Henrique Sá Pessoa revisita receituário português para novo livro
O chef recordou algumas das mais afamadas receitas tradicionais portuguesas para o seu novo livro, Comtradição, onde sugere pratos como sopa de cação, favas com entrecosto ou feijoada de lulas.
12 de março de 2021 | Rita Silva Avelar
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É uma autêntica viagem gastronómica, o novo livro de Henrique Sá Pessoa. Comtradiçãoreúne 60 receitas que recuperam a essência da cozinha tradicional portuguesa, um desafio lançado pelo canal 24Kitchen, baseado no programa com o mesmo nome, um dos mais vistos de sempre no canal.
Em Comtradição, editado pela Casa das Letras, todas as receitas são precedidas por uma pequena introdução onde se explica a origem do prato, e se revelam curiosidades como a de que o ensopado de borrego, tal como hoje é confecionado, existe desde o século VII, com provável origem árabe. Ou que a sericaia terá provavelmente origem indiana (terá surgido em Malaca e sido trazida para Portugal pelo sétimo vice-rei da Índia) e foi implementada pelas freiras dos conventos de Elvas e Vila Viçosa.
De Viana do Castelo a Faro, passando pelos Açores e a Madeira, são apresentadas três receitas por cada distrito, cada uma com o respectivo QR Code, que permite ao leitor acompanhar, no Youtube, a execução de Henrique Sá Pessoa no programa. O que une estas receitas é a forma descomplicada com que o chef as confeciona, simplificando o exercício de cozinhar pratos à priori complexos como Tripas à Moda do Porto, Sopa da Pedra ou Papos de Anjos.
Este é um livro que revisita o receituário português. Foi fascinante mergulhar neste nosso legado?
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Para mim foi um grande desafio e algo que já queria fazer há uns anos. É sempre difícil reinterpretar receitas tradicionais porque somos muito protecionistas da nossa gastronomia mas o feedback tem sido muito positivo.
Descobriu receitas de que nunca tinha ouvido falar, ou que nunca tinha experimentado fazer?
Sem dúvida! Algumas ou mesmo a grande maioria nunca tinha feito antes. Daí o desafio ser ainda maior.
Há muito que se perdeu desta gastronomia "antiga", ou continua bem presente aqui e ali na nossa cozinha?
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Sinceramente acho que nunca se perdeu mas acredito que as gerações mais jovens tenham perdido um pouco essa ligação. É sempre bom poder partilhar e relembrar a nossa herança gastronómica.
Como chef de alta gastronomia, foi um exercício interessante voltar às origens, por assim dizer, da nossa gastronomia?
Sem dúvida! Foi uma oportunidade também de aprender um pouco mais sobre as nossas tradições e costumes apesar do livro também ter o objetivo de dar um toque pessoal e “mexer” no passado, sabendo que nem todos vão gostar. Mas mais uma vez o feedback tem sido incrível.
Viajou pelo país em busca das tradições perdidas? As pessoas estão intrisecamente ligadas à comida? Ou seja, a comunidade, a herança e riqueza da região...
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As receitas são sempre feitas de pessoas e costumes e o nosso país tem uma riqueza muito especial no que toca à gastronomia. Poder viajar um pouco pelo receituário através de um programa é uma ótima experiência para quem cozinha e para quem vê. É bom poder inspirar as pessoas a aventurarem-se pela nossa cozinha.
Que receita escolheria do livro, e porquê?
Seria impossível eleger uma, são tantas as de que gosto! Mas diria que o bacalhau à Brás é um clássico incontornável.
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Há muitas variações das receitas portuguesas autênticas, no geral, ou estão mais ou menos "conservadas"?
No no programa só fizemos variações, algumas quase ficaram irreconhecíveis e a piada era essa mesmo. A “conservação” das tradicionais está imortalizada com muitas obras, talvez a mais conhecida através do Cozinha tradicional Portuguesa da Maria de Lurdes Modesto que já vendeu mais de 90 edições.
Descobrir as histórias por detrás de algumas receitas foi um desafio? Quais são as que mais curiosidade suscitaram em si?
As que têm histórias mais antigas por trás são incríveis como a doçaria conventual com influências das nossas viagens, a canela, o açúcar os pontos do açúcar, os ovos nas sobremesas. Incrível! E depois temos também o choco frito, tão simples como um pescador montar um negócio de fritar choco e ficar conhecido ao ponto de em Setúbal ser hoje feito em muitos restaurantes.