"Para mim, é o melhor vinho do Dão" afirma a enóloga Beatriz Cabral de Almeida, antes de admitir, "mas sou suspeita, claro…". A brincadeira serve, no entanto, para enfatizar a ideia, pois estamos perante, se não o melhor, seguramente um dos top 3 do Dão.
Trata-se de um vinho singular, como o nome indica, feito com muito pouca intervenção, mas com enorme atenção ao detalhe, e com um nível de exigência raro, o que explica estarmos apenas perante a quarta colheita em quase 15 anos de história. A primeira foi 2005 e seguiram-se 2009, 2015 e, agora, 2017. 2018, já o sabemos, não será.
Para fazer o Único são selecionadas apenas as melhores uvas, das melhores parcelas, de anos excecionais e, mesmo assim, não há garantia de passarem no crivo da enóloga: "sentimos que algumas barricas não tinham a qualidade necessária para chegar ao Único" recorda-se Beatriz, "por isso foram para outros vinhos". Darwin não explicaria melhor este processo de seleção natural.
Felizmente, toda esta exigência pode agora ser (com)provada num vinho que dá um prazer enorme. De cor aberta, e aroma fresco e complexo, tem uma textura fina, é equilibrado e elegante, com boa acidez e algumas notas mentoladas. Tudo características que lhe conferem uma enorme aptidão e versatilidade gastronómica. É um vinho que convida à mesa e a muitos pratos.
Para Beatriz Cabral de Almeida, que assumiu a enologia da Quinta dos Carvalhais em 2014, é "a máxima expressão da Quinta dos Carvalhais e deste terroir no Dão".
Como é que surge o Único?
Com a experiência fomos percebendo, até pelas provas da uva e pelas análises químicas, que nos melhores anos certas parcelas estão realmente num ponto ótimo, mas, claro, uma coisa é achar isso na vinha e outra é a confirmação na adega. Este 17 foi clássico nesse aspeto, percebemos logo que podia chegar ao topo e isso foi-se confirmando com o mosto, com o vinho… Ou seja, o Único surge só em anos em que sentimos que os vinhos expressam realmente aquilo que é o lugar, o terroir da Quinta dos Carvalhais. Quando não, utilizamos a Touriga Nacional, o Alfrocheiro e o Field Blend, que constituem o lote, noutros vinhos, no Quinta dos Carvalhais Reserva, no Quinta dos Carvalhais Colheita, e no Quinta dos Carvalhais Touriga Nacional.
Disse que tinham as parcelas bem identificadas. Quais são?
A Touriga Nacional vem da Vinha da Anta, o Alfrocheiro pode variar, ou da Vinha das Mimosas ou da Vinha do Lago, já o field blend vem de duas parcelas – a da Coleção e a das Afinidades − que oferecem uma mistura das principais castas do Dão.
Depois, essas uvas seguem um caminho diferente…
Sim, andamos muito mais em cima delas, para apanharmos mesmo na altura ideal. Fazemos a escolha dos melhores bagos, que vão para pequenas cubas e onde tentamos que a natureza continue a fazer mais do que nós. Tentamos ter uma intervenção mínima no Único, para que possa exprimir ao máximo o terroir. Fazemos remontagens muito suaves, uma maceração a frio antes da fermentação, para que haja um maior contacto com as películas, mas ainda sem extração de álcool. A extração faz-se com leveduras indígenas, ou seja não aplicamos leveduras e a fermentação malolática faz-se depois em barricas de carvalho francês, novas e usadas. Barricas de 225 litros, sendo que as usadas vão especificamente para o Alfrocheiro, que tem uma estrutura mais delicada, e uma cor mais aberta, e como tal a madeira nova marcaria demasiado o vinho.
Continuam a usar barricas, não passaram para tonéis?
Não. Usamos tonéis de 2000 litros há muitos anos nos brancos, mas nos tintos estamos a incorporar mais lentamente, apesar de já termos de 1000 e 1200 litros, assim como barricas de 500 litros, mas que ainda não foram usados neste 2017. Aqui foram mesmo as barricas de 225 litros, onde o vinho estagiou 24 meses. Não há uma regra, o de 2015 ficou 18 meses, por exemplo, mas neste fomos vendo como o vinha evoluía e optámos por deixar mais um pouco.
Evoluíram todas bem?
Não, algumas sentimos que não chegavam ao Único e, lá está, foram para outros vinhos.
Já aconteceu enganarem-se, pensando que iam ter Único e depois, afinal, não?
Estamos sempre ansiosos até à última para poder confirmar… 2011 foi um ano assim, muito bom, mas a certa altura sentimos que não chegava lá. Quando há uma dúvida é melhor não fazer. Lançar por lançar é que não pode ser.
Nesse aspeto tornam-se inevitáveis as comparações com outro vinho da Sogrape. O Único aspira a ser um Barca Velha do Dão?
Acho que não, cada vinho tem a sua região, o seu lugar. Este pretende ser a máxima expressão da Quinta dos Carvalhais e deste terroir. Agora, se for considerado o melhor vinho do Dão tanto melhor. Para mim é, mas eu sou suspeita.
De que forma é que essa "máxima expressão" se revela?
Da quinta conseguimos ver toda a envolvência do Dão, da Serra da Estrela ao Caramulo, as montanhas, as florestas, o mato e os pedregulhos de granito.... É muito engraçado, porque os vinhos que conseguimos fazer nos Carvalhais são muito delicados, muito elegantes, muito suaves, que contrastam com a paisagem que nos envolve. Mas, ao mesmo tempo, temos todos aqueles aromas que sentimos no ar: o pinheiro e o eucalipto, a menta que cresce no meio das vinhas, o sous-bois do mato, é impressionante como conseguimos sentir tudo isso no vinho. Transporta-nos imediatamente para o Dão.
Como é que o Único, enquanto coleção, está a evoluir? Qual a diferença deste 2017 para os anos anteriores?
O 15 era mais mentolado que este. Era um pouco mais concentrado, também, mas já era mais elegante e com cores mais abertas do que os anteriores. Este evoluiu ainda mais nesse sentido.
Quem é que decide se uma colheita será, ou não, Único?
Sou eu. Temos uma equipa de enologia que participa no processo, até porque eu não gosto de trabalhar sozinha e prezo muito a opinião deles, mas sim, a última palavra é minha.