Prazeres / Lugares

Roteiro em Estremoz. Ponto de partida: Casa do Gadanha

Esta pequena cidade do Alentejo fica a escassos 90 minutos de Lisboa e é o sítio perfeito para fugir do barulho e confusão da praia. Tem sossego, sol, boa comida e bons vinhos, que mais se pode querer? E aqui, estranhamente, a gadanha – ferramenta da morte – devolve anos de vida.

Foto: DR
13 de agosto de 2024 | Madalena Haderer
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No verão, a praia e o mar chamam por nós. O problema é que, quando chegamos lá, descobrimos que milhares de outras pessoas também receberam o chamamento e decidiram responder. Pára-arranca até lá chegar, andar às voltas para arranjar lugar para o carro e acabar a deixá-lo a três quilómetros da praia, vizinhos de toalha com música em altos berros, bolas de berlim esborrachadas e inflacionadas, e, ao fim do dia, quando já está com o stress nos píncaros, as crianças gritam a plenos pulmões porque não se querem ir embora e é preciso persegui-las com a toalha numa mão e a roupa seca na outra durante 45 minutos. É mesmo isto que quer para as suas férias? Não? Foi o que pensámos. 

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Sabe onde é que se está muito bem? Em Estremoz. "Ah, mas isso é no Alentejo e não tem praia." É verdade. Mas há passarinhos, sossego, muito sol, vinho, sítios maravilhosos para comer e para dormir, lugares para estacionar o carro nem se fala, e fica a hora e meia de Lisboa. Estivemos lá 24 horas, para conhecer os projetos de um casal de chefs – Michele Marques e Ruben Trindade Santos – e regressámos com excelentes sugestões para um fim-de-semana bem passado, e se, no fim, não ficar com vontade de transformar esses dois dias em duas semanas, prometemos que enfiamos a viola no saco.

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Comecemos pelo princípio, Michele, brasileira, veio trabalhar para Portugal, para uma empresa que dividia a sua atividade entre Lisboa e Estremoz. Um dia, em 2009, decidiu largar o seu emprego e abrir uma mercearia fina, a Mercearia Gadanha, naquela pacata cidade alentejana, com uma seleção cuidada de vinhos, presuntos, enchidos e queijos alentejanos, além de chás e chocolates artesanais, na maioria, de pequenos produtores da região, que viam assim os seus produtos expostos num único lugar, facilitando a apresentação aos visitantes.

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Michele, que tinha um amor secreto pela culinária, começou por organizar degustações, com tapas e vinhos, mas depressa começou a cozinhar alguns petiscos, todos bem recebidos, e decide tirar um curso de culinária em Itália. É na sequência dessa sua formação que conhece Ruben e acaba a ser sua estagiária no restaurante do hotel Altis. Desencontraram-se, reencontraram-se, deram por si apaixonados e Ruben acabou a rumar a Estremoz, com os planos de um restaurante que tinha idealizado para a Rua do Arsenal e que hoje é o restaurante do hotel Casa do Gadanha – um projeto recente, que abriu ainda durante a pandemia, em que se lançaram os dois.

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Entre uma coisa e outra, Michele conseguiu ampliar o espaço da sua mercearia, transformando-a também em restaurante. Mas sempre quis ter um sítio onde os comensais pudessem passar a noite, depois de bem alimentados e bem regados. Claro que há sítios para dormir em Estremoz, mas nada que entusiasmasse o jovem casal. Achavam que, se tivessem oportunidade, podiam fazer melhor. E foi assim que nasceu a Casa do Gadanha. Compraram uma casa antiga e degradada e restauraram-na com todo o cuidado que lhes foi possível, recuperando tudo o que podia ser recuperado, encomendando ladrilhos que não eram feitos há décadas, e comprando novo o que tinha mesmo de ser novo, mas sempre numa onda clean e minimalista. 

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O resultado final é um pequeno e adorável hotel, com 12 quartos, todos diferentes entre si, e uma sala comum com lareira, que parece mesmo uma casa privada, para onde se convidam os amigos. Fica um exemplo do tipo de trabalho a que o casal se deu para que a Casa do Gadanha fosse muito mais que um hotel: o chão de madeira dessa sala foi resgatado de um camião de lixo, onde o mestre-de-obras o havia colocado depois de o ter arrancado de um dos quartos, com uma Michele em lágrimas a pedir-lhe que o recuperasse – foi restaurado e colocado na sala, peça por peça, como um puzzle.

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O hotel tem ainda uma confortável e luminosa sala de pequenos-almoços que parece uma verdadeira sala de refeições numa casa particular, e um terraço com bar e uma fantástica vista sobre a cidade, o castelo, o pôr e o nascer do sol. Aqui tem sofás, cadeirões, espreguiçadeiras e estamos – ou estivemos – em posição de confirmar que é o sítio ideal para ler um livro enquanto se bebe um copo. Lá em cima tem também um adorável tanque – uma mini-piscina, onde não tem espaço para nadar, mas tem espaço mais do que suficiente para estar de molho.

