Com cerca de mil associados que reúnem perto de 1500 hectares na região do Dão, a Adega Cooperativa promoveu uma série especial de vinhos a partir da vindima de 2015. A ideia era mostrar o património vinícola, contemporâneo ou histórico, com vinhos e castas que caíram no esquecimento. Virgílio Loureiro acabou por ser o principal responsável pelas mudanças e um dos entusiastas desta Série Especial, juntamente com os enólogos António Pina e Ana Beatriz.
Qual é o propósito desta Série Especial?
A Série Especial de vinhos monovarietais foi criada com o intuito de conhecer, de forma aprofundada, o comportamento das principais castas dos associados e o potencial produtivo das várias freguesias da área de influência da adega, que se dispersa, pelos concelhos de Penalva do Castelo, Sátão, Aguiar da Beira e Mangualde. Dada a enorme diversidade topográfica da região, que motiva uma beleza paisagística que não deixa ninguém indiferente, o comportamento das castas varia significativamente, havendo freguesias onde a maturação de uma dada casta pode ser cerca de quinze dias mais tardia do que noutras.
Foram necessários alguns anos?
A prática diz-nos que um estudo sistemático do comportamento das castas ao longo de nove anos é suficiente para passar a conhecer detalhadamente as respetivas maturações por freguesia. Por outro lado, a produção de vinhos varietais pretendeu dar um sinal à região do Dão e auscultar a reação do mercado, que nos últimos anos se têm concentrado no Encruzado e na Touriga Nacional.
Que castas foram recuperadas e vinificadas e porquê?
O trabalho realizado desde 2015 tem sido muito gratificante, apesar de ter sido olhado com alguma dúvida de início. A aposta tinha de se concentrar nas principais castas dos associados, para além de Encruzado e Touriga Nacional. As primeiras a explorar foram Cerceal Branco e Bical, nas brancas, e Tinta Pinheira, Alfrocheiro, Tinta Roriz e Jaen, nas tintas, pois eram as castas mais representativas.
Mas houve mais castas a serem recuperadas…
Mais tarde, após uma busca detalhada entre as vinhas antigas dos associados, ensaiaram-se castas históricas do Dão, mas quase em vias de extinção na sub-região, como a Baga e Tinto Cão, nas tintas, Malvasia Roxa e a branca Cachorrinho. À exceção do Tinto Cão, que nunca teve expressão na região, apesar de ser uma casta de méritos reconhecidos, todas as outras são históricas do Dão, dando a oportunidade de, através dos seus vinhos, recuperar aromas e sabores antigos.
As técnicas também se foram alterando?
À medida que íamos explorando as castas e percebendo o seu comportamento, começámos a investir em diferentes técnicas de vinificação – principalmente as antigas – de forma a explorar a sua versatilidade enológica. Surgiram, assim, os vinhos com a designação genérica "Muito à Frente" (por a legislação não nos deixar usar a designação "Fora da Caixa"), que também foram muito bem recebidos comercialmente.
Quais foram os maiores sucessos?
O de sucesso mais retumbante foi um branco feito de curtimenta, como se fazia antigamente nos solares beirões, que é hoje um dos vinhos mais valorizados da cooperativa e que vai quase todo para o Canadá em grandes quantidades e a bom preço – este ano vão ser mais de 200 000 garrafas. O outro, é um clarete, feito com uvas brancas e tintas, vinificadas com meia curtimenta, na linha da mais pura tradição medieval.
Quando começaram a comercializar estes novos vinhos?
Embora a cooperativa tenha uma larga tradição na venda de vinhos reserva, regularmente reconhecidos em cursos de vinhos, só em 2017 lançou a série de vinhos especiais da colheita de 2015, assentes nas castas tradicionais da região de Penalva.
Que vinho da Série Especial está acima da média? Que vinhos destes são para guardar?
Não é fácil responder a esta pergunta, pois a resposta pode ser encarada sob várias perspetivas. Se tivermos como indicador as medalhas de ouro ganhas em concursos, todos os vinhos varietais já foram contemplados, nomeadamente no concurso de vinhos engarrafados da Comissão Vitivinícola Regional do Dão e em vários concursos internacionais. A Tinta Pinheira de 2015 ganhou uma grande medalha de ouro no concurso nacional da ViniPortugal – o mais importante prémio conquistado até então pela cooperativa – que permitiu olhar, com outros olhos, para uma casta considerada enjeitada por muita gente da região. Se usarmos como indicador a recetividade do mercado, os vinhos de maior sucesso têm sido o Branco de curtimenta, o Bical, o Tinta Pinheira, o Baga e o Alfrocheiro, todos vendidos a preço superior à Touriga Nacional e Encruzado. No entanto, não se pense que a Touriga Nacional e o Encruzado são menos acarinhados, pois têm-nos dado enormes alegrias e vencido inúmeros prémios, aquém e além-fronteiras.
Mas não há um exagero de Touriga Nacional e Encruzado no Dão?
Não considero que haja exagero de Touriga e Encruzado, pois parece que os produtores vendem, a bom preço, todos os seus vinhos. Segundo alguns "marketeers", a estratégia de promoção de vinhos de uma região deve assentar na aposta em poucas castas, idealmente uma branca e uma tinta, para concentrar esforços e se atingir mais consumidores. Porém, segundo outros, a grande oportunidade dos vinhos portugueses assenta na enorme diversidade das suas castas, isto é, exatamente o contrário do que propõem os anteriores. Não sou marketeer nem pretendo intrometer-me na discussão, mas tenho de admitir que a estratégia que temos seguido tem dado visibilidade e proveito à Adega de Penalva.
