Dizem que de Espanha nem bons ventos nem bons casamentos, mas se calhar devíamos repensar esse antigo adágio, porque temos vindo a receber chefs que destroem essa teoria. Gente com muita qualidade, fama, experiência e criatividade, mas, sobretudo, com um enorme respeito pela nossa gastronomia e pelo país.
Eneko Atxa foi o último de uma lista que começou com Sergi Arola (LAB, no Penha Longa, com uma estrela Michelin e que já fez de Portugal o seu país adoptivo) e continuou com Martin Berasategui (Fifty Seconds no Sana da Expo, e mais uma estrela Michelin para juntar ao currículo daquele que é, atualmente, o chef com mais estrelas). Quanto a Eneko, não só atingiu o topo do guia (3 estrelas) no Azurmendi, como o restaurante é considerado o 14º melhor do mundo na muito cobiçada lista dos 50 Best. Ainda por cima, em Lisboa, veio dar uma vida nova a um dos lugares mais emblemáticos da capital, o Alcântara Café, centro da movida nos anos 1990 quando Pedro Luz criou o espaço e o juntou ao Alcântara Mar.
"Acho que eles não estavam à espera, mas apaixonei-me imediatamente pelo sítio. Tem muita alma," contou recentemente à Must, numa conversa de estômago cheio durante uma degustação no restaurante. "Eles" são o Penha Longa, sócios neste projeto e que juntam assim o basco a uma lista de restaurantes que conta com o já referido LAB, mas também o Midori, o único japonês "estrelado" do país. E se estes dois ficam em Sintra, no hotel, o Eneko bilha em Lisboa, nesse magnífico cenário teatral.
À escolha temos dois menus, Erroak e Adarrak, ou "Raízes" e "Ramos", para quem sabe falar basco. Ambos replicam a fórmula do Azurmendi com duas grandes vantagens: em primeiro lugar o custo, que é praticamente metade do que encontramos no Azumendi, e, por outro lado, o facto de encontramos na carta nacional alguns pratos famosos desse restaurante, mas que entretanto "foram caindo" do menu — esta é, aliás, uma das mais interessantes discussões gastronómicas do momento, porque com tanta necessidade de inovação acabamos por perder um importante legado gastronómico, o que não faz qualquer sentido.
À mesa, foi impossível resistir aos salmonetes — uns braseados e outros assados com pimentos vermelhos — e não ficarmos surpreendidos pelo sabor de um granizado de tomate "velho" que acompanha uns camarões da costa, ou deixar derreter na boca a "castañeta" de porco ibérico com trufa laminada, emulsão de cogumelos e esfera de Idiazabal (um queijo típico basco). No nosso menu, a carne foi superiormente acompanhada por um Palpite Reserva alentejano, tal como os salmonetes tinham sido antes por um fresco Conciso, do Dão.
Ao todo, o menu apresenta cerca de 10 momentos diferentes, que pode – ou não – acompanhar com harmonização vínica. De base, o Adarrak custa 125 euros e o Erroak 110, e se as Raízes e os Ramos são obviamente inspirados na terra natal de Eneko, tudo ou praticamente tudo o que está no prato é proveniente de produtores nacionais, até porque os produtos de cá e de lá "não são assim tão diferentes".
"O vosso linguado é fenomenal. O Lucas, o chef executivo, está apaixonado pelo polvo e os cogumelos selvagens são incríveis. Basta uma pequena afinação ao prato, para deixar brilhar mais isto ou aquilo e já está." Ou não, porque "há ainda uma característica da vossa gastronomia que me encanta, que é a forma como sabem misturar o mar e a montanha de uma forma muito natural. De tal forma que já estamos a pensar num prato assim, provavelmente um porco confitado muito lentamente, para que se desfaça na boca, mas que por cima leve um tártaro de um marisco, talvez camarão. Vai resultar muito bem."
A verdade é que muito antes do Eneko, em Lisboa, este homem já tinha feito Portugal de lés e lés, de carro, para provar a nossa gastronomia. Depois, há cerca de seis anos "muito por culpa do José" (o seu amigo José Avilez) começou a descobrir também uma gastronomia mais elaborada, "uma gastronomia de raízes muito antigas, mas que nos últimos anos soube adoptar novas técnicas para se projectar no futuro. Viver do passado com os olhos postos no futuro. Adoro isso!" diz, antes de acrescentar "estou emocionalmente ligado a Portugal".