Quatro amigos ali perto dos trinta anos tinham uma ideia muito específica para aquela zona da capital. Make Docas great again foi o mote que os guiou, um slogan que inventaram e que, por sinal, pegou. "Achamos mesmo que as Docas [de Santo Amaro] são o futuro, a próxima grande zona. Aliás, já está a acontecer, já são um ponto alto da noite novamente", revela Manuel Bonneville, sócio-gerente do Contra juntamente com António Durão e os irmãos José e Rodrigo Poppe.
A oportunidade surgiu por concurso público, durante o confinamento. Aconteceu tudo ao contrário, "primeiro ganhámos aquele espaço incrível e só depois decidimos o que fazer ali", desvenda o jovem, acrescentando que "a única certeza que tínhamos é que não seria um mexicano". Confidência que faz sentido quando recordamos que co-fundou com António o mexicano Mez Cais, para além da ligação ao Las Ficheras, vão quase dez anos. Já os Poppe somam a experiência que trazem da hotelaria. Não há muitas dúvidas, o grupo sente-se em casa e sabe o que está a fazer.
Prova primeira é que ninguém tem de procurar pelo Contra. Para além de ocupar o espaço do antigo Iris & Co, tem como cartão de visita a singela Crista Rainha. Sabe? A célebre escultura da Lx Factory, fixa durante anos no rooftop do dissipado Rio Maravilha. "Soubemos que estava para venda e que havia alguns interessados. Felizmente ficámos nós", sorri Manuel. "Falámos com o artista que achou graça e fizemos o seu restauro integral". De facto, olhando de soslaio para a estátua a partir da nossa mesa na esplanada, está ótima: continua virada para o Cristo Rei, agora mais perto do rio.
Naquele dia ao almoço, o bom tempo e a vista sobre a ponte fizeram a sua parte, mas o que nos ficou mesmo foi a vibe envolvente. Há pouco espaço para regras ali e quem não estiver de bem com a vida nem tente. Formalismos e preconceitos, são barrados à entrada à boa moda antiga. Ou não seria este restaurante Contra isso mesmo. "Venham diretos do treino ou depois da praia, queremos mostrar que é possível comer bem sem ser de fato e gravata", desafia Manuel. O staff contribui muito pare este flow energético. Jovem e educado, sempre disponível para mais uma sugestão arrojada.
O que nos leva à ementa. Breve, mas versátil o suficiente para agradar a diferentes disposições, gerações e dietas. Agarra-nos logo pelo Couvert (€2,80 p/pessoa) onde sobressai o pão de carvão ativado, muito em voga pelos seus múltiplos benefícios e que joga com um trio de manteigas. Nas entradas, temos de falar dos Veggie Croquetes (€5,20), densos e com sabor a alheira, um mistério. "Fizemos mesmo muitos testes na cozinha", conta Manuel sem desvendar mais. Por muito que queiramos fugir do óbvio torna-se difícil não nas cair nas graças dos cremosos Tacos de Camarão (€10,40), como um ex-namorado para onde acabamos sempre por voltar. O Ceviche Quase Clássico (€10,60) e a Tostada Pulled Pork (€9,80) também fazem o seu papel.
Mesmo aqui, o Contra mostra-se descomplicado. As combinações entre pratos são múltiplas, e sentimos rapidamente que podemos fazer um jantar só de entradas, sem julgamento adjacente. A inspiração vem da América do Sul, com base nas viagens destes rapazes e a concretização dá-se com a empresa The Good Collective, que desenhou todo o menu. "Queríamos uma carta à nossa imagem e que juntasse as nossas paixões, como as viagens e o churrasco", conta-nos Manuel, gracejando sobre um certo grelhador tatuado no corpo.
Não é surpresa que nos principais a carne seja protagonista. Entrecôte (€19 p/2pessoas), T-bon(n)e (€44 p/2 ou 3 pessoas) e Chuletton (€46 p/2 ou 3 pessoas). Maturadas, estão todas lá. Naquela quinta-feira optámos pela Picanha (€16), juntamente com os molhos Chimichuri e Chorón (extra €3), este último numa visita dupla à mesa. Para acompanhar arriscámos um Corn N’Cheese (€4,20) cheio de personalidade, mas há opções mais triviais. Depois os hambúrgueres, a começar pelo surpreendente Veggie (€14,5), sendo que as crianças também têm a sua versão (€9). Mais requintada apresenta-se a Corvinha Thai (€16,5), o nosso favorito de mar. No final, das quatro sobremesas disponíveis fica-nos a Burnt Lemon Pie (€6) que se desdobra em várias temperaturas e acompanha com gelado de lima. Perfeita para terminar a refeição ou para um lanche sem culpa, ao final da tarde.
A versatilidade alonga-se nas bebidas. Nos cocktails do Contra destacam-se, para além da Margarita Las Ficheres (€6,90), o Not So Sour (€9), Jameson, Aperol, laranja, lima e Ancho Reyes. Já o Barbie (€7) é um favorito das mulheres – e homens que baixam o tom para o pedir. Beefeater de framboesa, limão, xarope de baunilha e tomilho, e clara de ovo, tornam-no bastante doce (e perigoso por isso mesmo). Depois, haverá sempre opções mais clássicas. Na carta de vinhos, o restaurante tornou-se parceiro de algumas marcas e criou os rótulos da Casa. O português Sonante da região do Dão aparece numa edição especial sob o nome de Contra, branco e tinto. Já o Contrário surge de uma parceria com um produtor espanhol da região de Toro, aqui em branco, tinto e rosé.
Embora aos fins de semana seja procurado sobretudo por jovens que querem um copo e enchem as Docas como há muito não acontecia – para além do Contra, a zona está prolifera em novos e bons espaços – a sua magia reside na subtileza de quem abre os braços (literalmente) a todos: veem-se casais, despedidas de solteira, rapazes do rugby e avós. "A adesão tem sido muito superior ao que imaginávamos. Estávamos à espera de muito trabalho, mas não que corresse tão bem", afirma Manuel com satisfação.
A noite segue com o jazz e o reggae, mas também há house, pop e o que se quiser, basicamente. As vozes de Tim Maia, Carl Cox e Jim Morrison são habitués, bem como os DJ’s que têm lugar cativo quinta até à 1h e sextas e sábados até às 4h. O néon vermelho avisa logo à entrada: Amanhã tou melhor. Nada a temer, portanto.