Lisboa já estava coberta por um céu negro quando atravessámos as portas do mais recente espaço do chef Kiko Martins: o Le Bleu, em Campo de Ourique. Ao entrar, somos imediatamente cativados por um festival visual que nos desconcerta. Será o bar, iluminado pela exposição de garrafas, que mais impressiona? Ou a decoração 3D das paredes, que evoca o mar? Talvez sejam os sofás em azul profundo a criar uma atmosfera relaxada, ou as cadeiras cobertas com padrões de plantas, que nos trazem de volta à terra, quebrando subtilmente o tema marítimo.
No entanto, não estamos aqui para falar da decoração, por mais distinta que seja. Viemos, claro, pela comida. No Le Bleu, nada é o que parece, como descobrimos ao passar os olhos pelo menu. Entre os pratos com nomes intrigantes, destaca-se o "Pastel de Nata" de Enguia, acompanhado pela descrição: "Como os portugueses do séc. XV, a enguia é uma navegadora. Vem do Atlântico Norte, passa pelo Caribe e termina a viagem nos rios de Portugal. Neste prato improvável e viciante, juntamos a enguia a outro símbolo da portugalidade, o pastel de nata. Doce ou salgado?". Este é apenas um exemplo das descrições envolventes que acompanham cada prato, convidando-nos a uma viagem imersiva através dos sabores.
"Não é um restaurante para o dia a dia, nem para comida democrática. Este espaço tem mais a ver comigo", confidencia-nos o chef. O conceito aqui passa por fugir ao que já conhecemos dos seus outros restaurantes — O Talho, O Boteco ou Las dos Manos, entre outros. Kiko Martins quis elevar a técnica e dar ao produto o protagonismo absoluto. "Tenho 45 anos e ainda muito caminho para percorrer. Não me sinto com vontade de encostar as botas. Sinto uma enorme vontade de continuar a criar, a trabalhar, e, acima de tudo, de evoluir gastronomicamente."
E técnica é o que não falta em cada prato que provámos. Desde o início, ficou claro que o convencional não tem lugar aqui. O couvert foge à norma, apresentando um brioche folhado, gougère de comté, torradas de baguete, manteiga com flor de sal, dip de anchovas e espargos (€3,95). Uma combinação invulgar, mas que resulta perfeitamente.
"A ideia foi criar snacks divertidos em formato de bites", explica o chef sobre as entradas, todas pensadas para serem comidas à mão. Provámos quatro das sete opções do menu. Começámos com o Nigiri de Lírio e Marshmallow (2 uni., €8,40), onde o tradicional arroz é substituído por um caldo de peixe em formato esponjoso, que liberta sabor ao ser mordido. Seguiram-se as Ostras da Ria Formosa (2 uni., €8,90), a preferida, uma ilusão gastronómica, com as ostras cozinhadas e apresentadas numa casca comestível, cobertas por espuma de ostra. O interior esconde sabores intensos, como o toque picante dos jalapenhos. Depois, experimentámos as Gambas do Algarve com Tapioca Crocante (2 uni., €8,60), que impressionam pela apresentação, com uma espinha de peixe comestível feita de tinta de polvo. Terminámos as entradas com um clássico reinventado: Bacalhau à Brás (2 uni., €9,30). Servido em duas dentadas crocantes e cremosas, manteve o sabor tradicional, mas em forma de snack.
Apesar de ser uma terça-feira, o restaurante estava quase lotado. Kiko circulava entre as mesas, explicando pessoalmente o processo criativo por detrás de cada prato. O entusiasmo pelo novo projeto era palpável. Para o chef, o Le Bleu é quase um regresso às suas origens, onde o foco está inteiramente na cozinha. O prato principal, o Wellington de Pregado e Camarão Black Tiger (€76,30), é prova disso. Depois de várias revisões — "foi testado mais de 30 vezes" —, o resultado final é servido à mesa pelo próprio chef, que corta delicadamente a massa folhada antes de trocar a faca para fatiar o peixe. Acompanhado por um coração de alface grelhado, o prato é uma sinfonia de texturas, desde o crocante da massa até à suavidade do pregado.
Nenhuma refeição está completa sem algo doce, e o Le Bleu tem quatro sobremesas, das quais provámos três: Mousse de Crème Fraîche com Granizado de Romã (€7,40), Cremoso de Pistacchio com Goma de Maracujá (€8,90) e o Mont-Blanc de Chocolate com Cereja de Avelã (€9,40). Todas têm em comum o equilíbrio de "três sabores por prato". Como nota final, fica a sugestão do chef: para acompanhar a sobremesa, peça um Pain au Chocolat. Não se trata, contudo, da famosa viennoiserie, mas sim de um cocktail que recria os mesmos sabores de forma inesperada.
Onde? R. Saraiva de Carvalho 131, 1350-302 Lisboa. Quando? Todos os dias, 19:00-23:00. Sexta e sábado, 12:00-15:00. Reserva? 211370107