Os monovarietais são uma moda?
A minha dúvida é saber se a melhor aposta é em vinhos de casta única, uma moda com pouco mais de três décadas, importada do "novo mundo" e sem tradição histórica na "velha Europa", particularmente no Dão. De facto, os grandes vinhos portugueses, salvo raras exceções, sempre foram vinhos de lote. Perante esta afirmação poder-se-á pensar que falo contra a estratégia definida para Penalva pela nossa equipa de enologia, pois nos últimos seis anos fizemos imensos vinhos de casta única. Mas não, se tivermos em conta que o nosso objetivo a longo-prazo é fazer os grandes vinhos de lote que o Dão é capaz de produzir de forma insuperável. Por isso, para que tal seja possível é necessário conhecer profundamente todas as partes do lote, que é o que estamos a fazer com os vinhos varietais. Já começámos a beneficiar dessa estratégia, pois os Reserva Branco e Reserva Tinto, genuínos vinhos de lote, já começam a ser reconhecidos no mercado e a alcançar os prémios mais importantes.
Um dos vinhos é da casta Baga. É tradicional de Penalva? Anterior à Bairrada?
A Baga é uma casta histórica do Dão, que na década de 1980 ainda era a mais cultivada em toda a região e a segunda mais cultivada em Penalva do Castelo, depois da Tinta Pinheira. Não é fácil saber se a casta é mais antiga no Dão do que na Bairrada, pelo simples facto de que não há registos antigos confiáveis. No entanto, há argumentos científicos que me levam a pensar que a sua origem é o Dão, apesar de ser, atualmente, a grande casta tinta da Bairrada e o seu ex-libris, tanto em tintos como em espumantes.
Mas há evidências científicas?
Um argumento de peso é a sua ascendência genética, pois sabe-se hoje que um dos seus progenitores é a Malvasia-Fina (o outro progenitor é desconhecido), a casta branca mais importante do Dão, já referida no século XV, mas que não existe na Bairrada (pelo menos de forma significativa). Por outro lado, a variabilidade genética da casta – um indicador da antiguidade da casta na região – é maior no Dão do que na Bairrada. Na minha perspetiva, o importante não é saber onde nasceu a casta, mas onde se dá melhor para os tipos de vinho que queremos produzir e, sob esse ponto de vista, o Dão parece-me, pelo menos, tão adequado quanto a Bairrada. Oxalá os nossos associados comecem a plantar, de novo, a Baga nas suas melhores parcelas.
Qual é a sua casta preferida do Dão? Para fazer e beber.
Na atualidade é quase imperativo saber qual é "a melhor" (ou "a preferida"), pois a mediatização que o vinho tem a tal obriga. Atribuir pontuações e organizar concursos para distribuir medalhas de ouro (parece que agora a moda são as de platina) fazem hoje parte obrigatória do negócio, pois sem isso não há vendas, não há rankings e não há poder para ditar modas e contar "estórias". Sou o primeiro a reconhecer que o fascínio do vinho não se deve, apenas, às suas características intrínsecas, como o atesta qualquer prova dos vinhos míticos feita às cegas. Quando se prova um Romanée Conti anonimamente, em copo preto, quem pode ficar deslumbrado? Provavelmente muito poucos eleitos, pois a esmagadora maioria dos consumidores só se encanta se vir o rótulo previamente.
Não há melhores e piores…
Compreendo, pois, a pergunta que procura saber qual é "o melhor". Porém, como homem do vinho, não alinho no sistema, pois acho-o profundamente injusto e, acima de tudo, redutor. Na minha modesta opinião qualquer vinho sem defeito, fruto do suor de muita gente, é um produto nobre por natureza e, como tal, assim deve ser tratado. Pontuar, hierarquizar ou medalhar é, acima de tudo injustiçar ou menorizar os que não ficam "em primeiro". Com as castas acontece exatamente o mesmo, como tenho vindo a constatar ao longo da minha vida. Depois de 53 vindimas estou genuinamente convencido que não há castas melhores e piores, apenas diferentes. Todas elas são boas, desde que os viticólogos as cultivem de acordo com as suas exigências e os enólogos as vinifiquem com critério e saibam tirar delas o melhor partido. Por exemplo, adoro o Cachorrinho pela sua fantástica acidez, fico rendido à Tinta-Pinheira pela sua originalidade aromática, fascina-me o Bical pela sua delicadeza, encanta-me a Baga pela sua versatilidade enológica, admiro a Tinta-Roriz pela estrutura que confere aos vinhos, rendo-me ao Encruzado quando provo um vinho com quinze anos de uma boa colheita, entusiasmo-me com o Alfrocheiro por ser uma das castas fundadoras da ampelografia ibérica, atrai-me o Cercial Branco pela sua evolução aromática ao longo do estágio em garrafa e enfeitiço-me com a Touriga Nacional do Dão no seu melhor.
Como caracterizaria o Dão?
A região vitícola portuguesa mais complexa.
O que falta à região? O que está a ser bem e mal feito?
À região não falta nada! Sobre o que está "bem e mal feito" prefiro não me pronunciar, para que não continuem a insinuar de que não gosto do Dão, a minha terra.
O que vai ser o Dão daqui a 5, 10 anos? O que poderia ser?
Daqui a 5, 10 anos o Dão vai ser o que os produtores, técnicos e tutela consigam realizar. Face às condições naturais com que o Dão foi favorecido, "poderia ser" a melhor região vitícola portuguesa...