A Quinta das Carvalhas é uma propriedade enorme no Douro, com 135 hectares de vinha plantada a diferentes altitudes, com diversas exposições solares e muitas manchas ainda de vinha centenária. Há muito que é a joia da coroa da Real Companhia Velha e é tão grande, na verdade, que ainda esconde alguns tesouros do comum dos mortais, que nunca teve a oportunidade de provar a especificidade dos seus microterroirs – responsáveis por vinhos com um caráter muito próprio. Bastam umas dezenas de metros para fazer a diferença.
Como, de resto, explica o diretor de enologia da Real Companhia Velha, Jorge Moreira: "No Douro, como noutros lugares mágicos do vinho, é a terra quem define o vinho, e isso acaba por ser mais determinante para o perfil até do que as castas."
Um desses terroirs é a Vinha da Cascalheira, uma parcela virada a sul, para o Rio Torto e não para o Douro, de onde sai um Touriga Nacional absolutamente encantador e cheio de subtilezas. Muito diferente da maioria dos Touriga Nacionais, de facto. Ao prová-lo, lembrámo-nos imediatamente de uma citação de Bono Vox a propósito do sucesso dos U2: "Enquanto as outras bandas de rock procuravam ser cool", dizia o vocalista, "nós tentámos sempre ser hot."
Não vamos aqui discutir os méritos ou deméritos do grupo irlandês, mas a frase ilustra bem o que temos no copo, porque, se a maioria dos produtores procura, atualmente, fazer vinhos cada vez mais frescos, este tem chama, enche a alma − e o melhor é que não é nada pesado.
Procurar frescura não tem, evidentemente, nada de errado. Temos vindo a defendê-lo nestas páginas e a própria Real Companhia Velha tem seguido essa linha com bastante sucesso – já lá chegaremos. Este Vinha da Cascalheira é uma exceção que confirma a regra e, mesmo sendo ainda muito jovem, da colheita de 2024, já revela uma elegância incrível, que só pode ganhar com o tempo.
Pedro O. Silva Reis, da terceira geração da família Reis e enólogo da RCV, admite que "já houve luz verde para avançar com algumas edições especiais, mas ainda nada está decidido sobre escolhas ou data de lançamento". Esperemos, então, que entre na lista de lançamentos da companhia − se este artigo servir para alguma coisa, que seja para os convencer.
Curiosamente, a família Souza Guedes, os anteriores proprietários das Carvalhas, já tinha lançado um Porto Vintage com esta indicação de origem, Vinha da Cascalheira, ainda no século XIX, antes da filoxera. Um reconhecimento de qualidade muito pouco habitual para a época.
Uns e Outros
Passemos então aos vinhos que realmente existem, começando pela Vinha do Eirol. Outra parcela importante das Carvalhas, que tem aqui a sua segunda edição. Em 2022, a vinha deu um tinto de contrastes. Pura elegância, com alguma da rusticidade própria do Douro. Nariz fino, mas aromas intensos a fruta do bosque e cereja. Vibrante, refinado, e com uma cor clara, granada, muito atraente.
"A grande decisão que um enólogo tem de tomar para definir o perfil do vinho", diz Jorge Moreira, "é o momento da colheita". Depois disso, não há nada que se possa fazer na adega – "não há madeira, não há prensagens, não há leveduras, não há nada", explica –, "que tenha um impacto tão grande como a uva ser vindimada naquele momento". O objetivo é encontrar um equilíbrio entre frescura e a expressão da identidade do lugar. "E, para isso, temos de ter um certo grau de maturação. Uvas verdes são ótimas para frescura, mas são iguais em todo o lado, e também não queremos isso."
Esse equilíbrio é o que encontramos nesta Tinta Francisca de 2022. A casta já é, por natureza, das mais leves e elegantes, e aqui prova bem esse caráter, com taninos suaves e frescura vibrante. A Vinha do Eirol também é um tinto fresco, mas a Tinta Francisca ultrapassa-o nesse capítulo. Tudo num conjunto onde não faltam as notas de frutas vermelhas e pretas, tão típicas do Douro.
Se o Reserva é um espelho da Quinta, o Vinhas Velhas 2021 é o best of, feito com os melhores talhões de vinhas velhas. Sobretudo Raposeira, Cartola e Costa da Barca. Vinhas centenárias, plantadas sensivelmente na mesma altura, o que ajuda a explicar o facto de terem um perfil semelhante. Trata-se de um field blend de muitas castas, mas com maioria de Tinta Francisca, que será a mais presente nas vinhas velhas da Quinta. Foi feito ainda por pisa a pé, nos lagares de granito, com uma extração muito suave.
Last but Not Least
Vamos terminar com o branco da quinta. Normalmente, começa-se por aqui, mas merece este destaque final porque é um branco como se quer: com estrutura e textura, com os aromas e sabores mais frutados, muito bem complementados por uma acidez crocante. Não é um daqueles brancos mais gordos, mas essencialmente fresco (lá está!) e elegante. A ficha do vinho refere 60% de Viosinho e 40% de Gouveio, mas talvez esta última percentagem seja ligeiramente inferior, porque tem também uma pequena (pequeníssima) porção de Arinto.