político lhe foi concedido que Dosari foi visitado pela Met Police, que lhe disse que a sua mulher corria perigo. Eles chegaram ao apartamento por volta das 3 da manhã. "Eu estava acordado, de qualquer maneira", diz. Eles foram muito profissionais. Disseram-me: ‘Temos o dever de mantê-lo em segurança.’" O último ano de Dosari parece ter sido complicado. Ele usa frequentemente as palavras "deprimido" ou "depressivo" para descrever o seu estado de espírito ou circunstâncias atuais. Teve de parar de gravar vídeos. Não é que se tenha sido intimidado, insiste – afinal, ele vai levar os sauditas a tribunal – mas, após a morte de Khashoggi, que mais pode ele dizer? Como envergonhamos ou satirizamos um regime que não sabe o que é vergonha, o que é sátira? Ele diz que não fala com a família que permanece na sua terra natal. Em 2017, o governo saudita enviou uma equipa para filmar o seu repúdio público. Embora o vídeo nunca tenha sido divulgado, ele não voltou a ter notícias de ninguém, para além da mãe, desde então. "E depois do ataque à porta do Harrods, nem a minha mãe fala comigo", diz suavemente. Ele não os culpa porque não faz a menor ideia das ameaças que lhes possam ter sido feitas. "Não sei o que se passa. Dou o meu melhor para me manter funcional."
Por vezes, ele recebe visitas da Arábia Saudita, embora até isso seja estressante. "Só me encontro com pessoas que já conheço há muito tempo. Estou em contacto com pessoas na área da educação, professores, cirurgiões. Eles vêm ter comigo, encontramo-nos em demasiados sítios… Eles apreciam aquilo que eu faço. Mas a sua segurança é importante. Sentir-me-ia muito culpado se lhes acontecesse alguma coisa."
Ele tem de ir agora e aventurar-se no meio da cidade, mantendo os olhos abertos, examinando rostos que lhe possam desejar mal enquanto tenta triangular rotas novas e inesperadas até ao seu apartamento, onde ficará escondido até ser mesmo obrigado a partir. Dosari diz que não sabe o que acontecerá no tribunal. Nem sabe se os sauditas se dignarão a aparecer. Franze o sobrolho quando pensa nisso. "Mas acho que vão ter de aparecer."
É difícil para ele articular aquilo que gostaria que mudasse no país que parece querer silenciá-lo porque, na verdade, ele gostaria que tudo mudasse. E é difícil ficarmos agarrados a uma coisa que, lá no fundo, sabemos ser impossível. Por isso, ele volta a falar sobre o facto de, acima de tudo, só querer ver a Arábia Saudita aproximar-se da normalidade. E se levá-los a tribunal pode fazer com que isso aconteça, então seja.
"Um país normal não mataria um cidadão seu, nem desmembraria o seu corpo. Um país normal não espiaria os seus próprios cidadãos só porque eles estão a falar abertamente em território estrangeiro", conclui. "Eles precisam de ser responsabilizados."
Exclusivo The Times Magazine/Atlântico Press
Tradução Erica Cunha Alves