Prazeres / Sabores

O Oitto é um português com pinta

Não é só o charme do chef Carlos Afonso que enche este novo Oitto, é a sua cozinha de conforto e bem feita num ambiente cuidado e muito descontraído. Este é o restaurante orgulhosamente made in Portugal no coração do Chiado onde vale a pena ficar.

Foto: Hayley Kelsing Photography
06 de janeiro de 2023 | Patrícia Barnabé
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Numa capital onde nascem restaurantes sem alma, como cogumelos, e num centro da cidade que se arrisca a perder identidade em nome de uma pseudo-multiculturalidade, já estafada em todas as grandes capitais, o Oitto é chegar a casa e respirar fundo. E a primeira razão é o chef Carlos Afonso, um alentejano de gema, de Beja, onde nasceu há 34 anos, apaixonado pela cozinha portuguesa e com uma ideia do que quer: "A comida deve ser descomplicada e os restaurantes devem ser democráticos", diz enquanto nos serve uns rissóis de berbigão estaladiços e cremosos, que come com as mãos. "Todos provam e todos gostam, não é preciso explicar que é a massa tal, com molho de bechamel. A minha cozinha é assim." E ainda mal acabámos o nosso cocktail sem álcool, mas com maçã, hortelã, toque sour, lima clara e açúcar e de debicar o pão de massa mãe da Isco, as chips de pão, e o chef avança com um ceviche de atum com maçã, coentros e lima, a cebola roxa marinada em vinagre, envolvido antes de servir com a frescura de uma brisa.

Foto: Hayley Kelsing Photography

"Adorei o fine dining, foi a melhor escola que tive, mas a minha forma de entender a comida, e de comer, é outra. É ser genuíno. Há chefes que gostam de depurar, a minha paixão pela comida nasceu em casa a comer rissóis com a minha avó. É o que é bom e confortável para mim", remata. E um desses casos é a entrada de pato com escabeche, laranja e gema de ovo braseada.

Foto: Hayley Kelsing Photography
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É o chefe do conhecido Frade, em Belém, junto à residência do Presidente da República, que se tornou obrigatório para os melhores garfos nacionais, que gostam de comida mais honesta. Foi aberto com o primo, Sérgio Frade, que deu nome ao restaurante, um homónimo do que os seus tios inauguraram, em 1966, na bela cidade alentejana da família. Um sucesso rápido que o traz até aqui, a esta nova parceria, desta vez com a sócia Denize Gouvêa, num espaço inaugurado no fim de julho de 2022. Enquanto nos atiramos aos ovos com trufas pensamos como é uma sorte poder almoçar com o chef, e conversar como velhos amigos à volta da comida boa tradicional e portuguesa, que ele aprendeu com a avó, mas também com a mãe que "cozinha super bem", conta, pratos como polvo ou bacalhau à lagareiro, que diz não conseguir replicar exatamente aqui – e di-lo com orgulho. Mas quis trazer aquilo "de que mais se gostava em casa da [minha] família ou o prato que faço melhor."

Foto: Hayley Kelsing Photography

Depois de um curso de marketing, Carlos Afonso resolveu aventurar-se na cozinha e teve logo como professores, na Escola de Hotelaria de Portalegre, dois preferidos: José Júlio Vintém, do Tombalobos, naquela cidade alentejana, e Alexandre Silva, do Locco, do Alentejo Marmòris Hotel, em Vila Viçosa e, mais recentemente, do Fogo, um dos nossos preferidos na capital, com quem estagiou e aprendeu. O Frade foi o seu espaço próprio, e estava mais próximo dos clientes do que aqui, "corrigia a temperatura ou o sabor, se necessário, mas era muito pequeno, aqui nem vejo quem está na esplanada. Aqui tenho de antecipar e controlar melhor." Agora sente-se "mais sólido, para poder inovar, e melhorar qualidade, criar um estilo." Trouxe pratos que já fazia, e se tornaram uma marca sua, como o dito pato de escabeche, "que tem tudo, tradição e estética", mas o resto da "história está a ser construída, com a equipa e o feedback que recebo dos clientes."

Foto: Hayley Kelsing Photography
Foto: Hayley Kelsing Photography
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Segue-se a corvina com arroz de coentros e bivalves, que sabe mesmo a comida de casa, mas com uma leveza extra dada pela alface do mar, é um prato muito ligeiro e cheio de frescura, como gostamos. Estivemos quase para experimentar os arrozes cremosos vegetarianos, de cogumelos e queijo da ilha e de espargos verdes e citrinos, mas não pudemos deixar de experimentar o polvo grelhado, com batata doce fumada e pimentos assados, até porque percebemos que o chef lhe tem um certo apego. Esta receita partiu de uma cataplana, à qual não é particularmente chegado, e também por isso sofisticou-a e deu-lhe um toque fumado que sobressai ainda mais graças aos pimentos. O mesmo apego que exibe quando chega o cabrito "mesmo rústico" a fumegar. Cozinhado "muitas horas", a baixa temperatura e num forno a lenha, é acompanhado do chamado arroz (carolino, claro) de forno ou de fumeiro, ao qual se junta chouriço alentejano e alheira para puxar o sabor. "É saber o que é ir à aldeia no Natal", diz o chef no seu jeito simples e espontâneo. "Adoro pratos de arroz. E aconselhamos os clientes a comer os ossinhos com a mão".

Foto: Hayley Kelsing Photography

A grande porta de entrada do restaurante não deve enganar, apesar de ser um pouco sumptuosa, contrasta com a sala, que lembra as brasseries românticas, mais ao género italiano, que se encontram em Nova Iorque: os materiais são robustos e nobres, mas o ambiente é singelo e fresco e informal porque a ideia é servir comida boa sem ter medo de fazer barulho com os talheres. Quem diria que "antes, este espaço era um restaurante de carne, com uma cabeça de touro pendurada nas paredes, algumas delas pintadas de vermelho. E eu quis tirar aquele sangue todo." O restaurante tem dois andares, o de cima, onde está o bar e o balcão para esperar pela mesa, que espreita como uma pequena varanda sobre a sala de jantar, e a esplanada é o prolongamento do bistro, onde se pode fumar e estar a beber um copo. Depois existe a mesa do chef, mais recatada, mas Carlos não parece muito interessado em grande elitismos e é precisamente daí que vem boa parte do seu talento e do seu encanto. Quando queremos saber de mais projetos, ele cala-nos com uma mousse de chocolate, gelado de avelã, avelãs e telha de avelã, o caramelo salgado a escorregar na alegria das bolinhas de chocolate crocantes, "era a mousse do restaurante da minha tia, em Beja", boa que dói. Voltamos a puxar por ele que ele nunca puxa o lustre ao seu Frade, que hoje já nem é muito português, porque está atulhado de turistas: "Não ter planos é o melhor plano". "E o oito é o número do infinito", respondemos nós.

Foto: Hayley Kelsing Photography
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Onde? Largo do Picadeiro, 8-A. Horário: aberto todos os dias do meio dia à meia noite. 

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