A primeira fase de retomada da indústria de cruzeiros está a concentrar-se em navegações regionais, operando mais em rios do que em oceanos. Mas e as grandes empresas e os seus navios gigantes?
Quando esses gigantes zarparem novamente, com até 8.880 passageiros e tripulantes a bordo, estarão na vanguarda da tecnologia pós-pandemia. E precisarão mesmo de estar.
"O cruzeiro sempre foi um negócio de ‘contato intenso’ em quase todos os aspectos", diz Chekitan Dev, professor de marketing da Escola de Administração de Hotéis da Cornell University, nos EUA. As pessoas estão muito perto umas das outras nos bares. Partilham buffets, juntam-se em multidões para atividades e espetáculos, partilham equipamentos de ginástica e fichas de póquer. Os cruzeiros são a antítese do distanciamento social; é tudo sobre a experiência de viagem em grupo. "Mudar para um modelo de ‘menor contato’ levará a que as empresas de cruzeiros repensem quase tudo o que fazem", continua Dev.
Além da Norwegian, que esta semana anunciou alguns planos preliminares de reabertura - por exemplo, a instalação em toda a frota de filtros de ar de grau médico (H13 HEPA) que, segundo a linha de cruzeiros, removerá 99,95% dos agentes patogénicos aéreos - nenhuma das principais empresas divulgou publicamente detalhes específicos sobre planos de saúde e segurança pós-pandemia. Nos EUA, as linhas de cruzeiros aguardam novos regulamentos dos Centros de Controlo e Prevenção de Doenças; uma ordem para não-navegação do CDC permanece em vigor até pelo menos 24 de julho.
Neste interregno, as linhas de cruzeiro terceirizarão pelo menos parte desse processo de "repensar" a era pós-pandemia a designers industriais. As suas propostas variam entre dispositivos inteligentes vestíveis para controle de multidões a elevadores que trabalham com comandos de voz e até elementos robôs na tripulação, entre outras inovações.
"Agora é o momento em que podemos ser criativos e loucos", diz Georg Piantino, arquiteto sénior da YSA Design da Noruega, empresa líder em design de navios de cruzeiro com clientes que incluem a Disney, a Holland America Line, a Norwegian Cruise Line e a MSC Cruises. Aqui está o que ele e outros especialistas do setor estão a apresentar para navios de cruzeiro num futuro muito próximo.
Tecnologia inteligente em toda parte
Alguns dos mais recentes navios de cruzeiro já possuem sistemas sem toque integrados. A Princess Cruises, por exemplo, oferece aos hóspedes um dispositivo que abre as portas da cabine e paga pelas bebidas, e a app da Celebrity Cruises permite que os usuários abram portas remotamente. Essa tendência só vai acelerar. Os botões do elevador, por exemplo, serão substituídos por sensores ativados por movimento ou por voz.
A tecnologia inteligente, integrada en dispositivos portáteis ou aplicativos móveis, também pode ser a chave para o distanciamento social. Especialmente em navios de grande porte e com milhares de passageiros. Piantino imagina esses dispositivos como campainhas que alertam os clientes quando é a vez de usar o deck da piscina ou o ginásio. O mesmo é válido para o controle de multidões no embarque ou desembarque.
Os sistemas de localização também podem informar os passageiros quais os locais d navio que estão com a capacidade máxima e quais estão livres de multidões.
A questão principal, diz ainda Piantino, é garantir que as pessoas tenham espaço enquanto esperam para usar as zonas mais populares. "Não se pode deixar as pessoas em pé [ao redor do deck da piscina]", explica. A sua solução: direcionar os passageiros para atividades em áreas com número menor de pessoas. Isso pode significar passeios de arte pelos corredores ou palestras diurnas na discoteca. Em consequência, as cabines com varandas – que não implicam esperar para os banhos de sol - certamente ficarão mais valorizadas.
À prova de germes e prontos para quarentena
A reformulação de navios de cruzeiro para um mundo pós-pandemia inclui alguns exemplos em que as cabines podem encolher para acomodar um vestíbulo na entrada para servir de área de espera para refeições e medicamentos no caso de um hóspede ficar em quarentena. Layouts internos flexíveis com móveis fáceis de reorganizar vão tornar-se fundamentais para os designers, diz Anne Mari Gullikstad, diretora executiva da YSA Design.
Dentro das cabines, painéis escondidos atrás das paredes podem servir para conectar equipamentos médicos, permitindo que qualquer cabine seja convertida num quarto de hospital, caso ocorra um surto viral. Os tecidos antimicrobianos podem repelir os germes de superfícies que incluem camas, cortinas, sofás e cadeiras.
Os fornecedores também estão a lançar linhas de cruzeiro com câmeras de resolução térmica montadas em paredes e tecnologia de pulverização eletrostática, que a Norwegian diz que usará para higienizar e desinfetar cabines e áreas públicas.
Pequenas mudanças na operação também podem fazer uma grande diferença. O professor Dev, da Cornell, que faz consultoria a empresas, hotéis, cruzeiros e restaurantes, diz que os buffets devem mudar para os convidados apontando o que querem enquanto funcionários enchem seus pratos por trás de barreiras de acrílico. Nos restaurantes, os menus podem ser carregados em apps móveis ou projetados diretamente sobre a mesa. Em salas de exposições e teatros, Piantino prevê divisórias para separar grupos menores.
Dev acrescenta que parte da limpeza, tanto em cabines quanto em áreas públicas, pode ser relegada a aspiradores de pó robóticos e máquinas de desinfecção, reduzindo ainda mais o contato humano.
Quem pagará a fatura?
Os primeiros convidados de volta ao mar, sem dúvida, servirão como cobaias para as mudanças generalizadas que provavelmente ocorrerão, diz Dev.
Os passageiros que regressarem mais cedo também arcarão com a maioria destes custos, diz Art Sbarsky, ex-executivo de linha de cruzeiros que trabalhou para a Norwegian Cruise Line, Celebrity Cruises e Crystal Cruises. "Eles precisarão de compensar [toda a nova tecnologia]."
"As pessoas fazem cruzeiros sabendo que vão socializar com outras pessoas", acrescenta Sbarsky.