Só está disponível ao jantar, mediante reserva e durante uma época específica, mas vale mesmo a pena. É das experiências mais honestas e terra a terra, ao mesmo tempo que nos dá a sensação sofisticada de estarmos a participar em qualquer coisa especial. E rara. Segundo o chef nepalês, apaixonado pela comida italiana, este ano houve a pior colheita de trufas brancas das últimas três décadas, enquanto nos entende uma caixa com uma trufa branca de Alba, que nada deve à beleza, mas quando o próprio a lasca sobre os seus pratos despretensiosos, envolve-nos num aroma elegante, inebriante, caloroso: "As boas peças estão a chegar a 8 mil euros o quilo", explica-nos. E a trufa dura apenas cinco a sete dias depois de colhida, por isso chega cerca de um quilo desta iguaria ao Come Prima diariamente nesta época. "Conseguimos vender esse quilo de trufa por dia, e isto acontece em poucos restaurantes em Itália". E, para que não restem dúvidas, as porções são bem generosas. Mas, como uma flor que desabrocha uma vez por ano, temos de lá estar para assistir à magia.
Consta que, a partir de setembro já há pessoas a telefonar para reservar o seu lugar no Come Prima na época das trufas brancas trabalhadas pelo chef, que a celebra desde 2007, ou seja, há 14 anos. E percebe-se bem porquê. Primeiro chega-nos uma tosta em farinha de trigo barbela "produzido na nossa quinta", e sob o tomate acabado de cortar sentimos um suave aroma a alho e azeite que nos lembra o sul. Não está incluída no menu, mas a sua frescura abre os sentidos acompanhada por um branco Quinta dos Carvalhais reserva de 2019 que encaixa na perfeição até ao secondo piatto.
O antipasti é um ovo biológico cozido a baixa temperatura, que chamam de cotto 64º, sobre o qual o chef lasca generosas porções de trufa branca, acompanhado com aquele pão super fofo e saboroso. Para os amantes de outras texturas, existe a opção de os ovos serem mexidos com manteiga sobre o pão torrado. Se largar uma pedrinha de sal sobre o ovo este "ganha logo volume", como diz o meu sábio companheiro de mesa.
Enquanto aguardamos o primi piatti, Donatello Brida, um Tom Waits nascido em Trentino, que escolheu Lisboa para viver há 22 anos, salta alegremente para junto da mesa com o seu acordeão e canções tradicionais italianas, das que sabemos trautear. Espalha a melhor energia pela sala. "Se as pessoas ligam nesta época para a festa da trufa, porque não fazermos mesmo uma festa?", comenta o chef depois das palmas.
Pode escolher-se entre um risotto alla parmigiana, o ravioli con burro, recheado com queijo ricotta e fontina com manteiga e queijo parmesão, e o tajarin al burro, uma pasta deliciosa que é um simples cabelo de anjo embrulhado em manteiga e parmesão com uma grande leveza, "nem pode ser de outra maneira", avisa o chef Tanka Sapkota, sobre a qual larga os flocos de trufa branca. Segue-o um empregado que vem harmonizar, envolver a trufa com elegância no prato para espalhar o seu sabor. É das melhores coisas que se pode comer: "As pessoas conhecem-me por ser clássico, esse é o sucesso do Come Prima, a ementa é sempre a mesma, apenas com pequenos detalhes diferentes", responde discretamente perante os rasgados elogios. "Já vi uma senhora provar e chorar de felicidade", ri-se. "Mas a minha cozinha vai ser melhor", comenta em tom baixo, como se falasse para si próprio.
Chega um tinto Quinta da Leda, da Casa Ferreirinha, de 2017, Douro, à base de castas touriga, em particular a franca, para acompanhar o secondo piatto, Escalopine al burro. Ou seja, os escalopes de vitela muito jovem fritos em manteiga que trocamos, com a permissão do chef, por cogumelhos shitake e pleurotus grelhados, igualmente abençoados pelas lascas de trufas de Alba. E a rematar, o que chama de tiramisu clássico, um sonho. Ele sorri orgulhoso, " depois de provar este tiramisu, qualquer mesa o quer ter. Adoro-o, adoro-o mesmo". É o triunfo da cozinha saborosa e dedicada e sem pretensões desnecessárias. Quando perguntamos a Tanka Sapkota, que se senta perto de nós, como chegam os clientes ao Come Prima, já que é tão silencioso na badalação das redes sociais: "É boca a boca, mas temos clientes há 20 anos. Eu sento-me com eles e quando estou com eles eu não tenho o meu Deus, eles são o meu deus."
Onde? R. do Olival 258, 1200-744 Lisboa
Preço: Pratos entre os €34,90 e os €49,90. Menu completo em comeprima.pt