Vinhos novos ou envelhecidos, os que se bebem cedo ou os que se guardam, são assuntos que os enólogos continuam (e vão continuar) a debater, mas que os consumidores reduzem ao seu próprio gosto. Reconhecem a pressão do mercado para se lançarem vinhos mais cedo e quase todos garantem que as técnicas de enologia beneficiaram os últimos anos. Sobre a hipótese dos vinhos antigos que por vezes saíam para o mercado imbebíveis, mas que melhoravam com o tempo, as opiniões dividem-se.
Uma das opiniões dissonantes, neste universo de enólogos é o académico, e também enólogo, Virgílio Loureiro. Não tem dúvidas que "as práticas enológicas atualmente utilizadas, incluindo o momento da vindima, abreviam a longevidade". Para o criador dos vinhos da Quinta dos Termos, entre outros, "só faz sentido pensar no envelhecimento para mercados de nicho". Tal como outros enólogos, reconhece a pressão para que os vinhos sigam rapidamente para o mercado. Para os produtores que se dedicam aos vinhos massificados, "quanto mais depressa venderem os vinhos e receberem o pagamento melhor". Mas acrescenta que "as margens de lucro são baixíssimas, a maior parte das empresas está descapitalizada e a venda tão cedo quanto possível é um imperativo (muitas vezes de sobrevivência)".
Relativamente à longevidade dos vinhos mais antigos que quando saíam para o mercado eram quase imbebíveis e melhoravam com o tempo, Virgílio Loureiro recorda néctares "simples, banais, com ligeiros defeitos, que se transformaram em grandes vinhos ao fim de dez ou quinze anos". Quanto aos que se fazem hoje, o enólogo não considera que sejam cada vez melhores, mas antes "sem defeitos, que não é a mesma coisa… ou com muitas medalhas de ouro".
Para a enóloga Susana Esteban, um dos parâmetros que define a qualidade é a capacidade de guarda: "Longevidade para mim é sinónimo de qualidade". A criadora dos vinhos Procura, além de outras marcas, refere que não é uma questão da enologia moderna, mas antes "de filosofia". Ou se decide "fazer vinhos para envelhecer" ou optar por "um consumo mais imediato". Reconhece que alguns de entrada de gama têm atualmente mais qualidade, mas "os melhores tendem a ter mais potencial de envelhecimento". No que diz respeito aos antigos quase imbebíveis e que eventualmente se tornavam melhores, Susana Esteban não consegue imaginar que "um vinho intragável possa melhorar com o tempo". Salienta que os taninos podem melhorar, mas "desde o início tem que estar harmónico".
"Harmonia, equilíbrio e vinosidade" é o que o produtor e enólogo João Portugal Ramos considera essencial para um bom vinho, independentemente de ser novo ou para consumir com alguma idade. Para o criador da marca Marquês de Borba, além de outras em vários pontos do país, "a enologia moderna enfrenta novos desafios", entre os quais a pressão da distribuição com que os produtores se deparam e que se defendem "disponibilizando vinhos mais jovens para o mercado". Reconhece que para os mais identitários e maior ambição de reconhecimento, "o tempo de estágio é, e será sempre, um fator incontornável", mas o estilo que atualmente mais se adequa ao perfil do consumidor é o de "vinhos jovens, frutados e de estrutura suave".
Relativamente aos intragáveis que por vezes melhoram com o tempo, João Portugal Ramos reconhece um fundo de verdade, mas acrescenta que "dependia muito das regiões". Ainda sobre as "idades", o enólogo recorda o exemplo de Bordéus "onde há 20, 30 anos era um ‘crime’ abrir um vinho com menos de 8, 12 anos", enquanto hoje, "por um lado fruto das alterações climáticas e, por outro, para ir ao encontro dos novos padrões de consumo, esses vinhos são muito diferentes e são bebíveis muito mais cedo, em detrimento do potencial da sua guarda".
Opinião semelhante tem o enólogo Francisco Gonçalves. Garante que o paradigma mudou no consumo e no envelhecimento. Ou seja, o consumidor cada vez mais jovem "procura vinhos descomplicados, frescos, sem grande complexidade e prazerosos". O responsável da marca Mont'alegre, entre outras, afirma que "os enólogos procuram fazer vinhos com estas características e ir ao encontro deste consumo". Francisco refere que tem sido uma tendência "produzir com qualidade superior, mas para apreciar imediatamente após a entrada no circuito comercial", mas não crê que se tenha descurado o potencial de envelhecimento. Razão pela qual, acrescenta, "enólogos e produtores guardam lotes para serem lançados mais tarde, mantendo a qualidade, características e complexidade". Considera que as novas técnicas de viticultura e, paralelamente, a evolução tecnológica dos centros de vinificação, "permitiram um maior controlo em todo o processo".
