Prazeres / Sabores

Aventuras e desventuras. As várias vidas dos Graham, "dinastia" dos vinhos do Porto

Os Graham fundaram a casa de vinho do Porto com o mesmo nome, mas os descendentes gerem os vinhos Churchill’s. Histórias com séculos, passadas entre Portugal e o Reino Unido. Uma aliança das antigas contada por quem sabe: Johnny Graham.

Foto: D.R
22 de junho de 2022 | Augusto Freitas de Sousa
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Para quem não conhece a história há sempre alguma confusão. A família fundou a marca, mas a vossa marca atual é Churchill’s…

Éramos todos da casa Graham. Eram vinhos do Porto, mas não só. Tínhamos uma fábrica de têxteis na Boavista e a arte do meu pai era o tecido e não o vinho. Veio para o Porto quando era novo, em 1932, para desenvolver a fábrica de têxteis na Boavista.

Uma família escocesa…

Tinham uma fábrica em Glasgow e, historicamente, o negócio da minha família era o têxtil. O meu trisavô veio para Portugal em 1808 para o desenvolver. Não sei bem se estavam à procura de um novo sítio para produzir, mas acho que inicialmente veio para cá para vender os produtos que produziam. Ainda chegou a ir para Itália antes.

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A primeira paragem foi na capital?

O meu trisavô tinha um amigo em Lisboa cujo pai tinha um negócio de vinhos. O amigo foi para a América do Sul e o meu antepassado, que era como se fosse seu fosse filho, fundou a W & J Graham’s em 1820, mas já a Norte.

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Que esteve 150 anos nas mãos da família.

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Durou até 1970 sempre com as sucessivas gerações.

O seu trisavô vivia no Porto?

Sim, mas o meu avô e pai não nasceram na cidade. A minha família estava mais virada para a Índia e formaram a empresa Graham’s Trading Company. Parte foi viver para a Índia e o meu pai nasceu em Bombaím em 1910.

Quando é que o seu pai, Kenneth Graham, veio para o Porto?

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Em 1932, quando tinha 22 anos para trabalhar na tal fábrica da Boavista. Mas como foi vendida em 1957, começou o seu próprio negócio de tecidos. Morreu em 1972, mas sempre manteve as ligações com fábricas têxtis.

Quem tomava conta dos vinhos quando o seu pai veio?

O irmão do meu avô, Maxwell Graham, o tio Max, que vivia numa casa no Porto muito perto da minha atual. Era a Quinta da Póvoa, hoje a Faculdade de Arquitetura do Porto. O tio Max era o líder não só do vinho do Porto. A firma tinha um escritório nos Clérigos e ainda está lá uma porta com as armas da minha família. Lembro-me bem de lá ir com o meu pai quando a rainha esteve no Porto em 1958. Devia ter por volta dos seis anos.

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Pai nos tecidos, tio-avô no vinho. E a sua mãe?

Quando começou a II Guerra Mundial, o meu pai alistou-se como marinheiro. Contava com algum orgulho que o primeiro trabalho dele era remar, levar os almirantes para os barcos no norte da Escócia. Acabou como adido militar em Lisboa e conheceu a minha mãe que trabalhava na embaixada britânica. O pai dela estava numa firma inglesa que construiu o molhe na doca de Leixões. Casaram e foram ambos viver no Porto para a mesma casa onde ainda vivo.

Ao que sei, perto da casa da escritora Agustina Bessa Luís.

E da Faculdade de Arquitetura, um pouco mais abaixo da casa da Agustina que também era do meu pai. Foi ele que lha vendeu e ficámos vizinhos.

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O Johnny foi o primeiro a nascer cá.

Sim. Andei na escola primária no Porto e acabei por fazer o que todos os ingleses fazem: fui para um colégio aos nove anos. Durante 18, 20 anos, foi um vai e vem entre os dois países. Tirei um curso de contabilidade, mas como o meu pai morreu em 1972 voltei para o Porto para dar apoio à minha mãe.

E também se ligou à área dos vinhos?

Nessa altura falei com a Cockburn's porque a firma da família já tinha sido vendida. O têxtil em 1957 e o vinho do Porto aos Symington em 1970. No dia 1 de maio de 1973 entrei na empresa – naquele tempo não era feriado – como aprendiz de produção de vinho que era o que me interessava. Sabia que não gostava de números e vim com a mente aberta. Pensei em dois anos, mas o tempo foi passando.

