Se há coisa que faz falta perto do fim do ano, quando a maioria das pessoas começa a sua lista de resoluções para os próximos 12 meses, é ficar a saber a data da morte. Ao que parece, os cientistas de computação são uma classe insensível a minudências festivas e escolheram mesmo o mês de dezembro para apresentar um estudo, na revista Nature Computational Science, em que explicam como desenvolveram um modelo, a que deram o nome "live2vec", que, qual ChatGPT mórbido, é capaz de adivinhar quando é que uma pessoa vai morrer, tendo acertado na previsão em 78% das vezes. Bem melhor do que um vidente de feira.
Para fazer as suas previsões, o "live2vec" foi alimentado com as histórias de vida de milhões de dinamarqueses. Por conta disso, é capaz de, não só, prever a idade com que se vai morrer, mas também de apurar quanto dinheiro é que se vai fazer ao longo da vida, entre outras coisas. Inúmeras equipas de investigadores de diversas áreas já tinham tentado criar um modelo computacional semelhante, usando dados sobre saúde, relações familiares e educação, mas nenhuma das tentativas resultou em previsões acertadas.
O que o "live2vec" tem de diferente é que os investigadores decidiram alimentá-lo não com dados de saúde e afins, mas com modelos de linguagem, como o ChatGPT. Este tipo de algoritmo analisa quantidades enormíssimas de textos, à procura de padrões em frases e conjuntos de palavras. Informação que depois usa para prever quais serão as próximas palavras numa qualquer frase. Portanto, o que estes investigadores fizeram foi olhar para os seres humanos, no caso, os dinamarqueses, como se fossem frases.
À revista científica digital Science.org, Sune Lehmann, cientista na Universidade Técnica da Dinamarca e parte desta equipa, disse que a questão que ele e os colegas se colocaram foi se um algoritmo com estas características seria capaz de encontrar sentido noutro tipo de sequências – como as histórias de vida das pessoas. "Tal como na linguagem, a ordem pela qual as coisas acontecem na vida das pessoas é muito importante", disse.
Os investigadores recorreram aos registos nacionais dinamarqueses, que contêm informações sobre o trabalho e a saúde de cada um dos cerca de seis milhões de cidadãos do país, e transformaram detalhes como salário, benefícios sociais, profissão, idas ao hospital e diagnósticos, numa história linear. Quase uma biografia de cada pessoa, mas só entre os anos 2008 e 2016. Ao colocar esses eventos numa linha do tempo, o modelo recriou a história de vida digital de cada um.
Posto isto, utilizaram o algoritmo para prever se alguém tinha morrido até 2020. As previsões do modelo foram precisas 78% das vezes. O "live2vec" chegou às suas conclusões levando em consideração diversos factores que apontam no sentido de uma morte prematura: baixos salários, problemas de saúde mental, e ser do género masculino. A percentagem de 22% de falhanços está relacionada com mortes decorrentes de acidentes ou ataques cardíacos – mais difíceis de prever. O "live2vec" até conseguiu prever a possibilidade de cada pessoa ser introvertida ou extrovertida, mas, para isso, basta uma análise rápida a olho nu.
Será que este tipo de ferramenta não levanta questão sobre privacidade? Certamente que sim, mas, sobre isso, como é costume, falaremos mais para a frente.