Qual é a sua origem?
Nasci em Ílhavo, então uma vila de marinheiros e pescadores, onde frequentei a escola primária e o ciclo preparatório até ir para o então Liceu Nacional de Aveiro.
Quais eram os seus hobbies durante a juventude?
Leitura e a bicicleta. Ler, uma paixão de sempre.
Que ligação teve à terra e agricultura?
Intensa, andando pelos campos apreendendo a sazonalidade das culturas e os ciclos das sementeiras e das colheitas. Pela casa da minha avó materna, onde a horta e o pomar completavam os campos de milho, trigo e aveia. Com as videiras nas bordaduras e a ampla latada no pátio.
O que recorda com mais saudade dessa ligação?
As pessoas, os familiares que já partiram e a erudição do raiar dos dias. Os aromas!
Que tipo de vinho se fazia na casa dos seus avós?
Um vinho para consumo próprio, frutado, não muito alcoólico, obtido através de processos artesanalmente ancestrais, quer na vinha, quer na pequena adega. Misturando castas brancas e tintas, com acidez não muito acentuada, mas presente.
Foi nessa altura que desenvolveu o gosto pelo vinho e pela vinha?
O gosto pelo vinho nasce exatamente aí. Não apenas pelo vinho em si, mas também pelas intervenções ao longo do ciclo vegetativo da videira e, muito particularmente, pela magia da vindima e da pisa a pé dos cachos na dorna. Sem desengace.
Estudou Farmácia em Coimbra. O que pesou na sua escolha?
O interesse pela área da saúde e os ciclos de oportunidade da vida.
Penso que há uma história com vinho durante os estudos. O que aconteceu?
Vivia numa república de estudantes e programámos a compra de vinho para uns 15 dias. Pena foi que só tivesse durado uma noite.
Onde começou a trabalhar? Era o que estava à espera?
Em 1985 entrei como monitor na Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra. Mas ficou aquém das expectativas. Mais tarde compôs-se.
O que lhe deu mais prazer na vida profissional enquanto professor e investigador?
Criar uma linha de investigação em monitorização da segurança dos medicamentos após o início da sua comercialização, tendo conduzido a cinco teses de mestrado, quatro teses de doutoramento e a mais de cinquenta artigos publicados em revistas científicas internacionais, indexadas e arbitradas.
O que mantém hoje profissionalmente?
Sou professor associado. Coordeno a unidade regional de farmacovigilância de Coimbra, sou responsável por diversas unidades curriculares na Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra e coordeno uma equipa de investigação em farmacoepidemiologia.
Como surgiu a ideia de fazer vinhos?
A vida é uma entidade multifatorial e multifacetada que assume diferentes dimensões quando a conseguimos olhar desde o futuro. Surgiu ao retratar-me retrospetivamente e perceber que um futuro sem mundo leva a um mundo sem futuro.
Mas porquê só em 2003?
Como dizem muitos políticos, porque estavam criadas as condições.
Como escolheu a Quinta dos Abibes e porquê a Bairrada?
O espumante foi sempre uma paixão. Naturalmente, Bairrada seria a opção. Entre Aveiro e Coimbra teria de encontrar o espaço com aptidão. Em Anadia encontrei-o com a adequada dimensão.
Que formação tem ou adquiriu como produtor?
Com 20 anos de idade adquiri o "Traité d´Oenologie" de Jean-Ribereau-Gayon e Emile Peunaud. Hoje continuo a seguir atentamente o "Journal of Wine Research" e tenho sempre à mão o "Tratado de Viticultura", de Nuno Magalhães.
Cultiva algo além de vinho?
A ampla e calorosa receção a quem nos visita, ainda que sem fins lucrativos.
O que descobriu na história da quinta que o tivesse surpreendido?
A pia calcária com datação de 1792 cujo caminho nos conduziu até António Feliciano de Castilho e à sua inacabada obra "Mil e um mistérios-romance dos romances", passada em Aguim. Romance bairradino com enredo a fluir pela Quinta da Murteira, agora Quinta dos Abibes. Precisamente em Aguim.
Como foram os primeiros anos?
Difíceis, penosos, adversos. Com solidão.
Houve uma história estranha dessa altura…
A descoberta da impensável limitação das pessoas. Em carta a um jornal regional, um sujeito tentava denunciar um atentado levado a cabo por um oportunista que, por certo a beneficiar indevidamente de fundos comunitários, plantava vinha em terrenos excecionais para "milho e batata".
O que fez exatamente na quinta?
Planificação estratégica. Faço a supervisão e articulação de atividades vitícolas e vinícolas e a aprovação dos lotes finais de todos os vinhos.
Que castas plantou?
Nas tintas, Touriga nacional, Baga e Cabernet Sauvignon. Nas brancas, Arinto, Bical e Sauvignon Blanc. A Touriga e o Arinto são estruturantes dos vinhos da Quinta dos Abibes, exclusivamente portuguesas, e cobrem todo o território nacional. A Baga é uma casta autóctone excelente para a produção de vinhos espumante. A Sauvignon, Cabernet e Blanc é uma casta tinta, mundial, nas suas variedades tinta e branca.
Qual foi a razão?
São vinhos da Bairrada feitos para o mundo, vinhos do mundo feitos na Bairrada.
Que ideia tinha para os seus vinhos? Concretizou?
Produzo os vinhos que, enquanto consumidor relativamente instruído, adquiriria e consumiria. Tento produzir os vinhos que gosto e sim, concretizei na sua quase total extensão. Não coloco no mercado vinhos dos quais não goste ou com os quais não me sinta identificado.
Há algum que goste mais, que lhe dê mais prazer?
Todos. Cada vinho tem um momento próprio. No seu momento, todos me dão imenso prazer.
Creio que terá um limite de 30 mil garrafas.
Estou limitado à área de vinha e à seleção da uva. É a minha ‘fronteira de possibilidades de produção’.
O vinho faz-se na adega ou na enologia?
Na vinha. O vinho faz-se na vinha.
Como gosta de fazer os seus vinhos? O que privilegia mais?
Com naturalidade e recato. Privilegio a planificação, o rigor metodológico e o tempo.
Quem trabalha consigo na quinta?
Quatro pessoas em permanência. Todas com áreas de responsabilidade definidas, sem prejuízo da confluência de tarefas comuns. E ainda o trabalho sazonal.
Como é o seu dia-a-dia?
É difícil. Moro em Aveiro, trabalho em Coimbra e a Quinta dos Abibes situa-se em Anadia. Tenho excelentes colaboradores e programo as atividades às segundas-feiras. Não há figurinos iguais.
Recebeu vários prémios em alguns vinhos. O que representam para si?
Primeiro, o reconhecimento e a validação do trabalho feito e segundo, a possibilidade de fazer "benchmarking" com vinhos de todo o mundo para percebermos onde estamos. Por último, os ganhos de notoriedade para a marca "Quinta dos Abibes".
De que forma se prepara para as alterações climáticas?
Estudando as variações de comportamento das plantas, ajustando tempos e modelos de intervenção e monitorizando necessidades hídricas.
Como vê a viticultura nos próximos anos em Portugal?
Estável, com potencial de progresso se se começar a apoiar mais na investigação e no desenvolvimento. Portugal carece de I&D neste setor. Considero ser este o elemento mais crítico do futuro.