Prazeres / Sabores

O grande vinho do Douro que escapou aos críticos

Antónia Adelaide Ferreira é um vinho de edição limitada, lançado pela maior empresa de vinhos do país, a Sogrape. Como passou ao lado da maioria dos críticos não se percebe, mas ainda bem que assim foi…

Foto: DR
04 de abril de 2024 | Bruno Lobo
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O Parcelas e o Ícone são ótimas novidades que nos chegam da Herdade do Peso, no Alentejo, e a Quinta dos Carvalhais há muito nos habituou aos seus excelentes brancos e tintos do Dão. Pelo meio, surgiu a Série Ímpar, que já foi de Lisboa ao Douro, do Alto Alentejo à Bairrada, para nos apresentar vinhos boutique, muito especiais e quase irrepetíveis. É verdade, a Sogrape produz grandes vinhos por todo o país, mas é no Douro que guarda os seus maiores tesouros. Como o Legado, um "vinho de vinha", que nasce numa parcela centenária plantada em socalcos pré filoxéricos, para lá de "onde o diabo perdeu as botas", como muito provavelmente está marcada a morada da Quinta do Caêdo. E temos o Barca Velha, evidentemente, esse vinho que Nicolau de Almeida sonhou, nos anos 50, que seria o melhor de Portugal, e um grande no mundo, do qual teremos uma nova edição em breve − e, quem sabe, a maior declaração de Barcas Velhas consecutivas (ver mais em baixo).

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Só que a Sogrape esconde outra joia, muito diferente dos anteriores e ainda mais limitado em quantidade. Trata-se do Antónia Adelaide Ferreira, um vinho que pretende homenagear essa figura maior do Douro, assim como a região, uma vez que reúne uvas do Cima Corgo e do Douro Superior, os dois terroirs mais emblemáticos e onde a Casa Ferreirinha tem as suas quintas. Esta edição de 2019 chegou até nós limitada a 2666 garrafas, o que também é um bom indicador de que não devem ser muito supersticiosos na empresa.

O AAF fazia inclusivamente parte do portfólio da Casa Ferreinha desde 2011, quando a empresa decidiu lançar a homenagem, por ocasião da comemoração dos 200 anos de nascimento de Dona Antónia. O sucesso ditou os lançamentos seguintes e o surgimento de um branco, até que em 2023 se tomou a decisão de "lançar o tinto de forma individualizada, conferindo maior destaque ao seu propósito inicial", como esclarece a Sogrape. Ganhou também uma imagem personalizada onde, para além da figura de Dona Antónia, surgem bem visíveis os célebres socalcos aos quais dedicou a sua vida.  

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Luís Sottomayor, enólogo deste e de todos os outros vinhos da Sogrape no Douro, foi selecionar uvas à Quinta da Leda, à Quinta do Seixo, do Sairrão e à Quinta do Porto, uma das casas de Dona Antónia, para produzir esta edição. Tem percentagens quase iguais de Touriga Nacional e de Touriga Francesa (40%), seguidas por um field blend de Vinhas Velhas e uma pequena percentagem de Sousão, que lhe acrescenta acidez e alguma cor. O resultado fermentou e estagiou cerca de 8 meses em barricas e outros 24 meses em tonéis, maiores, sempre de carvalho francês e de madeira usada, para "marcar" menos o vinho. Desses lotes foram depois selecionados apenas aqueles que atingiam o patamar que Sottomayor exige para "podermos engarrafar o melhor do Douro e prestar o devido tributo a Dona Antónia". Um vinho de acidez viva, de corpo sólido, e com taninos firmes, embora muito bem integrados, que permitem ao vinho destacar-se sobretudo pela elegância. É sedutor, volumoso e com um belo toque de especiarias, pelo que fará excelente companhia a carnes vermelhas, de caça e até queijos. Está já num ponto excelente de evolução, mas tenderá a ganhar algo em garrafa por mais uns 5 ou 10 anos − sendo que a longevidade será ainda superior.

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Então e o Barca Velha?

Em sentido contrário - em termos de atenção mediática entenda-se -, seguiu a declaração de que este seria ano de Barca Velha. Tendo a Sogrape anunciado que a colheita 2015 tinha sido entronizada e que o vinho chegará ao mercado ainda antes do verão. O destaque que os media deram ao anúncio é compreensível, afinal, trata-se do mais famoso vinho de mesa premium nacional, o único capaz de gerar conversas mesmo entre quem nunca o provou e que apenas é editado em raríssimas ocasiões. Ou será que não? Porque o anúncio deixou-nos a pensar, se 2015 "já" é Barca Velha, e sabendo nós que 2016 e 2017 são considerados anos clássicos nos vinhos do Porto Vintage, significa isto que vamos assistir a três declarações de Barca Velha seguidas? Seria um feito na história de um vinho que, em 72 anos, apenas conheceu 20 declarações − 21 agora. Podemos até ter a série mais incrível de sempre, porque as colheitas de 2018 e de 2019 também permitiram produzir vinhos de qualidade muito elevada como, aliás, este AAF nos prova tão eloquentemente. Aceitam-se prognósticos, porque a aposta vale uma garrafa de Antónia Adelaide Ferreira tinto!

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