Aos olhos de quem desce a costa vicentina, da Comporta em direção ao Algarve, mar e céu chegam a confundir-se numa imensidão de azul. Esta é terra de lendas de mouras encantadas e navegantes extraviados. A mais famosa de todas é a que evoca a expedição marítima ali enviada por Afonso Henriques, para recuperar as relíquias de São Vicente, que se acreditava estarem submersas naquela costa. Durante a viagem, o navio ter-se-á perdido, até que apareceu um bando de corvos, que orientou a tripulação até o local do sepulcro. Duas dessas aves, consideradas fiéis guardiãs de São Vicente, acompanharam o barco com as relíquias na viagem de regresso a Lisboa, onde chegaram sãs e salvas.
Foi por este Alentejo de temperaturas amenas e histórias imemoriais que o norueguês Ole Martin Siem se tomou de amores no final da década de 1980, depois de ter visitado o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e considerar que tinha ali as melhores condições para desenvolver os seus projetos de agricultura. Décadas depois desse primeiro deslumbramento, associa, na sua vasta propriedade, a produção de culturas várias, muito voltadas para exportação, como as cenouras, as couves chinesas, as plantas ornamentais e, finalmente, a vinha, a que Ole Martin começou a dedicar-se a partir de 2007, em parceria com o casal francês Antoinette e Olivier Lemens.
Assim surgiu a marca Vicentino, que associa à tradição vinícola do Alentejo as particularidades climatéricas deste local. Invernos frescos e húmidos, verões suaves e a constante presença dos ventos do mar. Graças a isso, as uvas amadurecem lentamente e de forma uniforme, criando vinhos onde a elegância se sobrepõe à robustez. A Vicentino possui hoje cerca de 60 hectares de vinhas próprias, com variedades autóctones e internacionais, que beneficiam da experiência e conhecimento do enólogo Bernardo Cabral. Nos brancos, produz Alvarinho, Arinto, Viosinho, Sauvignon Blanc e Chardonnay e nos tintos, Touriga Nacional, Aragonez, Pinot Noir, Syrah, Merlot. Atualmente, tem 16 referências no portfolio, distribuídas por cinco gamas: Poente, Nascente, Neblina, Luar e Naked.
Em 2024, a marca passou a beneficiar de uma sofisticada adega, cheia dos mais modernos mecanismos para trabalhar o vinho, nas diversas fases de produção, desenhada pelo arquiteto Francisco Adão da Fonseca. Aqui, num espaço com uma vista privilegiada sobre o campo, é ainda possível adquirir vinhos da marca e fazer várias provas temáticas, com diferentes castas nacionais e internacionais acompanhadas por produtos regionais, como enchidos, queijos ou azeites da região de Odemira.
De difícil cultivo, as uvas Pinot Noir encontram nas vinhas Vicentino as condições perfeitas para ostentar os seus melhores atributos. Plantadas em solo argilo-xistoso tão perto do mar, amadurecem de forma lenta e equilibrada, beneficiando da constante presença da neblina e dos ventos marítimos, originando este vinho que representa a máxima expressão deste terroir.
Do portfolio do Vicentino fazem ainda parte os vinhos brancos Sémillon, Arinto e Alvarinho, os rosé Touriga Nacional, aragonês, os tintos Syrah, aragonez e Touriga Nacional. As novidades são o Moonlight Pinot Noir 2022, Reserva Tinto 2017, Moonlight Chardonnay 2021, Reserva Branco 2022, Sunrise Alvarinho 2021 e o espumante La Mer 2019.
O enoturismo faz ainda parte do conceito desenvolvido por Ole Martin. Nestas terras, a dois passos da Praia do Carvalhal e da Zambujeira do Mar, é possível fazer uma estadia nas casas de campo da propriedade: a Casa da Vinha, o cerro da vinha e os quartos da Casa da Palmeira. Todos munidos com uma biblioteca cuidadosamente selecionada, estes alojamentos são um convite ao sossego e à tranquilidade. Aqui, acorda-se com o canto dos pássaros e adormece-se a contemplar uma visão do céu impossível de captar numa grande cidade. Os antigos, como a minha avó materna, natural de Vila Nova de Milfontes, chamavam-lhe estradinha de Santiago. A razão é simples: em noites muito límpidas, frequentes nesta região, o céu era um guia seguro para os peregrinos que se dirigiam a Santiago de Compostela.