Prazeres / Lugares

O paraíso é um tanque de água quente numa estufa de ananases

O hotel Senhora Rosa abriu há três anos, mas tem uma história longa. Começou como plantação de laranjas no século XVIII, foi uma estalagem, faliu e agora a nova geração conseguiu retomar a posse da propriedade. É, ao mesmo tempo, um refúgio no meio do verde, e uma casa de família.

Foto: DR
Ontem às 10:46 | Madalena Haderer
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Para quem quer fugir do mundo e gosta de se esconder no meio do verde, o arquipélago dos Açores, com as suas nove ilhas cor de esmeralda, é sempre boa opção. Quando as estrelas de duas famosas séries do Netflix escolhem um hotel numa dessas ilhas para recuperar das tribulações da jornada, vale a pena prestar atenção e ir lá ver o que é que tem de especial. Neste caso, falamos do hotel Senhora da Rosa, em São Miguel, e não chegam os dedos das duas mãos para contar as maravilhas que lá encontrámos. Ainda assim, se pudéssemos indicar só uma, seria esta: um tanque de água quente no meio de uma estufa de ananases. Se isto não é luxo...

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O Senhora da Rosa Tradition & Nature Hotel – nome completo – é um projeto que fez três anos em ano, mas que tem muitos mais anos de história. É uma quinta do século XVIII onde havia uma plantação de laranjas. Em 1994, os pais de Joana Damião, uma das atuais proprietárias do hotel, decidiram transformar a quinta numa estalagem. Mariana Oliveira, prima de Joana e atual diretora de alojamento e gestora de qualidade, que nos recebeu, ainda se lembra de, quando era pequena, correr pelos corredores e pelos jardins e de brincar por ali, com as outras crianças da família. E eram as mulheres da família, mães, tias e avós dessas crianças, que cozinhavam para os viajantes e turistas que ali pernoitavam. Correu tudo muito bem até que, por uma razão ou por outra – nem sempre a memória consegue resgatar informações que não querem ser resgatadas –, começou a correr mal. O negócio passou por um processo de insolvência e a família perdeu a propriedade da quinta. Um espinho na carne que lá permaneceu até que as crianças cresceram – a Joana e o irmão, o ator Miguel Damião, com a ajuda de outro investidor – e conseguiram retomar posse da quinta, trazendo-a de volta para a esfera familiar – prova de que enquanto há vida, há esperança.

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E, de facto, andar pelo hotel é como deambular por uma grande casa de família. Os quartos são mais modernos e padronizados, ainda que com algumas peças que remetem para a ancestralidade do local, mas é nas zonas comuns que se escondem os tesouros. Todos os elementos da família contribuíram com peças antigas para a decoração do espaço: candeias, castiçais, formas de bolos, pequenos objetos agrícolas, tudo o que ajude a contar a história da herdade. Depois de a quinta ter escapado por entre os dedos, nota-se que há um grande cuidado em manter tudo muito próximo, debaixo do olhar atento da família. Não espanta, por isso, que o design de interiores tenha ficado a cargo da decoradora Lili Damião – mãe de Joana e de Miguel –, que dispôs plantas em locais estratégicos, trazendo o verde para dentro do hotel, juntou móveis antigos e contemporâneos, recuperou peças caídas em desuso como elementos decorativos, inspirando-se sempre nas cores da natureza.

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O hotel tem 35 quartos, todos com pequenos pátios ou varandas com vista para a natureza. Quem quiser privacidade a sério, e aquela sensação de ser uma espécie de David Attenborough no meio da vegetação, tem de ficar num dos dois garden lodges, carinhosamente conhecidos como cafuões porque recriam, precisamente, as antigas estruturas de madeira, construídas sobre estacas, que eram usadas para armazenar cereais e que são assim chamadas nos Açores. Foi num destes lodges que ficou instalada Úrsula Corberó, a famosa Tóquio da série Casa de Papel. E já que falamos do Netflix, Pêpê Rapazote, Albano Jerónimo e Maria João Bastos, que fizeram parte do elenco da série Rabo de Peixe, ficaram também instalados no hotel Senhora da Rosa, durante as filmagens.

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Tal como na Unesco, também aqui há patrimónios imateriais. Encontramo-los num dos restaurantes do hotel, o Magma. Para construir a nova carta, o chef Duarte Rodrigues juntou-se com todas as mulheres da família. Mães, tias, avós, primas, todas contribuíram com as suas receitas tradicionais e com os seus truques de culinária. Marcou-se um dia e foram todos para a cozinha. Uma animação. Foi assim que pratos típicos dos Açores, como Chicharros Casados (com um recheio à base de pão que faz lembrar as migas), os Sonhos de Bacalhau com Arroz de Tomate – que, sinceramente, metem os continentais pastéis de bacalhau num chinelo –, as Assaduras de Porco, e a Sopa Real, uma sobremesa fresca à base de pão de ló e leite creme, foram parar à lista.

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Boa parte destas receitas pertencem à lista dos pratos para partilhar, uma excelente forma de experimentar a gastronomia da ilha. Coisas que podem parecer estranhas como Pica-pau de Moreia (9 euros) ou Ananás com Morcela (12 euros), mas que vale a pena provar. Se não se estiver a sentir aventureiro, fique-se pelos Chicharrinhos Casados (8 euros), pelos Peixinhos da Horta (7 euros) e pelos Pastéis de Massa Tenra de Alheira de Santa Maria (6 euros), que são uma maravilha. E, claro, o Bolo Lêvedo e Queijo da Ilha de São Jorge (9 euros) nunca pode faltar.