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Se, entre os deliciosos pequenos-almoços, almoços e jantares – que, vamos ser honestos, foi o que nos levou a Estremoz –, quiser arranjar coisas para se entreter, saiba que vale muito a pena fazer uma visita ao Museu Berardo Estremoz, também conhecido como Museu do Azulejo, precisamente porque abarca 800 anos de história do azulejos com milhares de peças. Começa na azulejaria islâmica e vem por aí fora até chegar aos nossos dias – esta jornalista achou os exemplares da Arte Nova particularmente encantadores, mas isso, como tudo, é uma questão de gosto. Certo é que o lindíssimo edifício que alberga o museu é um local excelente para escapar ao calor da tarde e, melhor ainda, cada bilhete de entrada dá direito a um copo de vinho. Ou seja, no fim da sua visita, pode sentar-se no jardim do bonito pátio interior e provar um vinho da região.

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Por falar em vinho, uma outra excelente opção para passar o tempo em Estremoz – excluindo os óbvios passeios pela cidade e a visita ao castelo – é visitar uma vinha, como, por exemplo, a da Adega do Monte Branco. Aqui poderá fazer de tudo: provas de vinhos; beber um copo no terraço, ao pôr-do-sol, com vista para os montes; almoços e jantares bem regados; e até, por que não?, participar na vindima, com direito a colher os cachos e a pisar as uvas. Se quiser, peça ajuda na recepção da Casa do Gadanha e eles tratam de tudo por si.

E já que estamos de volta ao hotel, falemos então da sua cozinha. Os pratos do restaurante do hotel combinam sofisticação e modernidade, como seria de esperar de alguém com um percurso profissional com passagens por diversos restaurantes com estrelas Michelin. Aqui os pratos são, maioritariamente, para partilhar e põem a tónica nos produtos alentejanos.

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Começámos com os croquetes de pato com mostarda de cenoura; continuámos com as lulas com manteiga fumada e alho francês; seguimos com o atum rabilho com emulsão de ostra e folhas de naturtium; passámos para uma opção vegetariana, com a beringela caramelizada com mel e especiarias, em creme de iogurte, com chimichurri, hortelã e caju; e continuámos com os ovos de perdiz com camarão branco do Algarve, finalizado com chili e cebolinho; mas espere que há mais: ainda houve espaço para o porco preto de bolota com puré de cebola e vinho da madeira, e para a cavala com salada de coentros, pepino e coração de alface.

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Aqui os pratos têm sempre um pendor para a acidez – complementado também com a seleção de vinhos – que, de acordo com o chef Ruben, é uma coisa essencial para uma culinária equilibrada. Esta jornalista não sabe dizer se o segredo está na acidez, o que sabe é que este é dos melhores sítios onde se lembra de comer. E ainda nem sequer chegámos às sobremesas: doce de ovos, amêndoa e iogurte queimado; sopa de cereja, mirtilo e gelado de nata; e bolinho de azeite e mel com creme de chocolate branco, morangos passados na brasa, suspiro e granizado de malvarosa.

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Se quiser uma coisa mais rápida e simples e que agrada a gregos e a troianos de todas as idades, pode pedir uma pizza napolitana, cozida num forno a lenha como deve ser. E se quiser uma verdadeira experiência gastronómica personalizada, pode pedir um menu de seis momentos, por 55 euros, ou de oito, por 75 euros – preços inacreditáveis para a qualidade dos produtos e o esmero da confecção.

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Este foi o nosso jantar. No dia seguinte, e porque Ruben tenta sempre dispensar os buffets e fazer uma coisa especial todos os dias – a menos que tenha o hotel a abarrotar – fomos presenteadas – éramos um grupo só de mulheres – com um pequeno-almoço personalizado: salada de fruta, iogurte com granola feita em casa e brioche caseiro com ovos mexidos e cogumelos. Quem não se mexeu muito depois disto tudo, fomos nós.

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O almoço – tardio – foi, como não podia deixar de ser, no restaurante da Mercearia do Gadanha, que utiliza muitos dos produtos regionais alentejanos que estão à venda na loja.  A carta oferece diversos pratos tradicionais reinventados pelo olhar criativo de Michele. São exemplo disso os croquetes de borrego e os pastéis de massa tenra com recheio de cação – duas excelentes opções. De seguida, provámos o polvo à lagareiro, as codornizes fritas em azeite e ervas aromáticas, e o bacalhau com broa, com esparregado e batatas a murro – tudo delicioso. A sobremesas – como maçã e poejos ou o mil folhas de chocolate branco e frutos vermelhos – têm uma sofisticação e complexidade que se espera que um restaurante com estrelas Michelin – que este não tem ainda, apesar de estar recomendado no Bib Gourmand.

Regressámos a Lisboa a contragosto e, com escassos 90 minutos de caminho, mal tivemos tempo para nos habituar à realidade. Ajudaram as bolas de chocolate com rum que trouxemos da Mercearia e a garrafa de rosé Alento – o nome acertou na mouche – da Adega do Monte Branco.

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Mercearia do Gadanha | Onde? Largo Dragões de Olivença 84, 7100-457 Estremoz Quando? O restaurante de quarta a domingo das 12h às 15h e das 19h às 23h; mercearia e garrafeira de quarta a domingo das 10h às 23h Reservas mercearia@merceariagadanha.pt ou 268 333 262.

Casa do Gadanha | Onde? Rua Vasco da Gama Nº 2, 4 e 6, 7100-559 Estremoz Quando? Restaurante de sexta a terça-feira 12h30 às 14h30 e das 19h30 às 21h30 Reservas reservas@casadogadanha.pt

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