Prazeres / Lugares

Ritz Madrid, o hotel dos reis, o rei dos hotéis

Mais impressionante do que a longa lista de hóspedes do Ritz em Madrid, é a sua história. Um testemunho de glórias passadas e um exemplo de luxo moderno.

Foto: DR
06 de setembro de 2024 | Bruno Lobo
PUB

"Bem-vindos ao Ritz", saúda o porteiro, com a sua característica casaca cinzenta e sorriso aberto. Será ele que nos vai desviar para uma porta lateral, quando já nos preparávamos para seguir para o lobby?

Por momentos tememos o pior. Conta-se que no Ritz havia uma regra, não escrita, de classificar alguns hóspedes como "NTR", ou "Não Tipo Ritz", o que terá deixado muita gente à porta. Incluindo as mais famosas estrelas de Hollywood. Felizmente não é o caso e somos conduzidos para uma zona mais resguardada, para fazer o check in. A ideia, explicam-nos, foi criar um espaço onde os clientes se sintam mais à vontade para tratar de dados pessoas e cartões bancários. É assim desde os tempos de César Ritz, em 1910.

Foto: Getty Images

Nenhum outro nome evoca luxo e sofisticação na hotelaria como o de Ritz. Vários hotéis por todo o mundo ostentam-no, incluindo Lisboa, mas apenas três foram concebidos pelo homem que, à semelhança de Louis Cartier, ficou conhecido como "hoteleiro dos reis e rei dos hoteleiros":  o Ritz de Paris, na Praça Vêndome, o de Londres e o de Madrid. O próprio arquiteto do Ritz original, o francês Charles Mewès, desenhou igualmente as propriedades de Londres e de Madrid, esta em conjunto com um arquiteto local. 

PUB

Mas falar do Ritz é também falar dos Marquet, a família belga que comprou o hotel em 1926 e o geriu até ao final dos anos 1970, período em que a sofisticação, por vezes, degenerou nalgum snobismo mais irritante, impedindo, por exemplo, as senhoras de frequentar o hotel de calças ou os homens de jantar no restaurante sem gravata. Conta-se que, certo dia, duas senhoras entraram no hotel e dirigiram-se ao bengaleiro, onde despiram as calças que traziam vestidas, continuando depois calmamente para o restaurante, protegidas pelos seus longos casacos. Ninguém sabe se a história é verdade ou mito, mas também não se conhecem outras exceções à regra.   

"Nem tanto ao mar nem tanto à terra", brinca o nosso empregado ao pequeno-almoço, um senhor com mais de trinta anos de casa e alma de Ritz. Enquanto conversávamos, passava ao nosso lado um casal em roupas especialmente garridas e desportivas – ainda por cima em perfeito contraste com a evidente falta de aptidão física. "Sinal dos tempos", conclui com humor, "antigamente, olhavam muito para a cor das roupas. Agora, olham mais para a cor do cartão".  

Algumas regras, no entanto, faziam sentido e o Ritz terá sido o primeiro restaurante a proibir o fumo na sala de jantar.   

Foi durante o reinado dos Marquet que se terá criado a tal regra dos "NTR" que barrou a entrada a muita gente famosa. O processo era muito discreto, lamentando a falta de vagas e passando a reserva para outro hotel que os Marquet possuíam na cidade. Mas nada de particularmente desagradável, porque esse hotel era o Palace – hoje Westin Palace –, ou seja, o bem-estar das estrelas estava mais do que assegurado. Alguns famosos, no entanto, eram muito bem recebidos no Ritz, casos de Sir Lawrence Olivier, pelo sir, ou de Frank Sinatra, de quem os Marquet eram fãs. Outros, ainda, recorriam a expedientes para conseguir alojamento, como foi o caso do ator Jimmy Stewart, cuja reserva feita em nome do "US General James Stewart" pela embaixada norte americana. O ator chegou, de facto, a coronel da Força Aérea, pelo que a diligência da embaixada apenas dourou ligeiramente a pílula e quando o hotel se apercebeu do ardil já nada podia fazer.

PUB
Foto: Getty Images

O caso de Ava Gardner foi especial, e ainda se fala de uma serenata memorável que Frank Sinatra lhe cantou ao piano, no bar. No entanto a atriz ter-se-á apaixonado "demasiado" pela capital espanhola, sobretudo pela sua movida e pelos toureiros, e conta-se que terá sido o seu comportamento, em particular, a provocar a antipatia dos Marquet pela gente do espetáculo. Curiosamente, António Banderas escolheu o Ritz para celebrar o seu primeiro casamento: "Sabia que os atores não eram bem-vindos", contou numa entrevista, "por isso celebrar a festa aí deu-me um prazer especial. E provei, a mim mesmo, que ‘tinha conseguido’". 