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Casou-se com Caroline Churchill, que dá o nome dos vinhos…

Casei em 1980. É da família do antigo governante, mas não diretamente ligada. A família é enorme…

Foi quando decidiu sair da Cockburn's?

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Tinha um trabalho certo, uma oferta de carreira e perguntei à Caroline se estava disposta a entrar nesta aventura. Fundámos a Churchill’s Graham.

Tinham alguma quinta no Douro?

A família tinha tido a Quinta dos Malvedos. Os Symington compraram tudo, mas venderam a Quinta dos Malvedos não sei bem porquê e só muito depois é que a recompraram. Numa altura que estava a pensar em começar o negócio Churchill’s, visitei com a minha mulher a Quinta dos Malvedos. Acho que os Symington perceberam que eu estava interessado e comparam-na em 1980 [risos].

Mas há uma rivalidade entre as famílias?

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Não podemos dizer que somos rivais. Já tinham passado dez anos e decidiram que valia a pena comprar, mas ao fim ao cabo eles não queriam ver um Graham a comprar a quinta, [risos].

Então procuraram outras?

Eu e a Caroline continuámos a pensar em comprar uma quinta no Douro e vimos várias. Tinha sete anos na Cockburn's e já conhecia muita gente no Douro. Um deles, o Borges Sousa pai, dono de umas quantas quintas na região. Inicialmente pensei em comprar-lhe uma, mas depois escrevi uma carta dizendo que sabia que tinha relações comerciais estreitas com outras firmas, porque ele vendia o vinho não só à Cockburn's, mas à Taylor’s e aos Symington.

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Havia oportunidade?

Essas casas só pagavam o preço que ele queria em anos Vintage que Borges de Sousa considerava que não era suficiente para as suas uvas. Como não precisava de vender, guardava o vinho. Foi montando um stock de vinhos e já tinha mais de mil pipas no Douro nas adegas dele.

E a carta?

Disse-lhe que estava a pensar em lançar uma firma de vinho do Porto, que a minha família já tinha uma tradição longa e que estava à procura das melhores uvas porque queria fazer um produto de topo. Telefonou-me no dia seguinte e disse para ir almoçar.

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Foi o início da Churchill’s?

Foi o começo desta aventura. Nem estava a pensar criar uma marca, mas o Borges de Sousa falou-me no vinho que não estava a render por não ter direitos de exportação. Propôs que lhe comprasse esse vinho, que me registasse como exportador e incluísse o vinho no stock. Foi essa a base do contrato inicial. Escolhi os vinhos e comprei 150 mil litros.

O contrato incluía o futuro?

Sim. O direito da primeira opção dos vinhos que ele produzia nas suas quintas.

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Foram os primeiros vinhos?

A Churchill’s foi fundada em 1981, a primeira vindima foi em 1982 com vinhos que escolhi das quintas dele e ainda tinha os 150 mil litros. Até ao fim de 1983 registei-me como exportador de vinho do Porto e comecei a vender em 1984.

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Trouxe esses 150 mil litros para os seus armazéns em Vila Nova de Gaia?

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Só os trouxe em 1983. Mas é uma coincidência interessante. Foi para outro armazém. Quando saí da Cockburn's fiquei na Taylor’s como consultor de prova e pedi-lhes para me alugarem um armazém. E foi o primeiro armazém que o meu trisavô montou para a Graham’s.

Foi onde tudo começou em 1820 e onde o Johnny também iniciou a sua marca.

Foi onde começamos o nosso negócio, mas depois de sete anos disseram-me para encontrar outro armazém. Onde estamos agora, também em Gaia.

Quando lançaram a primeira garrafa?

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Em 1984. O primeiro vinho que vendemos foi engarrafado na Sandman. No armazém tinha cascos, alguns balseiros e pouco mais. Lancei um vintage de 1982, outro tipicamente inglês, "crusted", e um rubi reserva.

E a imagem das garrafas?

Desenhei com a minha mulher que tem mais jeito que eu. Usei símbolos da família e arranjei uma coroa. Como não consegui logo registar a marca Churchill’s e a firma era Churchill Graham as primeiras garrafas tinham a coroa e as letras CG em grande por baixo.

Anunciou a empresa em Londres no meio de uma polémica.

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Lancei a firma em junho num clube em Londres e já tinha convidado grande parte das pessoas quando recebi uma providência cautelar dos Symington a impedir-me de usar o nome Graham [risos].

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Acabou por o tirar como marca?

Contactei o advogado em Londres que me aconselhou a fazê-lo.

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Teve repercussões em Portugal e em Inglaterra?

