Em Amarante, entre o Porto e o Vale do Douro, ergue-se um palácio do XVI, mas não como aqueles em ruínas, onde mal se distingue a planta que outrora teve. Neste palácio podemos entrar. Trata-se da icónica Casa da Calçada Relais & Chateaux, um hotel de cinco estrelas com vista para o rio Tâmega e a natureza que o acompanha.
Construída para ser a residência do Condo de Redondo, a quinta testemunhou a sua quota parte de acontecimentos ao longo da história. Foi lá que os comandos aliados de Portugal e Inglaterra se instalaram durante as invasões francesas, em 1809, embora tenha acabado por arder, fruto de uma manobra de diversão para os soldados conseguirem escapar. Comprada pela família Largo Cerqueira na segunda metade do século XIX, foi a casa e local de nascimento de António do Lago Cerqueira, um dos mais relevantes líderes políticos da Primeira República. O palácio transformou-se assim num local de encontro entre intelectuais na viragem para o século XX. É apenas em 2001 que a propriedade, comprada por António da Mota, fundador da Mota-Engil, é completamente recuperada e transformada num hotel, hoje com Manuel de Meireles Leite no cargo de diretor.
Não é apenas a sua história que torna a Casa da Calçada uma paragem obrigatória, é também pela sua hospitalidade impecável, pela soberba decoração de estilo romântico e pelo seu prestigiado restaurante - Largo do Paço - merecedor de uma estrela Michelin. O hotel conta ainda com trinta quartos, dois espaços de refeições, vinhas que se perdem de vista – com oito referências diferentes - uma simpática piscina exterior, bar e ainda sala própria para eventos.
É pela gastronomia e diversidade vínica que Amarante atrai visitantes dos quatro cantos do mundo. Com quatro hectares, a construção das vinhas do palácio foi levada a cabo por António do Lago Cerqueira. Segundo conta a história, tudo terá começado quando o mesmo estava exilado em França, onde aprendeu a arte do vinho. De volta a Portugal, foi a primeira pessoa a produzir este ouro líquido na região demarcada dos vinhos verdes. A cidade respira cultura, da ponte de São Gonçalo ao Museu Amadeo de Sousa-Cardoso. É o destino ideal dos amantes de vinho verde, característico da região, e dos apreciadores de arquitetura barroca, de Arte Sacra e de longos passeios à beira rio.
Onde comer – Largo do Paço, Amarante
Distinguido todos os anos com uma estrela Michelin desde 2004 (salvo em 2018), o restaurante Largo do Paço partilha com a Casa da Calçada a decoração extravagante e os exigentes requisitos. Às mãos de chef Tiago Bonito, as paredes do restaurante albergam vivências e sabores que atravessam os tempos, oferecendo aos seus visitantes iguarias mediterrânicas, de raízes portuguesas, numa fusão entre a alta cozinha, inovação e tradição nacional.
O segredo para o sucesso? Seleção rigorosa dos produtos nobres que Tiago Bonito escolhe para criar a sua arte, valorizando frescura, sustentabilidade e sazonalidade dos ingredientes. E é por isto que os seus menus de degustação são renovados conforme a estação do ano, sempre acompanhados pelo sommelier Luís Moreira, que propõe a harmonização vínica dos menus.
Nos dois menus de degustação, e no serviço à carta, a ligação do chef ao mar e à costa portuguesa é clara como a água, reflexo do seu início de carreira no Algarve. Este também é o caso do novo menu Descobertas, uma homenagem à partilha de produtos, de técnicas e de influências provenientes dos quatro cantos do globo. Mas mais do que uma boa refeição, Bonito quer criar uma experiência memorável.
"Quando a pessoa vai à procura de fine dining, não vai à procura de um restaurante", começa por dizer o chef. "Quando sou cliente e vou a um restaurante de um certo posicionamento, vou à espera de muito mais do que um bom prato ou de um bom produto, e é isso que a gente quer ver no cliente que nos visita", continua. "A nossa missão aqui é passar um bocadinho da nossa filosofia e marcá-lo sempre que seja possível de alguma forma, não só com a comida, com a mesa, com a arquitetura. O importante é que haja um fio condutor na nossa história, no nosso ADN."
