Eu tive uma quinta no Douro…
… E mesmo só por uns dias foi um prazer. Ventozelo é um daqueles lugares especiais, onde somos tão bem recebidos que apetece chamar nossos.
"Reparem que se chama Hotel & Quinta, não Hotel & Spa" insistia Jorge Dias, o Diretor-geral do grupo Gran Cruz, enfatizando a importância da viticultura em Ventozelo. Mas aqui em cima, subindo a encosta no Land Rover de caixa aberta, não tínhamos bem a certeza. Afinal, tanto solavanco só podia ser uma nova massagem radical, e o pó que se entranhava por todos os poros um qualquer tratamento "mineral" inovador…
Felizmente a tareia compensou, pois no topo da colina, depois de uma breve caminhada em território "selvagem" (ainda se via o chão remexido pelas patas de javalis), chegámos a um promontório com uma vista de cortar a respiração. A 500 metros de altitude, o Douro inteiro estendia-se aos nossos pés! As quintas ao longe, o rio serpenteando em baixo, e os quatrocentos hectares de Ventozelo à nossa volta.
São mais de 200 hectares ocupados por vinha, e o resto por floresta, mata, olivais e pomares. Hotel & Quinta sim, uma das maiores e mais antigas do Douro.
Dali víamos a Casa Grande, isolada, com seis quartos, biblioteca, sala de jantar, de estar, cozinha, uma piscina infinita sobre o Douro, e ao lado de um enorme jardim relvado. A Casa Grande pode ser reservada por grupos ou famílias. Um pouco mais abaixo, perto da água, a Casa do Rio, dois quartos, sala e terraço, que também pode ser reservada em exclusivo. Víamos a Casa Romântica, aberta para as vinhas, e os outros edifícios que albergam os restantes quartos. Ao todo são 29, divididos por sete estruturas, mas como medida de segurança apenas 22 estão abertos, incluindo felizmente os dois gigantes balões de vinho, onde em tempos estagiava o néctar. Hoje recebem duas espaçosas suítes com alpendre, mais uma experiência a não perder.
De volta ao carro a massagem continua, colina abaixo. Existem 65 quilómetros de estradas dentro da quinta, mas é importante perceber que as hipóteses de levar o mesmo tratamento são praticamente nulas. Ao volante do jipe seguia o próprio Jorge Dias, algo muito improvável, mas como antigo piloto de ralis não perdeu esta oportunidade de pisar fundo no acelerador. Habitualmente estes passeios decorrem de forma bem mais suave - embora eventualmente menos divertida.
Ventozelo é a joia da coroa do grupo Gran Cruz, o maior exportador de vinho do Porto e da Madeira. Com a Quinta, comprada em 2014 (coincidentemente a 14 de dezembro, no mesmo dia em que o Douro foi elevado a Património da Humanidade, 13 anos antes), a Porto Cruz ganhou capacidade para investir em topos de gama do Porto e em vinhos de mesa. Um portefólio que já impressiona, desde o entrada de gama Azul ao Essência, passando por oito monocastas, dois deles brancos.
Os hóspedes podem perfeitamente participar nas atividades da quinta, como as vindimas e a apanha da azeitona, mas por aqui há sempre algo mais para fazer, como longos (ou curtos) passeios pelo Caminho do Moinho, do Rio ou pelo Trilho do Javali - para ver a fauna e a flora locais -, acompanhados de áudio guia (via app para smartphone). Visitar a bem preservada adega, onde ainda hoje se faz a pisa a pé e se guardam vinhos em balseiros. No Centro Interpretativo explica-se a história da quinta e dos antigos proprietários, e podemos desfrutar de uma "sala do silêncio", ouvindo os sons do Douro no decorrer das quatro estações. Nenhuma destas atividades - e outras como a prova de vinhos - é paga, desde que não incluam parceiros externos, como por exemplo os percursos no rio.
Chegamos ao fim do nosso passeio, abanados e sujos, mas em Ventozelo depois do esforço vem a recompensa: um duche para tirar o pó e um mergulho refrescante na única piscina do Douro com três frentes infinitas. Bem acompanhado por um Rosé de Ventozelo. Isto sim, é o verdadeiro luxo. A vista rivaliza com a lá de cima, com a piscina perfeitamente enquadrada no rio, a vila e a ponte do Pinhão ao fundo. Dizem que é "a mais bonita piscina do Douro" e parece-nos que têm razão.
Entretanto prepare-se para passar muito tempo caminhando entre a piscina e a Cantina, porque o restaurante é mesmo o centro nevrálgico do hotel - e em Ventozelo come-se deliciosamente bem. Até as Merendas são um regalo, uma novidade em tempo de coronavírus, refeições simples (bem acompanhadas pelos vinhos) servidas em cestos para comer ao ar livre debaixo de uma oliveira, na varanda do quarto ou em plena natureza. Espaço, como vimos, não falta, e aqui fazem questão de seguir a melhor tradição das antigas quintas onde se recebia com carinho e comida farta. Na Cantina de Ventozelo serve-se "Cozinha de memória", explica Jorge Dias, "e atrás dos tachos temos uma típica cozinheira daqui. Mas temos também o Miguel Castro e Silva para definir o rigor científico e as melhores técnicas na elaboração dos pratos." O trabalho não podia ser mais talhado para este enorme chef que já deu nova vida a várias receitas tradicionais.
A aposta passa também por uma oferta "quilómetro zero", ou seja privilegiando os produtos das hortas (beterraba, feijão verde, couves, ervilhas, acelga, tomate coração-de-boi, figos, marmelos, azeite...) e os produtos regionais (como é o caso da Carne Maronesa), ainda que por vezes a tradição obrigue a ir um pouco mais longe, no caso dos polvos e bacalhaus. Os legumes são tratados de forma soberba, mas também há muita carne e alguns peixes. Muitos pratos feitos no forno a lenha, e outros numa enorme fogueira, ambos ao ar livre. A cantina é um dos espaços que mais contribuem para esta sensação tão agradável de nos sentirmos genuinamente bem-vindos. Como em nossa casa, só que melhor.
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