Palhetes e claretes ainda não chegaram às prateleiras dos supermercados, mas nas garrafeiras surgem propostas cada vez mais interessantes, e vindas de todo o lado. De norte a sul do país, de pequenos produtores biodinâmicos ou da maior e mais importante empresa do setor em Portugal.
Depois da moda dos rosés, assistimos claramente ao renascimento destes vinhos, o que não será de estranhar se pensarmos que os novos hábitos de consumo apontam precisamente para opções mais leves e frescas, mais naturais ou com um mínimo de intervenção enológica. E menos alcoólicas. Tudo características que lhes associamos. Ainda por cima, trazem consigo uma importante legitimidade ancestral.
A frase no título "Não é milagre, é palhete" – aliás, toda a cena, com Vasco Santana a furar uma parede de onde começa a jorrar vinho − é uma das mais icónicas do velho cinema português, mas interessa-nos sobretudo porque mostra como palhetes e claretes já foram bastante mais habituais do que são agora. E, quanto mais recuamos no tempo, dizem os historiadores, mais comuns se tornam, até chegar aos primórdios do vinho.
No fundo, palhetes e claretes situam-se algures entre os rosés e os tintos, especialmente agora que os rosés tendem cada vez mais para o chamado estilo Provence, de cor quase translúcida e aromas mais contidos. Aqui, teremos sempre mais extração e cor, sem chegarmos às concentrações dos tintos normais, nem ao seu nível de álcool (que, fruto das alterações climáticas, anda com tendência para subir).
Ao reduzirmos o tempo de maceração e de fermentação, ou juntarmos castas brancas, conseguimos trazer acidez e frescura, mas também uma excelente versatilidade gastronómica, como pudemos experimentar – das sardinhas aos espargos, do bacalhau aos enchidos.
Tudo ao molho e fé em Baco
Até agora, tratámos palhetes e claretes indiscriminadamente, mas existem diferenças entre eles: ainda que nenhum dos dois tenha propriamente "personalidade jurídica", a sua designação oficial é a de tinto. Feita esta consideração, diz a lei que um "palhete (ou palheto) é um vinho tinto, obtido da curtimenta parcial de uvas tintas ou da curtimenta conjunta de uvas tintas e brancas, não podendo as uvas brancas ultrapassar 15% do total." Já um clarete será um "vinho tinto, pouco colorido, com um título alcoométrico volúmico adquirido não superior em 2,5 % vol. ao limite mínimo legalmente fixado" – ou seja, remete-nos para um vinho de castas tintas, mas mais leve em corpo, cor, teor alcoólico e taninos.
Na prática, no entanto, não existe uma barreira assim tão definida entre as duas designações e encontramos referências que se assumem como clarete, mas admitem misturar castas brancas e tintas, e muitas outras que referem percentagens de uvas brancas bastante superiores ao limite fixado de 15%.
O mundo do vinho é deliciosamente complicado e cheio de idiossincrasias. Por essa Europa fora, por exemplo, ninguém ouviu a expressão palhete, que é uma classificação muito nossa. Já o termo "clarete" chega-nos da Idade Média e servia para identificar os vinhos de Bordéus, que até ao século XVIII tinham uma cor mais clara do que o Bordeaux de agora. O clairet, francês, virou 'claret', com pronúncia inglesa. Já para os espanhóis, clarete é um vinho que mistura uvas brancas e tintas ou, simplesmente, um vinho com menor extração – tal como designamos os palhetes. Embora, no caso de nuestros hermanos, sejam as castas brancas que devem estar em maioria. Não há dúvida de que é mais fácil beber vinho do que tentar entendê-lo…
13 palhetes e claretes para perceber o que são e por que estão na moda
Nos últimos anos, assistimos a um crescimento fantástico deste tipo de vinhos, com muitas referências novas, de intervenção enológica mínima, muitos naturais, biológicos ou biodinâmicos. São vinhos mais tolerantes à temperatura de serviço – como regra, devem ser servidos entre a temperatura de um branco e um tinto – e muito versáteis à mesa. Também se portam muito bem a solo e, além disso, a maioria destes rótulos são uma delícia. Como não gostar de um vinho assim?
