Há 100, 150 anos, todos os whiskies escoceses tinham um toque fumado. Como não havia muitas árvores na Escócia, a turfa era o combustível mais fácil e acessível, e é a turfa que liberta esses aromas tão característicos. Diferentes turfas produziam diferentes sabores, contribuindo para a identidade de cada região. Mais tarde, a expansão dos caminhos de ferro trouxe outros combustíveis, como o carvão, levando as destilarias a abandonar a turfa e alterando, de facto, o sabor característico dos seus whiskies. Quem não mudou, nessa altura, foi porque estava mais isolado, como as ilhas de Islay ou Skye. Hoje, evidentemente, "a opção de utilizar maltes fumados é uma decisão consciente e um traço distintivo de cada whisky", explica Seb Kracun, da House of Scotch.
Seb é um escocês radicado em Portugal e está a dinamizar uma série de masterclasses sobre whisky no Kissaten, o novo bar do hotel Locke Santa Joana. Um espaço que está rapidamente a afirmar-se como ponto de paragem obrigatório para os amantes de whisky. Ou de música, porque também tem uma aparelhagem de som soberba.
Seb explicou-nos por que razão olha sempre para o volume de álcool no whisky e prefere bebidas com 46% ou mais de teor alcoólico. Isto porque a maioria das destilarias que não filtram os seus whiskies opta por engarrafá-los com esse valor ou acima. Abaixo desse patamar, o whisky tem de ser filtrado para não ficar turvo. "Em princípio, os whiskies não filtrados têm um sabor mais complexo e autêntico, assim como uma cor mais natural. É verdade que a maior parte das pessoas não repara nessas coisas, mas nós, os geeks, damos-lhes muita importância", continua. E é por isso que vamos encontrar vários whiskies que destacam essas informações – o volume de álcool e o facto de serem non chill filtered – no rótulo.
Mas, antes ainda, quisemos saber o que contribui mais decisivamente para o caráter final da bebida: o malte? A destilação? Os cascos onde envelhece ou o tempo que demora? Seb Kracun veste a pele de Marco Bellini para responder: "É tudo".
A destilação é obviamente importante. O formato do alambique, a sua altura, a inclinação da conduta, o número de destilações, tudo isso influencia o perfil do whisky, determinando se será mais ou menos encorpado, suave ou intenso.
Depois, temos o tipo de carvalho dos barris, que "é mais importante para influenciar o sabor do que propriamente a sua utilização prévia". Ou seja, pode ter servido para envelhecer Bourbon, Jerez ou Porto, mas nenhuma dessas bebidas vai marcar o whisky tanto como o facto de ser carvalho americano ou francês. O primeiro, de longe o mais utilizado, contribui para criar um whisky mais leve, doce e frutado; o segundo, para um whisky mais complexo e rico em aromas e cor.
A cevada
Pode soar estranho aos apreciadores de vinho, mas a proveniência dos cereais não é considerada essencial na produção de whisky, e são raríssimas as destilarias que cultivam a sua própria cevada. Isso levou a uma certa uniformização das características da cevada, explica Seb, ao ponto de não ser vista como determinante para o resultado final. Ainda assim, acrescenta, "estamos a assistir a um contramovimento que procura fazer renascer algumas cevadas ancestrais, com mais impacto no sabor, e a destilarias que insistem em produzir a sua própria cevada". Entre essas raras exceções estão Kilchoman, Arbikie e Ardnamurchan.
Pagodes
O telhado com chaminé em forma de pagode é, provavelmente, o símbolo mais facilmente associado a uma destilaria – ainda que muito poucas sequem atualmente os seus próprios maltes. É nesse processo de secagem, em forno, utilizando a turfa como combustível, que os whiskies adquirem essa distinta característica fumada (pelo menos alguns).
Por ser um processo moroso e dispendioso, a maioria das destilarias prefere recorrer a empresas especializadas na produção de cevada maltada. Mesmo as poucas que ainda o fazem raramente produzem para suprir a totalidade das suas necessidades. É o caso de Balvenie, Bowmore, Highland Park, Glenfarclas ou Laphroaig, que mantêm uma percentagem de produção interna. Quase todas usam gás para alimentar o forno, em vez de turfa, embora possam recorrer à turfa durante algumas semanas por ano para produzir lotes mais fumados. Dunphail, Kilchoman e Springbank, por outro lado, são algumas das raras destilarias que fazem todo o processo de malteamento in house.
As 5 regiões do whisky escocês
Na Escócia, existem cinco regiões demarcadas, cada uma com um estilo distinto, influenciado pelo clima, pela geografia e pelos métodos de produção locais. No fundo, o seu terroir. As regiões são:
Highlands – Ocupa toda a parte norte da ilha e é a maior em área, sendo também a mais diversa em estilos. Aqui produzem desde whiskies mais leves a maltes salgados, junto ao mar e às ilhas. Ainda assim, pode dizer-se que a maioria é encorpada, com notas de mel, especiarias ou frutas secas.
Exemplos: Glenmorangie, Dalmore, Oban, Blair Athol.
Speyside – Geograficamente inserida nas Highlands, mas fortemente marcada pelo rio Spey, esta região tem características próprias e concentra o maior número de destilarias da Escócia. É conhecida por produzir whiskies ricos e frutados, com sabores a maçã, pera, mel, baunilha e especiarias. Muitos são envelhecidos em barris de Jerez.
Exemplos: Macallan, Glenfiddich, Balvenie, Glenfarclas.
Lowlands – A parte sul do país produz whiskies geralmente mais suaves e elegantes. Gengibre, caramelo e canela são alguns dos descritores mais associados a esta região, sendo os seus whiskies uma ótima escolha como aperitivo.
