Prazeres / Sabores

O génio do Alentejo numa garrafa

É entre o alto e o baixo Alentejo, mas temperado pela brisa amena do Atlântico, que nasce o Garrafeira branco 2019, na Herdade Aldeia de Cima, um produtor surpreendente…

Foto: Inês D´Orey
31 de julho de 2021 | Bruno Lobo
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Chamaram-lhe Garrafeira, apesar de vir numa simples garrafa. Será por ser tão bom que vale por muitas?

Na verdade, o termo começou informalmente, para designar os vinhos mais especiais, tão bons que mereciam ser guardados "na garrafeira". Com o tempo acabou por ganhar um cunho legal, e hoje as Comissões Vitivinícolas Regionais (CVR) apenas permitem essa menção nos vinhos que apresentem "características organolépticas destacadas" e tenham, no caso dos tintos, um envelhecimento mínimo de 30 meses, 12 dos quais, pelo menos, em garrafa de vidro, e 12 meses nos brancos, 6 dos quais, pelo menos, em garrafa de vidro.

Mas não ficamos aqui ¬ ou seria fácil para qualquer produtor deixar um dos seus vinhos estagiar e poder usar essa designação. O processo é mais complexo e obriga, desde logo, a utilizar um lote especial, "com a classificação pelo menos de Grande Reserva", como nos contou Luisa Amorim, responsável pela Herdade da Aldeia de Cima, projeto que lançou com o marido, Francisco Rêgo, depois de 20 anos de experiência na gestão da Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo, no Douro, e mais recentemente da Taboadella, no Dão, propriedades da família Amorim. Luísa refere-se às "características organolépticas destacadas" de que fala a legislação, mas nem assim o processo de certificação fica completo, porque após o estágio uma câmara de provadores da CVR volta a avaliar o resultado, e só então emite um parecer. "É um risco muito grande para o produtor", afirma, "que só assume quem está muito confiante no resultado".

Foto: Inês D´Orey
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Na Aldeia de Cima tinham razões para isso. Apesar de ser um projeto recente, a equipa tem uma vasta experiência no terreno e conhecia bem a qualidade das uvas e das castas escolhidas. "A Antão Vaz é uma casta que identifica muito bem a Vidigueira", explica Jorge Alves, o enólogo que também lidera os projetos no Douro e no Dão, e que aqui é secundado por António Cavalheiro. A Antão Vaz "é uma casta ancestral da região, e está ultra adaptada ao terroir". Tem a maior presença no lote, contando para 70% do vinho. Segue-se o Arinto, com 25%, que não só acrescenta alguma acidez refrescante à maior exuberância de aromas da Antão Vaz, como geralmente produz vinhos que envelhecem bem em garrafa ¬ uma característica importante num Garrafeira. Por fim, temos um pequeno toque ¬ ainda mais mineral ¬ de Alvarinho, sendo que "Antão Vaz e Arinto fermentaram juntos em balseiros de 3000 litros, o que lhe conferiu uma grande singularidade", acrescenta ainda o enólogo.

Esta utilização de balseiros promete vir a tornar-se numa marca de assinatura da HAC, que fez um grande investimento neste género de barricas gigantes de carvalho francês. O tamanho permite uma integração mais subtil da madeira, uma evidência que Jorge Alves enumera: "numa barrica de 500 litros temos cerca de 300 cm2 de madeira por litro, mas num balseiro de 3000 litros essa presença não chega a 40 cm2." E tem outro benefício, pois assim os vinhos estão mais protegidos do oxigénio, a micro oxigenação é mais lenta, "e é isso que vai fazer com que envelheçam tão bem em garrafa."

A colheira de 2019 estagiou nove meses nestes balseiros, antes de ser engarrafada em junho de 20. Passou mais 12 meses de estágio em garrafa, "12 luas completas" brinca o enólogo, e chegou ao mercado em junho. Ambos, Jorge Alves e António Cavalheiro, gostam de classificar o seu trabalho como "enologia de contemplação", no sentido em que interferiram muito pouco, dando a maior amplitude para que estes solos e castas revelassem o seu carácter exclusivo. E, ao mesmo tempo, deixando evidenciar o equilíbrio mais natural que estes grandes balseiros conseguem proporcionar. Mas um vinho assim também não nasce do acaso, e para além da contemplação houve aqui um trabalho minucioso de relojoeiro, afinando com precisão os elementos, porque o génio do Alentejo está mesmo aqui, guardado em cada garrafa.

Foto: D.R
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Foram produzidas 5820 garrafas de 75cl, com um PVP de 42 euros, e 115 magnum, com um PVP de 82 euros.

Foto: D.R

Para além do Garrafeira, a HAC lançou também um Reserva do mesmo ano, e com as mesmas castas ¬ ainda que não nas mesmas proporções: Antão Vaz 45%, Arinto 45% e Alvarinho 10%. Desta vez foram Arinto e Alvarinho quem estagiou junto, e o Antão Vaz por si, todos em barricas tradicionais de 500l. A assemblage ocorreu cerca de um mês mais tarde, e o resultado está muito redondo e harmonioso.  Um vinho que só não tem mais destaque por culpa do Garrafeira. PVP 15,20 euros.

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