Prazeres / Lugares

Le Bleu: A ilusão dos sabores do chef Kiko Martins

Com pratos que desafiam as convenções e descrições poéticas que estimulam os sentidos, o restaurante em Campo de Ourique apresenta-se como sendo uma experiência culinária que combina técnica apurada e criatividade desmedida.

Foto: DR
03 de outubro de 2024 | Safiya Ayoob
PUB

Lisboa já estava coberta por um céu negro quando atravessámos as portas do mais recente espaço do chef Kiko Martins: o Le Bleu, em Campo de Ourique. Ao entrar, somos imediatamente cativados por um festival visual que nos desconcerta. Será o bar, iluminado pela exposição de garrafas, que mais impressiona? Ou a decoração 3D das paredes, que evoca o mar? Talvez sejam os sofás em azul profundo a criar uma atmosfera relaxada, ou as cadeiras cobertas com padrões de plantas, que nos trazem de volta à terra, quebrando subtilmente o tema marítimo.

Foto: DR

No entanto, não estamos aqui para falar da decoração, por mais distinta que seja. Viemos, claro, pela comida. No Le Bleu, nada é o que parece, como descobrimos ao passar os olhos pelo menu. Entre os pratos com nomes intrigantes, destaca-se o "Pastel de Nata" de Enguia, acompanhado pela descrição: "Como os portugueses do séc. XV, a enguia é uma navegadora. Vem do Atlântico Norte, passa pelo Caribe e termina a viagem nos rios de Portugal. Neste prato improvável e viciante, juntamos a enguia a outro símbolo da portugalidade, o pastel de nata. Doce ou salgado?". Este é apenas um exemplo das descrições envolventes que acompanham cada prato, convidando-nos a uma viagem imersiva através dos sabores.

Foto: DR
PUB

"Não é um restaurante para o dia a dia, nem para comida democrática. Este espaço tem mais a ver comigo", confidencia-nos o chef. O conceito aqui passa por fugir ao que já conhecemos dos seus outros restaurantes — O Talho, O Boteco ou Las dos Manos, entre outros. Kiko Martins quis elevar a técnica e dar ao produto o protagonismo absoluto. "Tenho 45 anos e ainda muito caminho para percorrer. Não me sinto com vontade de encostar as botas. Sinto uma enorme vontade de continuar a criar, a trabalhar, e, acima de tudo, de evoluir gastronomicamente." 

E técnica é o que não falta em cada prato que provámos. Desde o início, ficou claro que o convencional não tem lugar aqui. O couvert foge à norma, apresentando um brioche folhado, gougère de comté, torradas de baguete, manteiga com flor de sal, dip de anchovas e espargos (€3,95). Uma combinação invulgar, mas que resulta perfeitamente.

Foto: DR

"A ideia foi criar snacks divertidos em formato de bites", explica o chef sobre as entradas, todas pensadas para serem comidas à mão. Provámos quatro das sete opções do menu. Começámos com o Nigiri de Lírio e Marshmallow (2 uni., €8,40), onde o tradicional arroz é substituído por um caldo de peixe em formato esponjoso, que liberta sabor ao ser mordido. Seguiram-se as Ostras da Ria Formosa (2 uni., €8,90), a preferida, uma ilusão gastronómica, com as ostras cozinhadas e apresentadas numa casca comestível, cobertas por espuma de ostra. O interior esconde sabores intensos, como o toque picante dos jalapenhos. Depois, experimentámos as Gambas do Algarve com Tapioca Crocante (2 uni., €8,60), que impressionam pela apresentação, com uma espinha de peixe comestível feita de tinta de polvo. Terminámos as entradas com um clássico reinventado: Bacalhau à Brás (2 uni., €9,30). Servido em duas dentadas crocantes e cremosas, manteve o sabor tradicional, mas em forma de snack.

PUB
Foto: DR
Foto: DR

Apesar de ser uma terça-feira, o restaurante estava quase lotado. Kiko circulava entre as mesas, explicando pessoalmente o processo criativo por detrás de cada prato. O entusiasmo pelo novo projeto era palpável. Para o chef, o Le Bleu é quase um regresso às suas origens, onde o foco está inteiramente na cozinha. O prato principal, o Wellington de Pregado e Camarão Black Tiger (€76,30), é prova disso. Depois de várias revisões — "foi testado mais de 30 vezes" —, o resultado final é servido à mesa pelo próprio chef, que corta delicadamente a massa folhada antes de trocar a faca para fatiar o peixe. Acompanhado por um coração de alface grelhado, o prato é uma sinfonia de texturas, desde o crocante da massa até à suavidade do pregado.

Foto: DR

Nenhuma refeição está completa sem algo doce, e o Le Bleu tem quatro sobremesas, das quais provámos três: Mousse de Crème Fraîche com Granizado de Romã (€7,40), Cremoso de Pistacchio com Goma de Maracujá (€8,90) e o Mont-Blanc de Chocolate com Cereja de Avelã (€9,40). Todas têm em comum o equilíbrio de "três sabores por prato". Como nota final, fica a sugestão do chef: para acompanhar a sobremesa, peça um Pain au Chocolat. Não se trata, contudo, da famosa viennoiserie, mas sim de um cocktail que recria os mesmos sabores de forma inesperada.

PUB
Foto: DR

Onde? R. Saraiva de Carvalho 131, 1350-302 Lisboa. Quando? Todos os dias, 19:00-23:00. Sexta e sábado, 12:00-15:00. Reserva?  211370107

PUB