Para alguns nunca passarão de uma morada numa esquina qualquer na Lisboa da atualidade, para outros são autênticas viagens no tempo, a lugares onde se faziam as compras de bens ao fim de semana, se juntavam tertúlias que duravam até de madrugada, ou se comia todos os dias o mesmo bife com ovo estrelado a cavalo.
As histórias das lojas, dos restaurantes, dos bares, e dos cafés e outros estabelecimentos míticos da capital figuram no segundo volume do livro "Lojas com História", editado pela Tinta da China e pela Câmara Municipal de Lisboa. Nesta segunda edição são exploradas as histórias pouco ou menos conhecidas destes estabelecimentos lisboetas que encerram peripécias e vidas de gentes de todo o país, ao longo de décadas e até séculos. Algumas foram e continuam a ser ponto de encontro entre jornalistas e outras personalidades da cultura e da sociedade lisboetas, como é o caso do Snob Bar, na rua do Século, onde se servem bifes com ovo a cavalo enquanto se debate política ou cultura (e onde continua a entrar apenas quem o proprietário quiser deixar).
O livro começa precisamente pela noite, ao evocar nomes tão sonantes como o ainda resistente e sedutor Procópio, entre o Rato e as Amoreiras, o Glória Bar, mais conhecido por Bar Piri-Piri, um dos bares de alterne mais antigos em funcionamento e cujo ambience inspirou alguns filmes nacionais, ou o Xafarix - o "bar do Luís Represas", como assim ficou conhecido.
Da Mouraria à Avenida, passando por Santos, Estrela, Avenidas Novas ou Roma, o livro dedica capítulos a zonas que se reinventaram e outras que foram esquecidas, berços de estabelecimentos que marcam a história da cidade. Por exemplo, as Portas de Santo Antão, que se cruzam com edifícios históricos como o Teatro Nacional D. Maria II, o Politeama e o Coliseu dos Recreios, e que reúnem restaurantes cheios de história(s) como A Provinciana, o Gambrinus, O Churrasco ou o Bonjardim.
Nestas páginas, contemplam-se também as casas de fado lisboetas, como O Faia ou Sr. Vinho, por onde passaram fadistas de várias gerações, recantos que continuam a encantar portugueses e estrangeiros. Figuram estabelecimentos bicentenários como a livraria Bertrand, a mais antiga livraria do mundo em funcionamento, na rua Garrett, e aquela que foi a primeira empresa de carimbos em Portugal, a E. E. de Sousa & Silva, em funcionamento desde 1819.
Contam-se curiosidades sobre os bairros, como a origem do nome Benfica (ben-fica, na etimologia árabe, o filho de uma mulher alta), ou a evolução comercial do bairro de Alvalade, cuja primeira mercearia a abrir, em 1952, foi a Cafélia, bem como o nascimento de Arroios, uma das zonas mais interculturais da cidade, com a chegada de estabelecimentos como a Tabacaria Costa & Diogo, o Armazém das Malhas ou a loja da Viúva Lamego.
O livro também nos brinda com anúncios publicitários de outras décadas, e listas nostálgicas como a menção à "dispensa de produtos nacionais" onde se incluem marcas com as rejuvenescidas Benamôr, Claus Porto, Ach Brito ou Couto. Não faltam as menções a relíquias da baixa lisboeta como a sapataria A Deusa, a Drogaria Oriental ou a retrosaria Alexandre Bento.
Na secção Guardiões de Património, a Arte é a linha condutora entre as histórias, ao revisitarem-se locais como o Palácio do Correio Velho, o antiquário Solar ou a A. Molder, uma das últimas lojas da cidade dedicadas à filatelia.
Há um último capítulo dedicado ao "saber-fazer" onde se incluem barbearias, lojas de alfaiataria e costura (sabia que nos anos 80 existiam cerca de 800 no país?), lojas de costura, bordados e malhas, ervanárias, joalheiros ou lojas de porcelana.
Lojas com História 2 faz parte do programa que a Câmara Municipal de Lisboa iniciou em 2015, com o propósito de preservar e dinamizar o património lisboeta, de forma a proteger a identidade da cidade. Em 2017 foi editado o primeiro livro Lojas com História, "uma obra que oferece uma viagem pelas histórias dos primeiros estabelecimentos da cidade a serem distinguidos por este programa municipal" escreve Fernando Medina, no prefácio deste novo volume.