Exemplos: Glenkinchie, Ardgowan, Rosebank, Auchentoshan.
Islay – Uma ilha mágica, reconhecida pelos seus whiskies intensamente turfados e fumados, com uma salinidade característica e aromas a iodo e algas marinhas, devido à proximidade com o mar.
Exemplos: Laphroaig, Ardbeg, Lagavulin, Bowmore.
Campbeltown – Os seus whiskies são ricos em sabor, com notas fumadas, salinas, frutadas e caramelizadas. A região chegou a ser a capital do whisky, com mais de 30 destilarias, mas entrou em declínio, restando hoje apenas três, mas especiais.
Os 5 tipos de whisky escocês
A classificação do whisky escocês baseia-se no tipo de cereal e no processo de produção. Existem cinco categorias, mas duas dominam amplamente o mercado.
Single Malt Scotch Whisky − Feito numa única destilaria, apenas com cevada maltada e produzido em alambiques de cobre (pot stills). Normalmente, tem os sabores mais complexos e artesanais, sendo considerado o melhor dos whiskies. Existem cerca de 150 destilarias de whisky de malte na Escócia.
Exemplos: Glenfiddich, Glenlivet, Singleton, Ardbeg, BenRiach, Highland Park.
Single Grain Scotch Whisky − Também produzido numa única destilaria, mas geralmente à base de trigo, milho ou outros cereais além da cevada maltada. É destilado em alambiques de destilação contínua, o que lhe confere um perfil mais leve e menos intenso em sabor. Por essa razão, é usado maioritariamente para fazer blends, embora existam boas expressões engarrafadas.
Exemplos: Haig Club, Cameronbridge, The Leith Export Co. Single Grain, Loch Lomond Single Grain.
Blended Malt Scotch Whisky − Mistura de diferentes single malts de várias destilarias. O objetivo é destacar a arte do blend, criando um perfil mais harmonioso, equilibrado ou complexo.
Exemplos: Monkey Shoulder, Compass Box Orchard House, Johnnie Walker Green Label.
Blended Grain Scotch Whisky − Uma mistura de diferentes single grains de várias destilarias. Menos comum, mas em crescimento, impulsionado pela popularidade das versões japonesas. Tende a ser ainda mais suave e equilibrado do que um single grain.
Exemplos: Compass Box Hedonism, Grant’s Elementary 8 Year Old Oxygen, Blended Grain 30yo TBWC.
Blended Scotch Whisky − De longe o whisky mais consumido em todo o mundo, combina whiskies de malte e de grão. O objetivo é criar um perfil equilibrado e fácil de beber. As percentagens variam, podendo os blends premium ter até 40% ou 50% de single malts. E os mais comuns entre 20 e 30%.
Exemplos: Johnnie Walker, Cutty Sark, Chivas Regal, Dewar’s.
Destilaria
Duas, duas e meia, três… a magia da destilação
Após a malteação (que transforma a cevada em malte), a moagem, a brassagem – onde a farinha é demolhada, formando um líquido açucarado conhecido como wort –, e a fermentação, obtém-se uma espécie de cerveja, chamada wash ou "cerveja do destilador". Só então se passa ao verdadeiro processo de criação do whisky, em alambique.
A esmagadora maioria das destilarias escocesas realiza duas destilações, preservando o corpo, a complexidade e a robustez dos seus whiskies. Algumas, no entanto, recorrem a uma terceira destilação, conferindo um caráter mais delicado e elegante – algo mais comum na Irlanda do que na Escócia.
Exemplos: Rosebank, Springbank, BenRiach, Benromach.
Mais rara ainda é a "destilação dupla e meia", utilizada por algumas destilarias de Campbeltown, como a Springbank. Neste método, parte do lote é destilada três vezes e outra parte apenas duas, criando um equilíbrio entre um estilo robusto e um mais leve.
Água. Sim, não, talvez?
Gelo não é geralmente bem visto, pois "fecha" os aromas e sabores do whisky. O mesmo acontece com uma quantidade excessiva de água, que dilui demasiado a bebida. No entanto, um pequeno fio de água pode "abrir" ainda mais o whisky e melhorar a experiência. Mas, no fim das contas, as próprias marcas afirmam: cada um bebe como quiser.
Nunca guardar o whisky deitado
Ao contrário do vinho, o whisky não deve ser armazenado na horizontal, mas sim na vertical, pois o elevado teor alcoólico pode danificar a rolha se estiver em contacto permanente. Por outro lado, se a garrafa for guardada por um longo período, há o risco da rolha secar. A solução? Dar um bom abanão à garrafa a cada seis meses, para humedecer a rolha.
Uma vez aberto, tem uma grande vantagem sobre o vinho e pode manter-se aberto durante um ano sem perder qualidades.
O mito da idade
Ao contrário do vinho, o whisky não envelhece na garrafa. Se tiver um whisky de 12 anos guardado há dez, continua a ser um 12 anos, não um 22 anos. Não vale a pena vangloriar-se.
Provas no Kissaten
Estas provas no Kissaten são uma rara oportunidade para explorar a diversidade do whisky escocês sob a orientação de um especialista. Cada sessão custa €35, começa às 19h e dura 90 minutos. Os participantes terão ainda a oportunidade de adquirir as garrafas em prova com desconto.
26 de março – Sustentabilidade na produção de whisky, com seis néctares da Mc’Nean, aclamada destilaria escocesa com certificação de emissões líquidas zero e produção 100% orgânica.
9 de abril – Uma viagem por Campbeltown, com seis whiskies da Glen Scotia.
30 de abril – Sessão dedicada à Kilchoman, a única destilaria de Islay com produção totalmente própria, "da cevada à garrafa", com sete whiskies para provar.