Malta é uma cápsula do tempo
Inesperada nas suas muitas camadas, Malta é um destino pouco óbvio, mas sempre surpreendente. Paisagens mediterrânicas, praias secretas, cidades seculares e cenários tão singulares que parecem ficção. Uma ilha perdida e achada, vezes e vezes sem fim.
Regina é uma mulher baixa de ar circunspecto e, ainda que provavelmente já tenha passado a casa dos 70 anos, mantém a leveza e a agilidade. Recebe-nos no porto de Mgarr il-Xini, em Gozo, uma das ilhas que formam o arquipélago de Malta, sem formalidades nem sorrisos rasgados, mas com o mesmo sentido prático com que, momentos depois, nos encaminha até à Citadella de Victoria. Estamos na antiga capital de Gozo, marcada pela imponente Catedral de Santa Marija, bem encaixada na povoação e enquadrada pelas muralhas que outrora defenderam a cidade dos ataques de corsários. É lá em cima, no miradouro a partir de onde avistamos boa parte da ilha (são 13 km de comprimento por 7 km de largura), que nos fala das tradições sociais daquele lugar que, contas feitas, se misturam com as suas. Ali nasceu e viveu toda a vida, sem ganas de sair, nem que fosse apenas para uma consulta médica em La Valeta, a capital do país. Gosta da paz e do silêncio da sua terra onde – lugares comuns à parte – o tempo parece ter parado. Talvez por isso os costumes sejam os mesmos da sua infância e a paisagem se tenha mantido quase inalterada, apesar de alguma construção que foi rompendo aqui e ali. Como que para comprovar a teoria, assegura-nos de que só existem dois hotéis de cinco estrelas na ilha, sendo um deles o Ta’ Cenc & Spa, onde Angelina Jolie e Brad Pitt ficaram hospedados aquando da rodagem de Junto ao Mar (2015), filme escrito, realizado e protagonizado pela atriz e rodado na baía de Mgarr Il-Xini. "A sério, foi aqui?!" O grupo entusiasmou-se e quis saber mais detalhes, mas Regina atalhou e seguiu em frente, como quem não dá grande importância à presença de hóspedes famosos. Prefere, isso sim, focar-se na História que torna o sítio tão especial, logo a partir do período megalítico. Afinal é em Gozo, no topo de um planalto, que descobrimos as ruínas do templo de Ggantija (Torre dos Gigantes), o mais antigo vestígio desse tempo, hoje Património Mundial da UNESCO. Mais à frente, antes de um delicioso (e surpreendentemente barato) almoço de peixe fresco à beira-mar, leva-nos a visitar assalinas de Qbajjar, onde encontramos a tranquila Josephina. Sentada numa pequena casa de uma divisão só, virada ao mar, explica que faz parte da quinta geração que explora aquele negócio, iniciado em 1800. Dá-nos a provar as pedrinhas cristalinas enquanto resume a história da família, retratada numa pequena moldura pendurada na parede. Os pais começaram a extração, em 1969, e hoje cabe-lhe gerir o negócio e vender o produto. Tudo isto sem recorrer a estratégias de marketing ou embalagens carregadas de design. É "só" sal, puro. E isso é suficiente.
Para lá das aparências
Quem aterra em La Valeta a pensar que depressa vai tirar a fotografia perfeita para as redes sociais e encontrar a legenda certeira para definir o local… engana-se. Malta não é um destino óbvio, nem por um segundo. Ou sequer imediato. Sim, é um belo e pequeno arquipélago perdido no Mediterrâneo (tem uma área de 316 quilómetros quadrados), mas a sua definição não encaixa na ideia-cliché de resort-pulseirinha com tudo incluído. Sim, tem belas praias de areia dourada (Ramla Bay, em Gozo, ou a Mellieha Bay, a maior praia de areia, em Malta, são duas opções, já para não falar da arrebatadora Lagoa Azul, na Ilha de Comino), mas não será a primeira escolha para quem vai (só) à procura de praia ou de um lifestyle glamoroso e vagamente cosmopolita, com cocktails coloridos e gastronomia fotogénica. Sim, também é verdade que um vento de modernidade soprou forte em 2018, ano em que Malta foi Capital Europeia da Cultura. A Porta da Cidade, projeto que o arquiteto Renzo Piano havia levado a cabo, em 2015 (e que inclui também o atual parlamento e um teatro ao ar livre no local antes ocupado pela antiga Ópera, destruída pelos bombardeamentos da II Guerra Mundial), dá indícios disso mesmo. Ainda assim, em Malta, o passado leva quase sempre a melhor sobre o futuro. E do ponto de vista do forasteiro, nomeadamente daquele que gosta de História, ainda bem que assim é.