Assim, a refeição tem início com um delicioso amuse bouche: tarte de leite de abóbora com mousse de queijo requeijão e ervas aromáticas, nozes de foie gras, taco de tinta de choco com sapateira no interior e espuma de sake e carpaccio de novilho com molho barbecue e trufas de verão.
Ao longo da degustação, foram servidos pratos de carne e de peixe, como creme brûlée com açafrão, uma especiaria trazida da Índia na época dos Descobrimentos, com atum rabilho, tomate, macarrone de melancia e ainda sashimi de atum, acompanhado por um Távora-varosa 2019.
Viajando para o Brasil, saboreámos um estufado de moqueca de carabineiro do Algarve com espuma de coentros, leite de coco e cremoso de pimentos e lima. Destaque ainda para o novilho nacional, uma carne maturada, acompanhado por milho feito a partir de polenta, cogumelo alcachofra e pérolas de café e foie gras, servido com uma colheita de 1991, tinto, da Quinta do Poço do Lobo.
Além da estrela Michelin, o Largo do Paço acumulou diversos prémios ao longos das décadas, integrando a lista Wine Tourism in Portugal, galardoado pelo TripAdvisor, e distinguido pelo Guia Boa Cama, Boa Mesa e pelo Guia Repsol.
Real by Casa da Calçada, Porto
Aberto há apenas um ano, a nova aposta do hotel de luxo já está a dar frutos. Situado na baixa do Porto, o restaurante encontra-se ao leme do chef Hugo Rocha e de João Monteiro, director of food and beverage. O objetivo? Elevar a gastronomia tradicional ao próximo nível, mas, curiosamente, sem desejar a estrela Michelin.
O restaurante abriu onde antigamente eram as instalações do Garça Real, um café muito requisitado no Porto. "Tomámos a iniciativa de comprar o espaço e fazer uma reinterpretação e uma ponte com o produto que temos em Amarante, não querendo de todo competir com o outro restaurante", explica o chef. "Largo do Paço é Largo do paço. Real é Real, com uma identidade própria, muito genuína". As únicas ligações com a cidade encontram-se nos doces vendidos na pastelaria e nos vinhos Calçada Wines.
A prória decoração mais intimista, pensada pelo arquiteto e designer de interiores Paulo Lobo, convida a longas conversas à mesa ou a convívios de amigos. Isto também porque o restaurante conta com uma zona de bar especializada em rum (16 referências), espaço para DJ aos sábados, espaçosa sala de eventos no piso inferior e ainda esplanada na rua.
"Queremos fazer as coisas simples bem feitas, trabalhar sem demasiadas invenções, sem demasiadas máscaras", confessa o chef. "Aqui não temos um restaurante muito complexado ao ponto de sermos muito rígidos. A ideia é mesmo fazer bons arrozes, bons purés de batata, coisas simples." Embora tenha passado por várias cozinhas, dentro e fora do país, conta que a sua grande inspiração é sem dúvida portuguesa: as receitas de Maria de Lurdes Modesto. "Na minha biblioteca pessoal tenho todo o tipo de cozinha obviamente, mas aquela que utilizo para desenvolver receitas e as criações que apresentamos aqui são as mais simples possíveis."
Temos uma "matriz mediterrânica, uma matriz portuguesa, com contexto tripeiro, portuense, cujas balizas, e aí a nossa principal semelhança, em termos de cozinha, com a Casa da Calçada é a qualidade, o rigor na escolha do produto e o compromisso com a técnica e boas práticas", conclui.
Concebido com base nos sabores da estação mais quente do ano, o Real oferece um menu de degustação com cinco momentos, exclusivo ao jantar (€70 a €95 por pessoa). A refeição tem início com uma entrada fria – sapateira com salada russa e maracujá da Madeira – e uma entrada quente - lula de anzol com manteiga de cabra e alcaparras. Como pratos principais existem duas opções divinais: pescada de anzol com arroz carolino e lingueirão ou novilho nacional com raízes e espargos verdes. O manjar termina com tarte de chocolate, gelado de baunilha e uma pitada de flor de sal, para equilibrar o doce da sobremesa.