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Como passámos lá um fim-de-semana, tivémos tempo para, num dia, provar estas iguarias ancestrais e, no outro, experimentar um mais ortodoxo menu de degustação de cinco momentos com wine pairing. E em ambas as alturas, uma vez ao almoço e outra ao jantar, estavam presentes grupos de locais, o que, como se sabe, é o teste do algodão da restauração: um bom restaurante é aquele que não atrai só turistas, mas sobretudo gente da terra – os restaurantes do Senhora da Rosa passaram o teste. Uma tendência que, de acordo com Mariana Oliveira, se impôs logo em 2021, aquando da abertura dos espaços, porque, cortesia da pandemia, as pessoas estavam fartas de estar fechadas em casa e algumas, apesar de viverem por ali, até reservavam uma noite no hotel para poderem jantar fora e arejar as ideias. O hotel, de resto, fica a escassos 10 minutos de carro do centro de Ponta Delgada.

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Mas voltemos ao menu de degustação (opção de quatro momentos por 45 euros ou cinco por 55 euros). Começámos com Sonhos de Bacalhau como amuse-bouche – e a bouche ficou tão encantada que teria comido um alguidar –, seguido de Ceviche de Peixe Porco com Suco de Maracujá, Raviolis de Ananás e Camarão, Raia em Molho de Fricassé com Risoto de Lima e Baunilha. A opção de carne foi um Bife de Vaca com Esmagado de Batata Doce, Cogumelos e Legumes salteados. A sobremesa foi uma típica Sopa Real. Tudo delicioso e bem confecionado.

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No restaurante Magma pode também aproveitar o brunch aos domingos, que é servido entre as 11h30 e as 15h – infelizmente, o nosso voo obrigou-nos a sair mais cedo. E no bar, com o mesmo nome e paredes meias com o restaurante, pode usufruir do serviço de chá, servido todos os dias entre as 15h30 e as 17h30.

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Já no restaurante Mirante – tem este nome porque era o sítio altaneiro de onde se viam chegar os barcos que vinham buscar as laranjas – tivémos direito a um festim de sushi. Aqui, escolha de acordo com as suas preferências, se for um conhecedor de sushi, ou opte pelo menu de Seleção do Chef com 18 ou 16 peças de sushi e sashimi (32 ou 55 euros, respetivamente), ou pelo menu Omakase de oito momentos (65 euros). Pedro Rosa é o chef residente do Mirante e tudo o que ele seleciona está bem seleccionado. Aqui, fruto da posição privilegiada, pode deixar-se encantar pelo pôr-do-sol, aproveitando para beber um cocktail no terraço, antes do jantar. Aliás, não é por acaso que o nome completo deste restaurante é Mirante Rooftop Bar.

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E o que é que uma pessoa faz por aqui quando não está a comer? Pode fazer como nós e aventurar-se num tour de buggy pela ilha. Tivemos o Tiago Branquinho da Vita Azores como guia e motorista e não podia ter sido mais divertido. Vimos a Lagoa das Sete Cidades, o Muro das Nove Janelas, o Miradouro da Vista do Rei, vacas, cavalos, um hotel abandonado. E quando não conseguíamos ver nada, por causa do nevoeiro, o Tiago preenchia a espera e o silêncio com histórias hilariantes e rocambolescas – até nos pôs a comer flores! E foi ele que sugeriu que experimentássemos o ananás com morcela. Se é o tipo de pessoa que aprecia andar a acelerar em curva e contracurva, colina acima e colina abaixo, como se estivesse num rally, o Tiago é o condutor para si. Este passeio tem a duração de quatro horas e custa 69 euros por pessoa.

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Mas, isto, só se quiser sair do hotel. Se não quiser, para começar, tem uma sala comum adorável com sofás confortáveis e uma estante cheia de livros. Depois, tem uma propriedade enorme, cheia de árvores, arbustos e flores por onde pode passear livremente sem ser incomodado. Mais importante que tudo, tem o Musgo, o spa do hotel, onde pode fazer uma massagem com vista para o jardim. Tem também à sua disposição sauna e banho turco e uma zona de relaxamento onde poderá tomar um chá e ver as nuvens passar. Seria aqui que esta jornalista teria ficado, placidamente a ouvir os passarinhos, se não tivesse encontro marcado com o tanque de água quente na estufa de ananases. Primeiro houve uma certa relutância… Será que estão lá outros hóspedes? Quem é que quer fazer conversa de circunstância, em trajes menores, dentro dum tanque? Mas há horas de sorte – duas horas e meia, para ser mais precisa. Não apareceu ninguém: deu para relaxar, para meditar, para chapinhar, cantar, dançar, pular, boiar, fazer imersão. 

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Morada: Rua Senhora da Rosa, 3, 9500-450 Ponta Delgada Horários: Restaurante Magma: aberto todos os dias | pequeno-almoço das 7h às 11h | almoço das 12h30 às 15h | brunch aos domingos das 11h30 às 15h | jantar de quinta a segunda das 19h às 23h | Mirante Rooftop Bar: aberto de terça a sábado das 19h às 23h Contactos: Telefone: 296 100 900 | Email: info@senhoradarosa.com Estadias: Preços a partir dos 140 euros por noite.

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