"Do alto destas pirâmides, 40 séculos vos contemplam", dizia Napoleão Bonaparte aos seus exércitos durante a campanha do Egipto. Sem pretender chegar ao mesmo dramatismo, a verdade é que do alto da varanda da adega da Quinta da Taboadella, o mais recente projeto vínico da família Amorim, é impossível não pensar que estas terras têm quase dois mil anos de história ligada ao vinho. E, com 42 hectares, dizem-nos, é também a maior mancha de vinha contínua em todo o Dão − o que não deixa de ser surpreendente.
Onde a magia acontece
A moderna adega da Taboadella é de uma beleza comparável ao lugar. Projetada pelo arquiteto Carlos Castanheira em materiais naturais como a madeira, a cortiça e o granito, funde-se inesperadamente com a paisagem, como se também ela fizesse parte do terreno desde esses tempos imemoriais. Um projeto que cumpre com as melhores práticas ambientais, pensado para funcionar em gravidade e quase exclusivamente com luz natural, preservando também a temperatura em condições ideais graças aos materiais isolantes.
É aqui, maioritariamente, que a magia acontece. Ou, como a dupla de enologia Jorge Alves e Rodrigo Costa, prefere dizer, é aqui que fazem uma "enologia de precisão, com intervenção mínima", mas muito certeira no tempo e no alcance, para retirar o melhor do lugar.
A vinificação é feita em impressionantes cubas de cimento ou de inox, alinhadas frente a frente em fileiras simétricas. Uma imagem só superada pela sala de barricas onde grande parte dos vinhos depois estagia. São, na sua totalidade, carvalhos franceses com 200 anos, provenientes das míticas florestas de Tronçais e Bercé, e produzidas por seis tanoarias diferentes, umas da Borgonha e outras de Bordéus. O objetivo é evitar a preponderância de uma única origem de carvalho, de um único grau de tostagem ou tanoeiro, como tivemos a oportunidade de perceber numa prova única, com diferentes vinhos em diferentes estágios e barricas. O cuidado na elaboração dos vinhos chega a este nível de detalhe.
A par da história e da enologia, há tempo também para apreciar a arquitetura. Um lindíssimo passadiço de madeira – o "Barrel Top Walk" – permite aos visitantes ver a sala das barricas de uma nova perspetiva. A semelhança ao famoso "Treetop Walk" no Parque da Fundação de Serralves não é coincidência, já que o arquiteto que o concebeu é o mesmo.
Segue-se a sala de provas, eleita o ano passado como a melhor de Portugal, pela Associação de Enoturismo, onde se abre também a enorme varanda de onde se avistam as vinhas e os bosques centenários de carvalhos, cedros ou pinheiros que rodeiam a propriedade. Mais ao longe, espreita o sopé da Serra da Estrela.
O vinho e a vinha
"O Dão tem dois tipos de granito e os dois podem ser encontrados aqui", explica-nos Ana Mota, diretora de produção e viticultura da Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo, no Douro, e agora também da Taboadella. Uma raridade que coloca esta propriedade "no epicentro da região". Apesar de há cinco anos − data da aquisição da quinta pela família Amorim – a vinha estar a precisar de ser urgentemente intervencionada, "o potencial do terroir já era enorme", conta Jorge Alves, recordando-se da primeira visita que fez com Ana Mota, precisamente para avaliar a possível compra.
De lá para cá arrancaram-se e recolocaram-se todos os bardos nas vinhas, replantaram-se estacas, e recuperaram-se as videiras, com especial atenção para as mais antigas e videiras-mãe de Jaen, Touriga Nacional, Alfrocheiro e Tinta Pinheira − as castas mais típicas e entre as quais existiam algumas vinhas centenárias. Paralelamente, plantaram-se mais alguns hectares de Encruzado e a produção de brancos cresceu para os 25% da vinha. "O encruzado", diz Ana Mota, "é uma casta bandeira do Dão, mas tem apenas 1,5% do encepamento. Há muito pouca uva para esta bandeira que o Dão quer levar ao mundo". Hoje, a Taboadella já produz um dos Encruzados mais emblemáticos da região, e se o tivéssemos de descrever numa única palavra, a escolha seria provavelmente "exuberante".