Habitada desde 5.200 a.C., Malta foi povoada por fenícios, romanos, árabes, mouros, sicilianos, franceses e britânicos, entre outros povos. As suas camadas foram-se sedimentando numa identidade vincada – ainda que algo difícil de decifrar – e que não é mais do que uma surpreendente fusão de todas essas culturas. A própria língua é a primeira evidência dessa diversidade: em maltês usa-se a palavra ‘Bongu’ para dizer bom dia e ‘Bonswa’ para dizer boa noite, ‘Grazzi’ para agradecer, ‘Habib’ para designar um amigo ou ‘Alla’ para evocar Deus. Em Malta esta última é mesmo uma palavra importante porque Deus parece estar mesmo por toda a parte. Um passeio pela ilha deixa essa forte dimensão católica particularmente evidente, não fosse este um dos países mais religiosos da Europa (o apóstolo São Paulo, que aqui naufragou e implantou o cristianismo, é o padroeiro local). Os símbolos incontornáveis, como imagens de santos ou a Cruz de Cristo, espreitam em cada rua, inclusive onde menos se espera, e disputam atenções com as coloridas varandas em madeira que têm vindo a ser reabilitadas ao longo dos últimos anos (ainda assim, há que dizê-lo, há muito por onde recuperar…). É quase impossível abarcar uma rua num relance, menos ainda descrevê-la numa única frase. Os detalhes abundam e as referências parecem escapar-nos a cada instante. Estamos sempre à procura de etiquetas para colar numa qualquer panorâmica e logo surge um elemento novo que nos obriga a reenquadrar a imagem e a repensar o conceito. Só à medida que o tempo passa nos reconciliamos com a ideia de que, provavelmente, só no regresso a casa vamos entender um pouco melhor este lugar…
Viagem no tempo
Não é por acaso que a Mdina é hoje conhecida como a Cidade Silenciosa. A antiga capital, morada das pessoas mais abastadas da ilha, foi perdendo movimento e habitantes com a construção de La Valeta, no século XVI. Hoje não restam mais do que 200 moradores dentro das muralhas, sendo sobretudo os turistas que preenchem as vielas durante o dia. Ainda assim, o silêncio prevalece, como se de um local sagrado se tratasse. Talvez tenha sido esse misticismo a convencer os produtores de A Guerra dos Tronos a eleger o local para ali filmarem parte da primeira temporada (a bonita Mesquita Square foi cenário de várias cenas passadas em King’s Landing, a capital do reino da série). Mas os malteses, habituados a grandes produções no seu território, não se deixam levar pela euforia do deslumbramento. Referem exemplos como 007 Nunca Mais Digas Nunca (de 1983, com Sean Connery), Gladiador (de 2000, com Russel Crowe), Capitão Phillips (de 2013, com Tom Hanks) ou World War Z (de 2013, com Brad Pitt) e congratulam-se com a passagem destas tribos pela ilha, mas não parecem valorizá-las mais do que às outras que diariamente atracam nos seus portos…
Ponto de paragem para os muitos cruzeiros que atravessam o Mediterrâneo, o país é morada dos mais luxuosos iates que podemos avistar no Grande Porto, a caminho da Fortaleza de Santo Ângelo, em Birgu. Aberta ao público desde 2016, foi um palco central na defesa da cidade, tendo sido ainda a morada oficial do Grão-Mestre dos Cavaleiros de Malta. Hoje é não só um local estratégico para ouvir os pormenores de uma História rica em incidentes como um bom ponto de partida para explorar as chamadas Três Cidades (Vittoriosa, Senglea e Cospicua). É ainda nessa zona que descobrimos o Museu Marítimo, onde a receita é fechar os olhos, abrir a boca e… viajar no tempo. A proposta é de Liam Gauci, o jovem diretor e mentor do espaço, que desenhou uma espécie de arqueologia gastronómica através da degustação de um menu especial (disponível sob marcação) que recria receitas do século XVIII utilizando apenas ingredientes da época. Parece estranho, mas é delicioso. E se nesta zona histórica o jantar se serve numa formal mesa redonda, estrategicamente colocada no centro do salão de um museu silencioso, do outro lado da cidade, na moderna zona de Paceville, come-se ao balcão de uma cave escura e barulhenta. Do lado de lá está Gabriel Ferris, um maltês tranquilo de 30 e poucos anos que, depois de uma longa temporada a viajar e trabalhar pelo oriente, decidiu regressar a casa "porque em mais lado algum se encontra esta qualidade de vida". A fila para entrar no seu Kuya Asian Pub, um pequeno restaurante de comida de fusão de inspiração asiática, é consistente e teimosa. Ainda assim, ele não dá sinais de cansaço, rodopiando entre a sala e a cozinha, de onde saem tabuleiros com baos fofos e taças de ramen fumegantes, acompanhados por garrafas geladas de Cisk, a cerveja local. Estamos na zona de Saint Julian’s, com a baía de Spínola a refletir as luzinhas dos muitos bares e restaurantes locais. Depois de tanto passado e tradição, cruzamo-nos (finalmente) com a Malta mais moderna e cosmopolita, onde as referências internacionais (seja a um designer de moda ou uma cadeia de hotéis) não ofuscam o comércio local, nem desvirtuam a identidade nacional. Este é um dos bairros mais frequentados pelos muitos estudantes que todos os anos elegem Malta para fazerem os seus cursos de verão (nomeadamente para estudar inglês, uma das duas línguas oficiais – a outra é o maltês) ou pelos jovens que chegam atraídos pelo espírito descontraído dos festivais de música que vão animando o verão (o Isle of MTV, que aqui se realiza desde 2007, é apenas um deles).
