Dizem as más-línguas que os leitores preferem críticas gastronómicas a "bater" nos restaurantes em vez de os elogiar. Se for verdade, esperemos que não fiquem muito desiludidos, porque neste relato há mais luz do que sangue. Sim, também houve quedas – os mais impiedosos que não se preocupem −, mas, no geral, a experiência foi muito agradável. Como deveria ser sempre.
O Santa Joana é a grande novidade da cena gastronómica lisboeta e marca o regresso a casa de Nuno Mendes, um dos mais acarinhados chefs portugueses, depois do sucesso em Londres (o Viajante, Chiltern Firehouse, entre outros) e de uma passagem pelo Bairro Alto Hotel. "Quero homenagear a nossa história mercantil – onde fomos, onde estivemos, o que levámos e trouxemos", explica o chef, acrescentando: "Lisboa mudou muito. Há uns anos, quase não se falava de uma linguagem gastronómica portuguesa nos menus, mas agora celebra-se muito mais o produto e os sabores nacionais." A afirmação define bem a intenção por trás desta nova aventura.
Localizado no hotel Locke, o maior projeto de um grupo britânico com 15 moradas espalhadas pelo Reino Unido e Europa, o restaurante está a dois passos do Marquês de Pombal, no antigo Convento de Santa Joana. O hotel inclui nove espaços gastronómicos – seis bares, dois restaurantes e um café –, todos abertos a locais e turistas.
O Santa Joana é, evidentemente, a estrela principal e por isso ocupa uma posição privilegiada na antiga igreja do convento − um espaço de "notável qualidade arquitetónica", como destaca o património cultural da Câmara de Lisboa. Durante as obras, recuperaram-se vários elementos em alvenaria e azulejos, sobretudo no exterior, que contrastam com o interior contemporâneo desenhado pelo catalão Lázaro Rosa-Violán. Outro nome reconhecido por todo o mundo, e que em Portugal é mais famoso pelos projetos no JNcQUOI e Rocco.
Lá dentro, a altura dos tetos abobadados amplia o espaço, enquanto as enormes janelas inundam o ambiente com luz natural. À noite, o restaurante transforma-se num espaço mais intimista e boémio, com uma iluminação suave e plantas a criar divisões naturais. Nas paredes, criações em grande escala de artistas portugueses como Carolina Vaz ou Tatiana Ferreira da Pareidólia assumem uma dimensão quase religiosa pela dimensão.
As mesas apostam no tampo de mármore tradicional, despido, e a loiça é ainda mais surpreendente: uma miscelânea de peças vintage típicas das velhas casas portuguesas, compradas nos Emaús. Um tributo à tradição e um compromisso com a sustentabilidade.
Uma carta a Lisboa, com amor
Finalmente o mais importante: a comida. A carta é ligeiramente mais complexa do que na maioria dos restaurantes, dividindo-se em Acepipes, Bar de Ostras (da Ria Formosa, Ria de Aveiro e Sado) e Raw Bar. Só depois surgem as entradas, com sugestão de partilha. Os acepipes incluem opções como corações de galinha grelhados com molho "pica-pau" ou Biquíni de farinheira com tártaro de camarão da costa e algas. No Raw Bar, destacam-se a barriga de atum maturada, o lírio dos Açores com água de peixe fumado, vinho do Porto e cogumelos frescos ou a carne de vaca maturada em tártaro com nabos marinados e pinhões.
Sem querermos ser demasiado descritivos, é difícil não destacar ainda, nas entradas, os mexilhões de Sagres fumados, ou a lula gigante caramelizada, com caril à portuguesa e abóboras assadas.
Alguns destes pratos são muito bons, mas outros, como o lírio ou o tártaro de vaca, são absolutamente sublimes. Quem quiser pode ficar só por aqui, que fica muito bem, mas o mais normal será avançar até aos Principais, onde vamos encontrar opções como o peixe azul do dia com molho holandês de algas ou a presa de porco alentejano com nabos e grelos assados. E para quem está em grupo, destacam-se pratos maiores como o rodovalho grelhado com caldo gelatinoso ou o arroz de marisco com caranguejo e lavagante nacional.
Foi então que se deu…a queda. O coração de couve-flor assado, cebolada doce, azeitonas pretas e batatas Brás prometia ser um prato vegetariano brilhante, mas saiu de cena com estrondo: pesado, desequilibrado, demasiado preparado, quase intragável. Talvez a intenção fosse criar uma bomba de Umami, mas a bomba explodiu-lhes nas mãos. Talvez tivesse sido um erro pontual na cozinha (nenhuma das opções faz muito sentido dada a experiência dos chefs), mas também não conseguimos perceber, porque o serviço − até aqui divertido, esclarecedor e eficiente − resolveu acompanhar a cozinha e desvalorizar os nossos comentários.
Felizmente, as sobremesas devolveram o brilho à experiência. A brigada, comandada por Maria Ramos, uma velha conhecida de Nuno Mendes, apresenta reinterpretações criativas de Papos de Anjo com zabaione de laranja ou arroz doce com ovo gelado no centro e hóstia. Já a mousse de chocolate preto quente, com gelado de leite e creme vai direta para o pódio das sobremesas mais memoráveis.
E para acompanhar…
A carta de vinhos é inteligente, dando primazia a pequenos produtores, focados em castas autóctones, reveladoras do seu terroir. Seja ele nas Canárias, com um Baboso Blanco, ou nos Açores, com um Arinto. Destaque evidentemente, para os nacionais, sobretudo de Lisboa, mas vamos encontrar também algumas pérolas internacionais.
Para terminar a noite, temos os bares do hotel. O Kissaten oferece a maior coleção de whiskies de Portugal, com mais de 100 entradas, e música em vinil. Outra coleção incrível, com um sistema de som a condizer. Inspirado nos bares japoneses, tem um ambiente intimista e diferente do Spiritland, que aposta mais em DJs e cocktails de assinatura, para quem gosta de festa. Só depois de passar num destes espaços é… hora de ir embora.