Para evitar repetições constantes, assumimos que todos os vinhos aqui presentes têm taninos leves e boa acidez, o que contribui decisivamente para uma sensação de frescura na boca. Isto é comum a todos.
Série Ímpar Palhete
Nem se imagina como um vinho tão suave pode ter tanta complexidade e envolver-nos tanto. Desde o início que a Série Ímpar – um desafio da Sogrape aos seus enólogos para apresentarem vinhos especiais e originais – nos tem surpreendido, mas este palhete é especial. Feito no Douro, por Luís de Sottomayor, com uvas das vinhas velhas da Tapada do Castanheiro, na Mêda, a 600 metros de altitude, em modo de produção integrada e agricultura sustentável. Uma mistura de Bastardo, Rufete, Cornifesto, Malvasia Fina e Síria, entre muitas outras castas, brancas e tintas. É também um vinho sem ano, porque resulta da combinação de duas colheitas, 2019 e 2020, com estágios de 31 e 19 meses em barricas usadas. Intervenção mínima, mas rigorosa. A madeira nem se nota, a cor é aberta e as frutas vermelhas estão muito presentes, especialmente a cereja, assim como um toque de especiarias. Delicioso e elegante.
Álcool: 12,5%. Preço: 65 euros
Cas’Amaro Falatório Palhete 2022
A Cas’Amaro é um projeto muito interessante de vinhos e enoturismo na aldeia Galega da Merceana, na região de Lisboa. Feito a partir de Bastardo, do lado das tintas, e Sercial e Arinto, das brancas, este palhete apresenta uma cor viva e aromas agradáveis a fruta vermelha, especialmente morango. Teve uma bela nota nos prémios mundiais da Decanter.
Álcool: 12%. Preço: 9,90 euros
Respiro Clarete 2022, Cabeças de Reguengo
Um vinho que se assume como um clarete, mas que mistura uvas brancas e tintas. Proveniente de um field blend de vinhas centenárias na Serra de São Mamede, entre os 500 e os 700 metros de altitude, todas em produção biológica e recuperadas com um nível de cuidado que diz muito sobre a ambição do projeto. São mais de 14 castas que contribuem para um vinho muito vegetal, com notas essencialmente de fruta preta.
Álcool: 11,7%. Preço: 19 euros
Folias de Baco Uivo Renegado 2023
Tiago Sampaio, já distinguido com o prémio de Enólogo Revelação do Ano, traz-nos aqui um field blend de uma vinha muito velha, localizada a mais de 600 metros no planalto de Alijó. São mais de 25 castas, com uma proporção de 50/50 entre brancas e tintas. É um palhete natural, muito aberto, leve e saboroso, com notas de framboesa e outras frutas vermelhas.
Álcool: 11,5%. Preço: 10,45 euros
Ethos Identidade da Serra Palhete 2021
Produzido na Quinta de São Lourenço, na Beira Interior, a partir de vinhas com mais de 60 anos, situadas a 500 metros de altitude. Aqui respeita-se o espírito da lei, com um rácio de 85%-15% num lote de castas autóctones: Rufete, Baga, Jaen, Síria, Fonte Cal e Malvasia Fina. O resultado é um palhete de cor cheia, proveniente de uma fermentação um pouco mais prolongada e com um estágio (adega e garrafa) longo para estabilizar. Está muito consensual, delicado, descontraído e natural.
Álcool: 12%. Preço: 14,90 euros
Chinado Palheto 2023
Um vinho natural de Alcobaça, na região de Lisboa, e mais um field blend de vinhas velhas. Este tem predominância de castas brancas (Fernão Pires e Malvasia-Rei), em detrimento das tintas (Castelão e Touriga Nacional), o que explica a sua cor mais pálida. É um vinho delicioso e cheio de caráter, com notas especiadas a discutirem protagonismo com a fruta, especialmente cerejas e groselha, tudo bem temperado pela acidez.