Casamentos e núpcias reais 

Terá sido o rei Alfonso XIII o principal mentor − e financiador − do projeto do Ritz. A ideia surgiu-lhe na sua própria boda com a princesa Vitória Eugénia de Battenberg, e na dificuldade em arranjar alojamentos adequados para os convidados. Ora, os melhores hotéis que o rei conhecia eram os dois Ritz, de Paris e Londres, por isso não descansou enquanto não convenceu o hoteleiro a abrir também em Madrid.  Adicionalmente, o advento dos caminhos de ferro estava a tornar as viagens mais curtas, fazendo com que as classes mais abastadas começassem a viajar por lazer, e o rei queria Madrid no centro desse movimento.

PUB
Foto: DR

O hotel acabaria por ser inaugurado a 2 de outubro de 1910 e desde então foi a escolha normal da realeza, de visita à capital espanhola. Notavelmente, Grace Kelly e o príncipe Rainer passaram aqui os primeiros dias da sua mediática lua de mel, mas nunca o Ritz tinha recebido tantos dignatários como durante a boda do bisneto de Afonso com Letícia. Para o último casamento real espanhol, ficaram alojadas no Ritz 54 delegações oficiais (!) e, entre elas as várias famílias reinantes, incluindo as do Reino Unido, Noruega, Suécia, Dinamarca, Marrocos, Japão e Arábia Saudita! Uma prova de fogo passada com distinção, e que terá levado mesmo os sauditas a tomarem a decisão de comprar a propriedade.

Foto: DR

Ritz Mandarin Oriental 

PUB

A aquisição foi feita em joint venture com o grupo de hotelaria de Hong Kong Mandarin Oriental, que se encarregou da administração da propriedade. Foi já sob o olhar dos novos donos que o Ritz fechou portas em 2018, para a maior remodelação da sua história. Foram quase quatro anos de obras, assinadas pelo arquiteto espanhol Rafael de La-Hoz e pelos designers franceses Gilles & Boissier que tiveram uma preocupação evidente em preservar o estilo clássico, de Belle Époque, tão característico dos Ritz originais. Recuperam inclusivamente elementos originais que tinham desaparecido, como o teto envidraçado no Pátio Central, e ao mesmo tempo procuraram suavizar a palete de cores e assumir um design mais moderno e atual. Algo bem evidente nos novos quartos. O hotel conta agora com 100 quartos, menos do que antes, mas ficaram todos maiores, e aumentou também o número de suites (53). Criaram uma zona de Spa, que não existia, com uma lindíssima piscina interior aquecida e paredes em mármore do chão ao teto – que tem feito sucesso no Instagram – dando a ideia de que não estamos realmente numa piscina, mas numa antiga sala que inundou.

Foto: DR

Palm court e secret court 

Foi durante a guerra civil de Espanha que o teto em vidro do átrio central foi totalmente tapado. O Ritz serviu nessa altura como hospital de campanha e centro de abrigo para algumas famílias que perderam as suas casas nos bombardeamentos e nunca mais ninguém tocou no teto. As obras devolveram a antiga glória ao centro do hotel, que passou também a chamar-se Palm Court, como na propriedade inglesa. Por aqui servem o tradicional chá da tarde, o pequeno-almoço e snacks ao longo do dia. Toda a gastronomia do Ritz passou para as mãos de Quique Dacosta, seja aqui ou no Deesa, o restaurante de fine dining onde a mão do chef é mais evidente (e conta já com duas estrelas Michelin). Também reaberto, o Járdin del Ritz, serve refeições mais leves, numa esplanada com vista para o Museu do Prado. Passou a estar aberto todo o ano, desde que o tempo o permita.  

PUB

Sem querer ficar para trás, os dois bares assumem igual protagonismo: o Champanhe Bar na zona mais mais recatada do Palm Court, e o Pictorial, com a sua galeria de retratos renascentistas, mas com diferentes personalidades atuais da cultura espanhola, fazendo a ligação ao facto de o hotel estar no centro do chamado Triângulo das Artes, mesmo ao lado do Prado e do Thyssen Bornemisza, e a dois passos do Reina Sofia. É bem capaz de ser o bar de cocktails mais bonito da cidade.

Foto: DR

Como curiosidade, o Deesa oferece ainda uma sala secreta, chamada de Condesa Maslov, o nome de código dado pela espia Margaretha Geertruida Zelle, aka Mata Hari, quando aqui se alojou, entre 1916 e 1917.  

O grupo Mandarin Oriental trouxe evidentemente toda a sua experiência, saber fazer, e requinte oriental ao Ritz, mas é bom perceber que mantiveram o nome Ritz em destaque, seja na fachada do hotel ou nos copos e faqueiros gravados com o logotipo antigo. É bom perceber também como fizeram questão de manter a maioria do staff mais antigo, seja na porta ou nos restaurantes, nas relações-públicas ou em tantos e tantos funcionários que atuam nos bastidores para que nada falte aos hóspedes. É assim que se mantém a alma de um hotel. Mesmo modernizando-o.  

PUB