Estamos desculpados por pensar que os porcos que decoram o restaurante, muitos e de várias cores, têm alguma coisa que ver com o montado alentejano. Na verdade, podemos pensar o que quisermos, porque a arte sujeita-se à interpretação individual, mas é interessante saber que, afinal, as peças foram criadas para celebrar o ano do porco, na China, e fizeram parte de uma pig parade que Howard Bilton organizou em Hong Kong. Howard, estão a ver?
Parece estranho começar por falar de porcos chineses, quando o objetivo é contar a história de um projeto de enologia e gastronomia em Estremoz, mas também não é normal, numa adega, a zona onde se faz a seleção das uvas ter um grafiti gigante por trás. Ou à entrada sermos recebidos por um enorme painel com uma reinterpretação moderna do Juízo Final, de Michelangelo. Este Howard’s Folly não é definitivamente um projecto normal, nem sequer pelo nome, a loucura do Howard e, como sabemos loucura e génio andam frequentemente de mãos dadas.
Howard Bilton é um empresário inglês sediado em Hong Kong, e foi lá, no enclave que tudo começou, com uma garrafa de Esporão à frente. Adorou o vinho, ou melhor apaixonou-se pelo vinho e quis conhecer melhor a região e o enólogo que faziam aquela maravilha. Por sorte tanto o Alentejo como David Baverstock mostraram-se perfeitamente à altura das suas expectativas e propôs-lhe imediatamente uma parceria para fazerem vinhos juntos.
Para quem está menos familiarizado com o nome, Baversock é o enólogo da Herdade do Esporão, e apesar de australiano é unanimemente considerado como um dos grandes enólogos de Portugal e um dos responsáveis pela modernização da vinificação no país. Aliás, foi o único estrangeiro a ser eleito enólogo do ano - e ainda repetiu a façanha, antes de ser agraciado com a comenda da Ordem do Mérito Empresarial pelo Presidente da República.
Baverstock entusiasmou-se com esta ideia de fazer vinhos boutique e aceitou o desafio. Estávamos em 2002 e nascia assim a Howard’s Folly.
Os vinhos são feitos com uvas provenientes da zona de Portalegre, no Alto Alentejo, no granito da Serra de São Mamede, que David adora: "Acreditamos muito nesta região de clima fresco, como sendo o futuro do Alentejo, e que nos permite fugir aos riscos das mudanças climáticas". Também permite produzir vinhos com uma longevidade impressionante. Os primeiros saíram em 2008 e ainda hoje apresentam uma jovialidade incrível. "Trabalhamos com muitos agricultores locais" continua David, "que nos fornecem uvas de vinhas velhas, com as quais estamos a fazer vinhos super premium." Esta aposta em vinhas velhas revela muito sobre o projeto, que tem outra especificidade, pois além para além dos alentejanos, apostam também nos vinhos verdes - e para isso produzem, no Minho, na região de Melgalço, um Alvarinho de grande qualidade. A ideia é, mais uma vez, mostrar o potencial de envelhecimento da casta, e se o mais recente a chegar ao mercado data de 2017, ainda têm garrafas à venda de 2013.
Na cozinha está o chef Hugo Bernardo, que não inova propriamente no conceito, ou seja, produtos "da terra para o prato" e (maioritariamente) a recriação de pratos tradicionais, mas revela bem a sua criatividade quando o faz, como no saborosíssimo Naco de Vazia Alentejana, servido com redução de vinagre Balsâmico, queijo de ovelha curado, coentros e cebola frita. Outras vezes sai fora do guião e apresenta-nos um extraordinário Camarão Kataifi (envolto em massa Kataifi), temperado com ervas aromáticas locais e acompanhado por uma deliciosa maionese de manjericão. A maior parte dos pratos estão pensados para ser partilhados, num ambiente descontraído e sempre bem acompanhados pelos vinhos, até porque no mesmo espaço funciona a loja de vinhos… e não se vá embora sem levar umas "lembranças".
São três os Sonhadores que nos fazem sonhar: um branco, um rosé e um tinto. Ou melhor quatro, porque ainda existe o Sonhador Alvarinho, o vinho Verde. O preço é igual para os quatro: 12 euros. Segue-se um Tinto Reserva (28 euros) e, para breve, o primeiro Branco Reserva. Por fim, existem algumas edições especiais, como o monocasta Touriga Nacional e o 6033, com uma seleção de lotes de 2010, 2011 e 2012 (a soma perfaz os 6033).