Maria Serpa Pimentel concorda com a ideia de que há cada vez mais e melhores vinhos, "porque a evolução da enologia assim o permite" e discorda da ideia de que atualmente há menos vinhos com potencial de envelhecimento. A enóloga realça que há 40 anos havia vários produtores que já faziam produtos extraordinários e, nestes últimos anos, fazem-se mais vinhos comerciais "que vão para o mercado prontos a beber, mas de longevidade curta". Explica que "se se entender por enologia mais moderna fazer vinhos com menor teor de álcool, mais fáceis de beber, mais comerciais, a saírem mais cedo para o mercado, o envelhecimento do vinho em madeira ou em garrafa é praticamente posto de lado, já que estes vinhos não têm estrutura nem potencial de guarda". A criadora dos vinhos da Quinta da Pacheca admite a pressão comercial, mas insiste que "o estágio em garrafa antes do lançamento para o mercado deveria ser obrigatório para que os consumidores finais tenham o vinho no seu melhor estado".
Luís Patrão, enólogo na Bairrada e na Herdade dos Coelheiros, garante que sempre se preocupou com a capacidade de envelhecimento, "independentemente se eram vinhos do dia-a-dia ou de gamas superiores". Para o enólogo não interessa qual é o estilo, mas "o importante é que não se deteriore, por oxidação, ou por contaminação, precocemente na garrafa". Entre novos e velhos, afirma que "os que realmente são bons, têm tanto ou mais potencial de envelhecimento que os antigos". Já sobre a enologia, admite que nunca houve tanto conhecimento sobre os fatores e características que afetam o envelhecimento, por isso, "sabendo controlar esses pontos, o potencial de só pode aumentar". Admite a pressão do mercado, até "porque o consumidor assim o exige". Dá o exemplo dos vinhos brancos nos restaurantes que, no seu entender, se não forem da última colheita "provavelmente vão ficar parados na prateleira". Com mais tempo ficarem melhores tem dificuldade em assumir, mas esclarece que "diferentes vão ficar, pois terão uma dimensão extra que o envelhecimento da garrafa acrescenta". Conclui que, pessoalmente, gosta de brancos com idade.
O enólogo Jorge Alves coloca e responde à questão que considera essencial no envelhecimento dos vinhos: "Porque é que envelhecemos os vinhos? A resposta passa sempre pela valorização económica". O criador da Quinta da Taboadella e do projeto Quanta Terra, entre outros, afiança que mais idade traz "complexidade e novas texturas que os valorizam". Jorge Alves explica que o fenómeno dos antigos imbebíveis quando saíam e que melhoravam com o tempo diz respeito a outra altura onde "a qualidade das uvas, as técnicas de vinificação, os equipamentos e, principalmente os apreciadores, eram diferentes".
Quanto aos vinhos na atualidade Jorge Alves não tem dúvidas que estão mais sofisticados e "muito melhores que há uns anos". O enólogo sugere que "existe a ideia que para envelhecerem têm que ter concentrações elevadas de todos os elementos". Considera que existe alguma verdade nesse pressuposto, mas garante que "é sempre nos equilíbrios que se conseguem fazer grandes vinhos". Dá o exemplo de grand crus da Borgonha, Clos Vougeot ou Domaine Romanée-Conti, que "apresentam elegância, alguma concentração e cores abertas, mas que têm grande potencial de envelhecimento". Porque, conclui, "são equilibradíssimos".
Para a enóloga Dorina Lindemann, "um bom vinho só é bom se gostarmos dele e, por isso, o envelhecimento e o potencial de guarda só fazem sentido se houver quem goste desse perfil de vinhos". A responsável da Quinta da Plansel explica que após a fermentação existe sempre um período de estágio, mas "a sua durabilidade depende do que se pretende fazer com ele, se é colocar no mercado ou esperar". Identifica a pressão comercial, mas "isso não quer dizer que não estão bons". Relativamente aos que antigamente eram intragáveis quando saíam e melhoravam com o tempo, Dorina Lindemann acredita não ser uma verdade absoluta, mas uma consideração caso a caso. Quanto aos novos vinhos, a enóloga refere-os "cada vez melhores e, à partida, com melhor potencial para envelhecerem". Conclui que "há excelentes produtos de um ano para o outro e outros de guarda que evoluem formidavelmente". Para a enóloga da Plansel, a chave é "o cuidado e respeito pelo terroir, o processo enológico e, claro, o gosto de cada um".
Duarte de Deus assina por baixo quanto aos mais modernos. E relativamente à hipótese de terem menos capacidade para envelhecer, o enólogo não acredita que produzindo vinhos melhores haja menor potencial de envelhecimento: "Acho que os dois fatores estão em paralelo". O criador dos vinhos alentejanos de Torre de Palma não se pode queixar das demandas do mercado, uma vez que na empresa onde trabalha "não existe essa pressão". Dá o exemplo de um tinto em estágio de 2017 que ainda não sabe quando vai ser lançado. O enólogo garante que "há ótimos produtos no mercado que com mais uns meses/anos de estágio em garrafa seriam grandes vinhos". Defende que na enologia moderna "há um maior rigor na segurança alimentar e higiene de todo o processo" e que os laboratórios prestam "um auxílio fundamental". Relativamente aos vinhos antigos imbebíveis que envelheciam bem, Duarte de Deus reconhece que há casos com 20 ou 30 anos em garrafa mostravam "o vinho bem vivo, para durar e dar prazer a beber".