Já na esplanada do Caffe Cordina, o ambiente é vagamente colonial. Localizado num antigo palácio no centro de La Valeta, conta já com 175 anos de história e apesar de ser uma daquelas moradas incontornáveis para turista ver, continua a ser frequentado pelos malteses – talvez por isso mantenha a autenticidade e também por isso mereça a visita. É um bom local para parar a ver a vida passar e tirar o pulso à cidade, não estivesse no número 244 da Republic Street, a artéria-chave que divide La Valeta em duas metades. Ali bem perto, ergue-se a imponente Co-Catedral de São João, repleta de frescos e mármores que só por si impressionam, ainda assim é A Decapitação de São João Baptista (1608), a obra-prima de Caravaggio exposta no Oratório, que concentra atenções. Ainda no centro da cidade e dentro do roteiro mais convencional, uma última paragem na Casa Rocca Piccola para conhecer o interior de uma típica casa maltesa com mais de 400 anos de história. É uma espécie de museu vivo, onde se podem visitar as caves onde a família se abrigava durante os bombardeamentos da II Guerra Mundial, mas também um verdadeiro lar com uma biblioteca carregada de retratos de família e uma sala com mesa posta para o jantar (de resto, não é raro por lá encontrarmos o nono Marquês de Piro que continua a habitar o espaço).
Sempre à beira-mar
A manhã acorda luminosa em Marsaxlokk. E ainda que todas as distâncias sejam curtas em Malta, a sensação é a de que viajamos novamente. Tudo graças ao pitoresco da paisagem composta por fachadas coloridas, esplanadas de restaurantes, onde se serve peixe e marisco, bancas de artesanato local e um pequeno mercado ao ar livre. Parar a cada estímulo é descobrir um bocadinho mais a fundo a identidade do país, sempre salpicada pelo azul daquele mar. O mesmo mar que contemplamos na bela Caverna Azul, acessível através do barco que apanhamos no porto de Wied iz-Zurrieq. O passeio atravessa uma série de grutas, revelando tonalidades que a determinada altura se tornam fluorescentes, desencadeando uma alegria infantil entre os passageiros da pequena embarcação. É impossível não vibrar com tantos tons de azul. A "culpa", asseguram-nos, é da especificidade da flora aquática. E quando trocamos a superfície pelas profundezas é todo um novo país que se começa a desenhar…
Com mais de 200 locais assinalados para a prática de mergulho, Malta é um dos destinos subaquáticos mais procurados e são muitas as escolas de mergulho locais que "vendem" passaportes para esta outra dimensão. É que além dos belos recifes, as profundezas do mar escondem outros tesouros e é também aí que a História se escreve. Destroços de navios e aviões afundados (como o HMS Maori, o Um El Faraoud ou o Bristol Blenheim) comprovam o que aqui se sente desde o primeiro instante: que as aparências escondem episódios históricos e realidades paralelas, fazendo deste destino uma espécie de escala para um mundo perdido que vale a pena redescobrir uma e outra vez.
Quando ir O clima ameno típico do Mediterrâneo faz de Malta um destino de todo o ano com temperaturas mais altas nos meses de verão (julho e agosto) e as chuvas a caírem, sobretudo, entre outubro e janeiro.
Como ir A Air Malta tem voos diretos para Malta às quintas-feiras e aos domingos com tarifas a partir dos €70 (ida e volta).
A Must viajou a convite da Autoridade do Turismo de Malta.
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