Álcool: 11,5%. Preço: 19,95 euros
Proibido Clarete 2020
Um vinho "como se fazia antigamente", diz o enólogo Márcio Lopes, um dos pioneiros e entusiastas deste estilo. Feito com uvas do Douro Superior, de vinhas com 60 anos e castas autóctones (maioritariamente Tinta da Barca, Tinta Amarela, Tinta Francisca e Rufete), é pisado a pé no lagar. Sobressaem morangos e bagas silvestres num vinho bem equilibrado, que tem recebido excelentes pontuações nas revistas da especialidade.
Álcool: 12,5%. Preço: 13,50 euros
Pacto Palhete 2023
Mais um vinho da Mêda, no Douro Superior, produzido pela Família Carvalho Martins, que aqui procura homenagear o trabalho das gerações anteriores. Apesar do rótulo indicar um palhete, apenas são referidas castas tintas (Touriga Francesa, Touriga Nacional, Tinta Roriz e Tinto Cão). Muito expressivo, com bagas de fruta preta e crocante na boca.
Álcool: 12,5%. Preço: 8,90 euros
Dr. Bruno Baga Clarete 2023
A alentejana Herdade do Rocim viajou até à Bairrada, mais concretamente à Quinta da Lagoa Velha, para criar este clarete de Baga, em homenagem à personagem humorística Bruno Aleixo. Dizem que "tem outras castas, mas é mais Baga", e que "estagiou em pipas de alumínio", numa abordagem bem-humorada. Já sem ironias, este Dr. Bruno é bom de boca, leve e agradável de beber.
Álcool: 12%. Preço: 19,90 euros
Defio Baga Clarete Nat Cool 2022
O Defio – que significa desafio, em Esperanto – nasce da vontade de duas amigas, Ana Sofia Oliveira e Sara Matos, de criarem algo diferente. E resulta ainda da amizade de ambas com os Niepoort. Por isso, é um clarete monocasta de Baga, da Quinta de Baixo, a grande propriedade dos Niepoort na Bairrada. Sabendo isso, o Nat Cool já não surge como surpresa. É um vinho mineral, com especiarias evidentes e fruta vermelha bem presente. Muito ligeiro.
Álcool: 11,2%. Preço: 13,80 euros
Quinta dos Termos Clarete 2022
Um clarete da Beira Interior, da Quinta dos Termos, e em modo de produção integrada e sustentável. E mais um que, apesar do nome, resulta da mistura de uvas brancas e tintas – no caso, Touriga Nacional e Rufete, mais Fonte Cal, uma branca autóctone e muito pouco plantada fora da região. Na cor (e não só), será o mais retinto deste lote, fruto de uma curtimenta mais prolongada. Também por isso, é aquele com mais álcool e taninos, ainda que longe da robustez dos tintos.
Álcool: 13%. Preço: 9,50 euros
Palhete do Tareco XXVI Talhas 2023
Estagia em talha, em contacto com as borras, por um par de meses, com uma mistura de castas tintas e brancas: Aragonez, Trincadeira, Tinta Grossa, Antão Vaz, Roupeiro e Diagalves – mais brancas do que tintas. Apresenta uma cor rosa viva muito atraente e aromas intensos a fruta vermelha. Feito em Vila Alva, capital do vinho de talha. Tareco, aliás, é uma ânfora de menor dimensão. Um registo mais leve, mas preservando todo o caráter dos vinhos de talha.
Álcool: 12%. Preço: 13,99 euros
Invés Las Setas 2023, Henrique Cinzeron
Nada na garrafa o classifica como um palhete, mas é um tinto que mistura castas tintas e brancas, sensivelmente numa proporção de 60-40, num field blend que passou diretamente para a garrafa. Vem de uma única vinha (Las Setas), no planalto Mirandês, a 650 metros de altitude e com quase 100 anos. Entre as castas, destacam-se Tinta Gorda, Bastardo, Malvasia Fina, Dona Branca e Síria. Cor a tender para o rubi, notas tradicionais de frutos vermelhos (especialmente morangos), excelente textura e muita elegância e harmonia.
Álcool: 13%. Preço: 17,50 euros