Temos alguns vinhos extraordinários em Portugal, mas nenhum como o Barca Velha, o único capaz de gerar paixões, mesmo entre aqueles que nunca tiveram o prazer de o provar. O que poucos sabem, no entanto, é que um Reserva Especial é tecnicamente o mesmo vinho. As mesmas uvas e castas, a mesma atenção no momento da vindima e da adega, o mesmo tempo de estágio. O que muda são pequenos detalhes na evolução e essa decisão – a de chamar Barca Velha ou Reserva Especial − é uma das mais difíceis, mas também entusiasmantes, de toda a enologia portuguesa.
Ao longo de 71 anos apenas três homens tiveram esse privilégio: Fernando Nicolau de Almeida, o visionário que imaginou, ainda nos anos 40 do século passado, que o Douro tinha potencial para produzir vinhos de mesa tão bons, e com a mesma longevidade que os de Bordéus. José Maria Soares Franco, que lhe sucedeu, e Luís Sottomayor agora – sendo que os dois últimos ainda trabalharam diretamente com o mestre, o que resulta numa consistência sem paralelo no mundo vínico.
O primeiro Barca Velha saiu em 1952, e desde então apenas 20 colheitas foram consideradas dignas de ostentar esse nome. Menos de um terço. Nesses mesmos anos, menos colheitas ainda, 18, foram chamadas de Reserva Especial − incluindo já este de 2014. Quer isto dizer que na maioria das vezes não se considerou estarem reunidas as condições necessárias para gerar um vinho com a qualidade e a longevidade que um Barca Velha merece.
A decisão não é obviamente aritmética – apesar de ter evidentes repercussões nas contas da empresa, uma vez que um se vende ao triplo do preço do outro – e vai depender de uma série de pequenos fatores subjetivos que a equipa de enologia terá de avaliar ao longo de nove anos. É um luxo ter tanto tempo para avaliar um vinho, mas necessário para perceber o seu verdadeiro caráter. Luís Sottomayor refere muitas vezes o potencial de crescimento a longo prazo, como fator decisivo para declarar um Barca Velha ou relegar à condição de Reserva Especial, mas ainda assim a decisão é raramente unânime, provocando acaloradas discussões entre os maiores aficionados.
Saber se este 2014 está muito bem como Reserva Especial ou se merecia ter sido promovido a Barca Velha é algo que só vamos saber em junho, quando o vinho for finalmente lançado e tivermos a oportunidade de provar. Até lá, no entanto, fica uma certeza: vem aí mais um vinho extraordinário da Ferreirinha e é preciso arranjar espaço na garrafeira.