Prazeres / Sabores

Baga, a casta da Bairrada que foi salva pelos amigos

No próximo dia 3 de maio, abrem-se as portas das quintas e adegas dos Baga Friends para assinalar o Dia Internacional da casta mais emblemática da região. As comemorações incluem provas vínicas, gastronomia regional e, no fim, um arraial. Tudo em torno da Baga.

Foto: DR
12:05 | Diego Armés
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Quem aprecia os bons vinhos portugueses e presta atenção ao que de melhor se vai fazendo no encontro entre a tradição e as novas correntes, saberá que a Bairrada, em geral, e a Baga da Bairrada, em particular, é (são) um pequeno tesouro, muito valioso, pelo qual vale a pena indagar. Seria desajustado chamar-lhe "next big thing", porque já não é "next" - há muitos anos que se faz grande vinho na Bairrada - e não tem o perfil de "big thing" - é, aliás, uma das particularidades mais valiosas da Bairrada, a sua circunscrição territorial, que lhe garante características únicas em Portugal e no mundo -, mas é claramente uma das regiões que mais têm dado nas vistas nos últimos anos. 

Foto: DR

A este crescimento de notoriedade não será alheio o surgimento dos Baga Friends, um grupo de oito - eram sete até há pouco tempo, mas há uma adição recente a registar - produtores da região, que têm vindo a desenvolver encontros e iniciativas com o objetivo de promover a casta mais emblemática da Bairrada. E foi precisamente para anunciar o Dia Internacional da Baga 2025 que nos encontrámos com os Baga Friends num restaurante lisboeta, a fim de provar e conhecer um pouco melhor o que cada produtor tem para mostrar, ao mesmo tempo que, de um modo informal, aproveitámos para sondar e tentar compreender o que é que faz desta uma região tão especial e da Baga uma casta tão interessante. 

Baga Friends Foto: DR
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O DIA DA BAGA 

Os Baga Friends assinalam este ano, e pela 4.ª vez, o Dia Internaiconal da Baga a 3 de maio, um sábado. A presente edição realiza-se sob o lema "A Baga nas suas oito quintas", aludindo ao alargamento do grupo, que até há pouco integrava somente sete produtores. O grupo promove esta iniciativa anual e ininterruptamente desde 2022, ano em que se realizou a primeira edição, instituída para assinalar o 10.º aniversário dos Baga Friends. Sublinhe-se que estes produtores decidiram unir-se, em 2012, num gesto de proteção da casta mais emblemática da Bairrada que, ao longo das décadas, foi sendo substituída por outras vindas de fora em muitas propriedades, aumentando o risco de descaracterização dos vinhos da região. 

Durante o dia 3 de maio, entre as 10h00 e as 18h00, os enófilos (ou meros curiosos, ou até mesmo simples turistas) podem aproveitar para conhecer melhor a Baga e a Bairrada visitando as oito quintas dos oito produtores que compõem os Baga Friends: Giz (de Luís Gomes, o mais recente "amigo" da casta), Luís Pato, Filipa Pato, Quinta das Bágeiras, Quinta da Vacariça, Quinta de Baixo (Niepoort), Sidónio de Sousa e Vadio.

Foto: DR
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Mediante a aquisição do bilhete para este dia - o ingresso, no valor de €50, pode ser adquirido aqui -, as adegas dos Baga Friends terão as suas portas abertas para acolher, mostrar, dar a provar e eventualmente esclarecer os visitantes acerca desta casta tão particular e cujas características justificam amplamente a existência desta espécie de guarda de honra, com a missão de garantir a sua preservação e a promoção do seu inquestionável valor. 

Depois das visitas às adegas, os portadores de bilhete poderão continuar, em modo de convívio, a celebrar a casta mais emblemática da Bairrada: a partir das 18h00 e até às 24h00, no Club d’Ancas, tem lugar o Arraial. Esta é também uma oportunidade para o visitante ficar a conhecer um espaço que tem como objetivo o desenvolvimento de projetos socioculturais. No Club d’Ancas estarão expostas obras de artistas locais que retratam a Baga e haverá lugar à exibição de filmes documentais sobre os Baga Friends, além do registo mais festivo garantido pelos DJs, entre outras atuações. Os Amigos da Baga marcarão presença no Arraial, onde os seus vinhos estarão à venda. 

