Prazeres / Lugares

São Jorge. As maravilhas de uma ilha ainda por descobrir

Percorremos, em ritmo de corrida, os mais bonitos trilhos das chamadas ilhas do Triângulo, bastantes próximas umas das outras, mas todas com encantos diferentes. Com tempo e vontade para percorrer longas distâncias, subimos e descemos por onde nenhum carro passa, apenas pelo prazer de lá chegar. Na primeira leva, vamos até São Jorge.

Foto: DR
16 de outubro de 2024 | Miguel Judas
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Tudo o que se possa dizer ou escrever sobre os Açores peca por defeito, como depressa se percebe mal se chega a este território, moldado pela força do fogo no meio do Oceano Atlântico e, portanto, muito mais que um mero cenário fotogénico para selfies. Afinal, cada uma destas nove ilhas encerra sobre si todo um mundo de paisagens, histórias e tradições, que não se deixa revelar na efemeridade de uma simples publicação nas rede sociais. Para isso acontecer é preciso tempo e vontade para partir à descoberta destas ilhas, de preferência a pé, como antigamente, pelos inúmeros e imensos trilhos que as cruzam de cima a baixo. A caminhar, mas também a correr, tal como nos propusemos fazer, durante alguns dias pelas chamadas ilhas do Triângulo, compostas por São Jorge, Faial e Pico, talvez o local dos Açores onde melhor se sente o conceito de arquipélago, pela proximidade, mas também e especialmente, pelas muitas diferenças entre cada uma delas.

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SÃO JORGE

Descida às fajãs

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Foi o flamengo Willem van der Hagen quem deu início à povoação desta ilha de orografia selvagem, feita de altas escarpas e imponentes falésias, onde o pouco terreno plano se situa ao nível do mar, em dezenas de fajãs. O seu corpo jaz numa pequena ermida, anexa ao Solar dos Tiagos, hoje em ruínas e situada mesmo à saída da Vila do Topo, de onde partimos em direção à vizinha freguesia de São Tomé, para cruzar a ilha de sul para norte, percorrendo algumas das suas mais emblemáticas fajãs.

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A íngreme descida funciona como um convite para acelerar o passo, à medida que se avança falésia abaixo, junto a socalcos cultivados com inhame. O casario em pedra negra da Fajã de São João apresenta-se como um verdadeiro oásis à beira mar plantado. A pequena localidade é conhecida não só pela fama dos seus vinhos, licores e aguardentes, mas também pelas frutas – figos, nozes, laranjas, maçãs, castanhas e ananases – que aqui são cultivadas, mesmo ao nível do mar. A cada passo dado, é toda uma nova perspetiva que se abre, seja sob a forma de uma cascata, de um vislumbre do Pico ou simplesmente pela tonalidade do mar, sempre diferente, consoante o ângulo do qual se observa. Num constante sobe e desce, sempre com o oceano em fundo, o destino seguinte é a Fajã dos Vimes, também conhecida por ter "a única plantação de café da Europa". Depois de um agradável trote ao nível do mar, é agora hora de subir à crista desta ilha em forma de dragão, como diziam os antigos, naquele que é um dos troços mais duros. Trata-se de uma parede, mas com alguns degraus escavados na rocha, sob a densa vegetação. Já se sabe que para chegar ao céu são necessários alguns sacrifícios e é verdadeiramente uma imagem do paraíso, a que se observa, mal se começa a descer a Serra do Topo, em direção a uma das mais bonitas fajãs de São Jorge (e porventura a mais conhecida), a de Santo Cristo. Sem acesso a automóveis, os únicos meios de transporte são o barco e as moto 4, que nos últimos anos substituíram os tradicionais burros. Ou, claro, a pé, através daquele que é o mais conhecido e percorrido percurso pedestre de São Jorge. Tem início a cerca de 700 metros de altitude, descendo-se através de ingremes pastagens, com passagem por diversas cascatas de água cristalina, que convidam a interromper momentaneamente a corrida para um refrescante mergulho.

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Ao longe, avista-se finalmente a Fajã, com o seu casario disperso ao longo da lagoa de água salobra e sujeita às marés, onde se reproduzem as famosas amêijoas da lagoa de Santo Cristo. É ainda hoje um mistério como terão sido introduzidas. Sabe-se que já lá estão há mais de 100 anos e que aqui encontraram um habitat perfeito, como se constata pelo seu generoso tamanho. Sempre num constante sobe e desce, o percurso continua agora de novo junto à costa, com passagem pelas fajãs dos Tijolos, do Belo e dos Cubres, uma das mais bem preservadas de toda a ilha, onde também existe um sistema lagunar. Desde da Serra do Topo até este ponto são cerca de 10 km, mas que parecem muitos mais, não tanto pelo esforço físico, mas mais pelo que se vê e se sente. A partir daqui, continuamos ao longo de mais 10 km, acompanhando a cordilheira montanhosa da zona central da ilha, com passagem pelos picos do Pedro e da Esperança, o mais elevado da ilha, com 1053 metros de altitude, para terminar de novo junto ao mar na Fajã do Ouvidor, com mais um retemperador mergulho na Poça Simão Dias.

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COMER

O Amilcar

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Fajã do Ouvidor, Norte Grande, Velas. T. 295417448

Tasca Zé do Porto

Rua da Matriz, 4, Velas. T. 295412040

DORMIR

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Abrigo da Cascata

Fajã do Cavalete, 8, Calheta. T. 936250231

Caldeira Surfcamp e Guesthouse

Fajã da Caldeira, Ribeira Seca, Calheta. T. 912517001 

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Cem quilómetros a correr pelo Triângulo

Teve a primeira edição em 2015 e, desde então, sempre em outubro, o Azores Triangle Adventure atrai até estas ilhas cerca de uma centena de atletas de trail running, uma modalidade de corrida na natureza, para percorrerem, em apenas três dias, 87 quilómetros pelos trilhos de Pico, São Jorge e Faial, por esta ordem. Este ano realiza-se no último fim de semana de outubro, a 25, 26 e 27. "O objetivo principal desta prova é exatamente o de promover os trilhos dos Açores como um produto turístico de excelência", diz o diretor da prova, Mário Leal, que tem conseguido inserir o arquipélago no mapa internacional desta modalidade. Além do Azores Triangle Adventure, Mário já organizou também provas nas Flores, Corvo, Graciosa, Santa Maria e no Faial, a sua ilha natal, onde tudo começou em 2014, com a realização do primeiro Azores Trail Run, que desde então acontece sempre em maio. Na última edição estiveram presentes quase mil atletas de três dezenas de nacionalidades, para participar em provas que vão dos 10 aos 125 quilómetros. "O objetivo é termos distâncias para todo o tipo de praticantes, para que cada um, à sua maneira e ao seu ritmo, possa usufruir destes trilhos únicos", explica.

Passear a correr

Para quem pretender percorrer estes mesmos trilhos a correr, mas sem ser num registo de competição, a empresa Caminhos d'Alma tem um programa de nove dias pelas ilhas do triângulo, a lançar no próximo ano, que alia a corrida com outras atividades como a observação de cetáceos ou provas de vinhos.

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