"Juntamos dois pontos e, ao juntá-los, criamos um terceiro", ponto. Leopoldo Calhau, chef, arquiteto, empresário em construção, pai de filhos, indivíduo multidimensional com um grande apetite pela memória, é quem o diz quando tenta descrever aquilo que faz na sua Taberna do Calhau, que comemora o 5.º aniversário. Ali, no Largo das Olarias, nas franjas da Mouraria, já como quem beija os pés da Graça, fundou há cinco anos a Taberna que ostenta o seu apelido, Calhau, que deixa adivinhar-lhe as origens alentejanas. "Infelizmente, tenho cada vez menos tempo para lá voltar." "Lá" é o Alentejo de Leopoldo, em Vila Alva, Cuba, logo a sul da Serra do Mendro, terra dos vinhos de talha e de tantas outras coisas - e todas essas coisas são uma mescla de fantasmas e personagens vivas na cabeça de Calhau, que a elas recorre para se inspirar, para criar, para se recrear, para improvisar, inventar e reinventar.
E era disso mesmo que Leopoldo Calhau falava quando disse o que foi dito lá no início do texto: pega nas memórias, vai atrás delas, persegue-as até as conseguir reinventar com aquilo que sabe e conhece; junta um ponto com o outro, e dessa junção nasce um terceiro ponto. É assim que acrescenta dimensões ao nosso mundo e à tradição dele, refazendo o que já foi feito, mas como ainda ninguém fez. Normalmente, mistura coisas de uma maneira aparentemente inapropriada. Um exemplo? "O Tomate, Tomate, Tomate, são três tipos de tomate", e acompanham uns com os outros - e uma bola de gelado. Parece estranho, parece simples (e é), mas vale muito a pena. Leopoldo apresenta o prato e, orgulhoso, cita o pai, que já citava o avô: "No tempo do tomate não há comida que não preste." É máxima que merece inscrição na pedra, coisa para converter os mais desconfiados. E depois reforça que, ali, "só há tomate na época dele".
Esta abordagem de Leopoldo Calhau aos pratos da sua memória, que está longe de gerar unanimidade entre quem os prova, nasce da capacidade para procurar os sabores que traz na cabeça, como reminiscências que o assombram. Autodidata - a sua formação é em arquitetura, nada tem que ver com cozinha ou gastronomia -, tem um palato que é para a culinária o equivalente ao nariz de um perfumista: identifica um aroma e um sabor, e então persegue-o até encontrar o que procura. "O processo pode não ser igual, mas o sabor tem de ser igual", diz. Esses sabores que procura e acaba por encontrar tanto podem remeter para experiências vividas há algumas semanas como para lembranças dos tempos de infância. A infância é, aliás, terreno muito fértil para as criações de Leopoldo. "A maneira de comer de quando eu era miúdo está muito presente. Era muito guloso, passava a vida na cozinha", conta, explicando como observava a experimentava, tentando fazer, procurando reproduzir o que os adultos cozinhavam. "As minhas melhores recordações são de andar a apanhar amêijoas e mexilhões com os meus primos, tudo em família." A memória é o ponto de partida e o ponto de chegada, os tais dois pontos que procura juntar para conceber um terceiro, esse novo que encontramos e que são o presente na Taberna do Calhau.
Leopoldo explica, em complemento ao que vai dizendo à mesa do almoço a propósito da sua maneira de cozinhar e de imaginar, que tudo isto é parte da sua maneira de se adaptar às circunstâncias. E a sua Taberna, que agora completa cinco anos - é verdade, no meio da conversa, o motivo que aqui nos traz quase caía no esquecimento -, já viveu muitas circunstâncias diferentes, tal como, aliás, o próprio Leopoldo. É por isso que o ouvimos falar, agora, na "versão 3.0 da Taberna do Calhau". E isso quer dizer o quê, que tudo vai mudar? Não. Descansem os admiradores da Alentejaninha e do Pudim de Noz da Joana, e de outros incontornáveis clássicos da ardósia onde o chef exibe o menu do dia. No que está bem não se mexe. O que se vai fazer é, nas palavras do próprio Leopoldo Calhau, arrumar a casa, dar-lhe ordem, criar uma disciplina que lhe permita reduzir a carga que concentra em si, delegando funções e responsabilidades, ao mesmo tempo que garante um saudável funcionamento da Taberna, desde as reservas ("às vezes ligavam-me a reservar, eu estava a pensar naquilo, mas a seguir tinha uma situação com um dos meus filhos, por exemplo, e pronto, lá me esquecia") à formação do pessoal. Para a formação, o aumento da disciplina e a otimização da cozinha e dos produtos, Leopoldo conta agora com a ajuda de Miguel D’Orey, chef com experiência aquém e além fronteiras - que incluem passagens por Espanha e Noruega, por exemplo -, uma espécie de braço direito cujo papel passa por garantir a estabilidade da casa nesta tal versão 3.0. "Por exemplo, agora vamos passar a ter fichas técnicas para cada prato."
Leopoldo é um chef impulsivo, a roçar o caótico, "tenho uma carta que não tem lógica nenhuma", admite. Mas diz que, para chegar a ela, estudou mais de 600 cartas. E que eram todas feitas das mesmas coisas, cada uma com a sua banalidade. Contudo, aceita que é preciso haver regras, criá-las caso não existam. "Não quero inventar nada, não é para fazer nada novo neste momento. O objetivo é consolidar o que existe." De repente, os cinco anos da casa parecem ser o seu ponto de maturidade.
A equipa, essa, é toda nova. Depois de se ter deparado com problemas para encontrar pessoal para a Taberna, Calhau foi adicionando elemento por elemento até compor a equipa que hoje encontramos e que esta semana lá espera os comensais para lhes servir cinco menus diferentes, um por dia, um por cada ano de vida. De 1 a 5 de julho, a Taberna do Calhau tem à disposição menus de 5 pratos mais sobremesa. Camarão e Tremoço, Pescada Ovo e Coentros, Sopa de Cavalo Cansado, Couve Couve Couve-Flor, Pato e Arroz do Mesmo, Rissol Descontraído, Sardinha Pão e Tomate ou Açorda de Carabineiro são, além dos clássicos já mencionados, apenas alguns dos muitos, muitos pratos que o Chef Leopoldo tem para celebrar este número redondo. E há um prato, que é uma novidade na carta, que fez crescer água na boca de quem ouvia Leopoldo descrever as suas mais recentes demandas e descobertas: Jardineira de Rabo de Boi, que será o grande destaque (a par do Carabineiro e Pistachio) do dia 5, sexta-feira.
Onde? Largo das Olarias, 23, Lisboa. Quando? Terça e quarta das 18h30 às 0h00; de quinta a sábado das 12h30 às 15h30 e das 18h30 às 0h00. Reservas? 910 163 649.