Além do Encruzado, a Taboadella produz atualmente mais três monovarietais, todos tintos: Alfrocheiro, Touriga Nacional e Jaen. Sete micro-terroirs distintos conferem características únicas a estes vinhos pois, apesar de serem monocastas, é possível "afiná-los" com as diferentes parcelas.
No portfólio, há ainda os dois blend, o Villae branco e o Villae tinto, que representam a entrada de gama. São vinhos muito suaves e sem madeira, agradáveis e fáceis de beber. E por fim, os Grande Villae, também em branco e tinto. São vinhos complexos e elegantes, estruturados e fortes. A alma da Taboadella dentro de uma garrafa, se tal for possível engarrafar.
Casa Villae 1255
Mais ao fundo no terreno encontramos a casa senhorial, feita de pedra e em tons ocre, que de alguma forma nos recordam a Toscana. Ao lado, as ruínas de um velho lagar romano explicam essas influências e atestam o rico passado histórico da propriedade, que foi uma típica villae romana, ou seja uma comunidade agrícola liderada por uma família nobre, onde a cultura do vinho ocupava um lugar de destaque. Este mesmo lagar, datado algures entre o século I e V, serviu para fazer vinho durante muitos anos e quem sabe se não estaria ainda em funcionamento em 1255, a data mais antiga em que surgem registos com o nome Taboadella.
É, portanto, com este nome duplamente inspirado no passado da propriedade que a casa principal funciona, hoje integrada no programa de enoturismo, ainda que esteja disponível apenas para ser alugada em exclusivo, por uma família numerosa, um grupo de amigos ou um evento corporativo. Tem oito quartos no total (todos com casa de banho privativa), sendo que um deles está localizado na torre e tem seis camaratas, pelo que é perfeito para juntar os mais novos. Duas salas de estar, uma grande sala de jantar, e uma cozinha totalmente equipada completam o cenário, sendo que existe ainda um terraço exterior que, se o tempo permitir, será imbatível para os momentos passados à mesa. A decoração tem tanto de rústico, como de elegante, incluindo peças de mobiliário autênticas e artesanato regional. Quando a casa não está alugada também é possível organizar refeições vínicas para grupos, mas o melhor será contactar a propriedade.
Por norma, a Casa Villae inclui um serviço de pequeno-almoço e as restantes refeições que ficam por conta dos hóspedes, no entanto existe a possibilidade de contratar um serviço de refeições completo, de um dos restaurantes da região ou mesmo um chef privado. Seja qual for a opção, haverá sempre uma cesta de boas-vindas recheada de produtos regionais, e na cave de vinhos nunca faltará o melhor da Taboadella. Existem depois uma série de experiências personalizadas que estão disponíveis, como por exemplo aulas de yoga ou de pilates para além das visitas acompanhas à propriedade, vinhas e adega.
Por perto existe também uma mercearia que oferece produtos regionais (gastronómicos, artesanato ou de design) e que está aberta ao público em geral. Funciona também como sala de provas e centro de enoturismo, a partir do qual qualquer visitante pode marcar a visita à quinta e à adega, mesmo sem estar hospedado na Casa Villae 1255.
Luísa Amorim, a mais nova das três filhas de Américo Amorim (e gestora desta vertente de negócio da família), sabe que o Dão foi o primeiro amor do seu pai nos vinhos, e também por isso está tão empenhada em dar uma vida nova à Taboadella. "O Dão é uma das regiões mais emblemáticas e promissoras do país", explica, "tem uma grande história, mas terá sobretudo um grande futuro." Depois desta vista, depois de contemplar as vinhas e provar o resultado deste trabalho, é impossível não lhe dar razão…