Vinhos Sidónio de Sousa Foto: DR

O ENCONTRO 

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A apresentação do Dia Internacional da Baga 2025 decorreu no Parra Wine Bistro, em Lisboa, onde os produtores se encontraram, à mesa, com os convidados para mostrar os seus vinhos e conversar sobre o evento. Importa sublinhar a qualidade do menu oferecido aos comensais. Petiscos como os croquetes de bochecha de porco, o tártaro de carne ou a sapateira recheada "melhorada" (um absoluto must), ou ainda a corvina com amêijoas e salicórnia, fizeram as delícias dos presentes, que aproveitaram para acompanhar as iguarias com alguns dos mais distintos vinhos da Bairrada. Esses, produzidos quase exclusivamente à base de Baga (a exceção eram algumas relíquias, feitas à moda tradicional: temperados com castas brancas - não mais do que 10% -, como se usa nesta região), apresentaram-se nos mais diversos registos, do espumante ao rosé, dos tintos reserva aos fortificados, como o Espírito de Baga 2020, uma deliciosa surpresa com assinatura de Filipa Pato. 

Dia Internacional da Baga Foto: DR

Apesar da variedade apresentada, é possível identificar nos vinhos de Baga, especialmente nos tintos, alguma homogeneidade nos traços. A Bairrada, com um clima Atlântico continental, temperado por alguma influência do clima mediterrânico - o que resulta em muita humidade e baixa amplitude térmica numa região varrida pelos ventos marítimos de oeste e abrigada, a este, pelas serras de Caramulo e Buçaco -, situa-se num planalto de baixa altitude, com os solos a variarem entre a argila e o calcário. E é neste ambiente que prospera a Baga, uma casta de boa produção, mas com maturação tardia, que resulta em vinhos encorpados, taninosos, de cor intensa e de alguma aspereza. 

No decurso do almoço, e num ambiente de grande descontração, marcado pelas conversas abertas acerca dos vinhos entre produtores e convidados, houve naturalmente uma atenção especial ao novo membro dos Baga Friends, o produtor Luís Gomes, com os seus vinhos Giz. Oriundo de outras paragens e com formação numa área distinta daquela que hoje lhe ocupa os dias, Luís Gomes assume que desde há muito o seu objetivo era estabelecer-se na Bairrada e trabalhar com as castas autóctones. O Giz é um projeto que pretende recuperar vinhas antigas e tradicionais, evitando que sejam arrancadas, ou seja, insere-se perfeitamente no espírito da missão dos Baga Friends. No presente, Luís Gomes tem vinhas suas e trabalha ainda com outros modelos de cedência, ora de vinhas, ora de uvas, sendo que neste último caso assegura o pleno controlo dos processos de viticultura, de modo a garantir que respeitam os padrões a que os Giz se comprometem respeitar. 

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Vinho Giz, de Luís Gomes Foto: DR

Entre os demais produtores, a Quinta da Vacariça e a Quinta das Bágeiras apresentaram-se com a qualidade a que habituaram os seus públicos, assim como os vinhos Sidónio de Sousa, que com o Garrafeira Tinto 2017 e o Reserva Baga Tinto 2019 tão bem ilustram o respeito pelos tempos da vinha e o seu ciclo. Filipa Pato apresentou-se com criações surpreendentes, tais como o rosé de Baga 2023, a que arrojadamente chamou Roleta Russa, ou o já mencionado fortificado Espírito de Baga 2020. Luís Patrão trouxe os seus Vadio, que brilharam intensamente, desde o muito exclusivo branco Vadio Finuum (feito a partir de Baga com Cerceal e Bical) até ao Grande Vadio Tinto 2017, um vinho ideal para guardar por muito, muito tempo.

Vinho Roleta Russa, de Filipa Pato Foto: DR

E, por falar em vinhos ideais para guardar, há que realçar os Poeirinho Garrafeira, que representaram a Quinta de Baixo (Niepoort). São verdadeiros desafios à capacidade de prova de um enófilo e a forma como evoluem em garrafa é verdadeiramente notável, até porque as diferenças de evolução são evidentes de um ano para outro. Com as edições de 2012, 2015 e 2018 em prova, o mais difícil seria escolher uma só colheita. Mas se fosse fácil não era para nós, e portanto arriscamos: o Poeirinho Garrafeira 2018 foi o nosso preferido entre as criações da Quinta de Baixo.

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Vinho Poeirinho Garrafeira, da Quinta de Baixo Foto: DR

Os vinhos da Bairrada, e principalmente os Baga, têm enfrentado muitos desafios, mas há quem nunca tenha desistido da casta e que, antes pelo contrário, tenha dedicado a vida em busca do vinho ideal. Luís Pato, o grande mestre da Baga e figura incontornável da região, levou vários vinhos para dar a provar como quem desafia os presentes. Enumerando as diferenças entre uns e outros, ia explicando que, para ele, o que procurava desde o início estava ali. Além do Espumante Vinha Pan 2015, estavam disponíveis os Vinha Pan, edições 2015 e 2020, e o Vinha Barrosa 2015. E o grande desafio para qualquer enófilo era decifrar qual deles seria o vinho ideal na mente de Luís Pato. Não admira que seja um homem tão sorridente. Quem faz vinhos assim, tem de estar feliz com a sua obra. 

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