O Vinho ao Vivo nada tem que ver com os encontros e provas tradicionais de vinho. Esqueçam cenários em que as pessoas se atropelam para chegar primeiro às bancas, as filas intermináveis das senhas quando o propósito de comer sobressai às provas, o mood festivaleiro, as bebedeiras arrastadas, a troca aborrecidíssima de todas as especificidades do vinho e mais algumas. "As pessoas são simpáticas, afáveis, querem saber das histórias do vinho sem serem sôfregas nem minuciosas", diz Tom Lubbe, fundador de Domaine Matassa, em Roussillon, visivelmente cansado, mas numa espécie de transe de alegria que também o fez afirmar: "para o ano quero voltar" - esta é a sua estreia no evento. Lubbe, que descreve nessa primeira frase o clima geral deste encontro, tinha esgotado os seus brancos - bebemos o último copo -, à hora que passámos por ali, e distribuía os tintos que lhe restavam já nas últimas horas do Vinho ao Vivo. Destaque, na sua banca, para o Tommy Ferriol 2023, cujo rótulo é maravilhoso, um blend com 60% de Syrah e 40% Muscat Petit, feito com as vinhas da propriedade de Tom e da mulher, Nathalie, que o acompanha no projeto. Mas também para o Domaine de Belliviêre - especialmente o L'Effraire, um vinho particular pela sua autenticidade.
O Vinho ao Vivo é, portanto, organizado pel'Os Goliardos, um projeto de três amigos - Nadir Bensmail, Sílvia Mourão Bastos (sócios a tempo inteiro) e Manuel Amaral Beja -, que nasceu em 2005 com a mesma vontade de hoje: dar a conhecer projetos de vinho com cunho natural, consciente, e que vão das mais variadas formas de produção, da vinificação natural ao biodinâmico, ao biológico certificado. E por falar em biodinâmico, é espantoso conhecer a história da Quinta da Palmirinha, cujo vinho é engarrafado em Bouça-Chã, Felgueiras, e que junta duas gerações. Avô e neto impulsionam a produção do Azal, do Loureiro e do Loureiro/Maceration. Começa tudo em 1994, quando Fernando Paiva, professor de História reformado, compra uma quinta em Amarante, no Vale do Sousa, com intenções de fazer sumo de fruta. Só que em 2004 nasce o primeiro vinho. É o neto quem nos explica ao detalhe que trocaram os sulfitos por flor de castanheiro, para garantir a conservação do vinho, e diminuir a toxicidade de todo o processo. Provámos um pouco dos novos três, com preferência pelo vinho "laranja", o Loureiro especial. Valeu a pena ouvir falar o neto - cujo nome não guardámos - e o seu entusiasmo pela ideologia da quinta: "não cumprimos todos os critérios do biodinâmico, somos mais descontraídos, a preocupação do meu avô foi sempre afastar a quantidade de químicos existente na produção do vinho". Uma preocupação que já leva 30 anos, e que com toda a certeza já fez diferença.
Também Vítor Claro mostrou as novidades - e os bestsellers - da sua marca Dominó, que atualmente lidera com a mulher, Rita Ferreira. Os vinhos, que se deixam beber com facilidade, são fruto desta paixão pela abordagem natural ao vinho. São vinhos fresquíssimos, uns mais complexos que outros, para provar com parcimónia e apreciar cada trago, seja à refeição ou fora dela. O Foxtrot Tinto, um preferido dos clientes da Dominó, é produzido a partir de vinhas antigas com idade média de 80 anos em solos graníticos e argilosos, o que resulta num vinho que tem tanto de estruturado como de mineral, e "sabe a vinho", afirmação rara nestes dias, mas que os entendedores e provadores sabem o que significa. Os primeiros vinhos de Vitor e Rita foram feitos na pequena aldeia do Salão Frio nas Serras de São Mamede, Portalegre, onde está a propriedade, uma espécie de centro de operações do casal. Atualmente, também têm vinha em Carcavelos, de onde provém o belíssimo Ferreira & Claro Samarra 2021, um vinho que sobressai pela sua elegância, e em Colares. Vítor, que vem da gastronomia, sabe bem o que quer para cada um dos seus vinhos, e o Vítor Claro Dominó Salão Frio Tinto, a título de exemplo, distingue-se como um dos mais curiosos. Vem da junção das castas Grand Noir, Alicante Bouschet, Aragonês, Trincadeira, Arinto e Tamarez, e de vinhas com 50 a 80 anos em Salão Frio. É um dos vinhos a pôr já na wishlist vinícola. A preocupação de Vítor Claro, no processo de fazer vinho prende-se, sobretudo, na sua adulteração. "Muita da adulteração ao vinho nem ocorre na vinificação. Vem a montante, acontece na própria vinha, mesmo em passos que consideramos inofensivos, como a rega. É que quem investe numa rega gota-a-gota acaba por não dar só àgua à videira. Acrescenta sempre qualquer coisa para potenciar a uva."
Uma nota final para a secção dos de Alvar de Diós, cuja banca já estava "abandonada", mas que ainda continha preciosas gotas de Yavallo, um vinho particular, cujo aroma e palato se metamorfoseam com classe. O projeto é de Alvar, um jovem que herdou do avô uma vinha na região de Toro em 2009, que cuja adega fica em El Pego, na região do rio Guareña, no sudeste da província de Zamora. Em jeito de reflexão, é de salientar a exigência assinalável dos rótulos destes vinhos naturais, que têm tanto de sofisticado como de cool, e que mostram que estão um passo à frente nesta indústria, mesmo para os mais céticos; mas também esforço notório para agir de modo mais ecológico e consciente, sobretudo num país tão pequeno e tão rico em pequenos produtores, que querem mudar as regras do jogo para melhor.