Durante muito tempo a comunidade do Porto ficou dividida. Havia quem concordasse com os Symington e outros que nos apoiavam. E mesmo em Inglaterra algumas firmas tradicionais também nos diziam que devíamos ter o direito de usar o nome.

Chegou a tribunal?

Não. Mas continuei a usar o nome da firma: Churchill Graham.

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Havia ligações familiares entre as duas famílias?

A tia da minha mulher era casada com o James Symington, diretor da Graham, uma pessoa fabulosa.

Havia discussões?

Muito discretas. Por exemplo, com um dos meus grandes amigos, Paul Symington, antigo CEO da Symington, não falávamos muito no que se passava.

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Ingleses continuam muito fechados no seu círculo?

Cada vez menos de geração em geração. Mas as meninas iam, e ainda é assim, para os colégios com 12 e os rapazes com oito. E esta fase entre os oito e 12 anos é importante. Por exemplo, a minha filha Zoe fala corretamente português enquanto eu e os meus dois filhos não falamos tão bem.

Passados anos compraram a Quinta da Gricha. Como foi o processo?

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O Jorge Borges de Sousa tinha filhos e netos. Quando morreu continuei a ter uma relação semelhante com o filho mais velho e continuava a comprar vinhos. Mas os netos começaram a querer as uvas que eu queria, portanto houve um conflito de interesses.

As quintas foram sendo divididas?

A Margarida Serôdio Borges lançou os vinhos da Quinta do Fojo e muito bem. Ao mesmo tempo, o Jorge Serôdio Borges e a Sandra também estavam na Quinta da Manoela. Continuei a negociar com os Borges de Sousa até meados dos anos 90, mas percebi que precisava de comprar uma quinta.

Procurou noutros territórios?

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As quintas dos Borges de Sousa eram no norte do Douro. Por um lado, são ótimas porque fazem vinhos concentrados, mas com menos aromas. Achei que era interessante encontrar uma quinta na margem sul que trouxesse um pouco de frescura e a parte aromática. Uma das quintas que vi foi a Quinta da Gricha entre o Pinhão e o Tua.

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Já a conhecia?

Era uma das quintas onde a Cockburn's fazia vinho e tinha ido lá em visitas. Pertencia à família Seixas. O José Seixas tinha duas quintas fabulosas: Quinta da Gricha e Quinta da Perdiz.

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Foi fácil o negócio?

Nada. Tinham um caseiro, Manuel Fernando, com quem tinham assinado um contrato de promessa de compra e venda. Tinha um prazo para acionar o acordo, mas os bancos não emprestaram dinheiro. Ainda falei na hipótese de ser a Churchill’s a ajudar, mas mesmo assim o banco não colaborou. Então falei com ele e sugeri que ele continuasse como caseiro e nos passasse o contrato.

Comprou em 1999. Qual é a dimensão da quinta?

No registo tinha 200 hectares, mas na realidade são 50 com 20 plantados com vinha [risos]. Tem uma localização espetacular e tinha um casarão antigo muito bonito, mas em ruínas. Não tinha dinheiro para gastar na casa, por isso investi na vinha e em 2007 e dupliquei a área. E ainda tenho a ideia de plantar um pouco mais.

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Mas chegou a recuperar a casa?

Sim. Agora tenho um pequeno boutique hotel que está em funcionamento há alguns anos. Antes da pandemia estava a correr muito bem.

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Nunca ninguém lá viveu?

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O antigo dono, José Seixas, viveu lá apesar de ter uma casa no Porto. Da minha família não. Infelizmente não tive esse prazer. Era capaz de viver no Douro, mas a minha mulher nem por isso. Para ela era muito isolado apesar de agora ser mais fácil.

Os vinhos não são só da Gricha.

Continuo a ter associações com outras quintas. Creio que a Quinta da Gricha representa um terço das nossas necessidades totais, tanto de vinho de mesa como de vinho do Porto.

Também começou a fazer vinhos tranquilos, além dos portos, tintos, brancos e rosés…

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Houve uma revolução nos vinhos do Douro nos anos 90. Antes disso havia o Barca Velha e pouco mais. Neste momento temos cerca de metade de portos e o resto dos outros. Em receita, o Porto está acima.

Já tem os seus filhos Zoe e James na empresa. Futuro assegurado?

Certamente. Nunca pensei que iria criar esta espécie de dinastia no vinho. Na altura estava a pensar a curto prazo. Tinha 21 anos e julguei que ia passar aqui dois anos. Ainda cá estou.

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