Prazeres / Lugares

Há uma (belíssima) Comporta para todos

O Independente Comporta está na costa mais cobiçada do país, mas tem um conceito de luxo autêntico e acessível, com preocupações ecológicas e uma ideia de comunidade. Ficámos fãs.

Foto: Kerry Murray
23 de agosto de 2024 | Patrícia Barnabé
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Todos os projetos do Independente estiveram um passinho à frente. Os irmãos d'Eça Leal aventuraram-se em Lisboa, em São Pedro de Alcântara, ainda esta não estava na grande mira do turismo e dos gaviões da hotelaria, e construíram um conceito desempoeirado, moderno e acessível de hospitalidade. Poucos quartos e bem cuidados, bons restaurantes que lançam jovens chefs e as portas abertas à cidade. Num tempo em que a capital não conhecia os tiques do cosmopolitismo, já os seus restaurantes piscavam o olho aos visitantes, tanto quanto aos lisboetas, recusando aquela hotelaria que afasta as pessoas. Nos restaurantes do Independente, nomeadamente no Insólito, que vigia a cidade lá bem do alto, passámos a encontrar-nos com o mundo inteiro.

Foto: @Insólito

A ideia dos irmãos d'Eça Leal sempre foi ligar os locais aos viajantes, da forma mais natural possível, e foi isso que encontrámos no seu mais recente projeto, na Comporta. Mais, encontraram uma vontade de reconstituir o espírito de aldeia portuguesa, bela e singela, uma tendência cada vez maior de voltar às origens, num mundo cada vez mais globalizado e indiferenciado. O Independente sai da capital, pela primeira vez, mas entra como deve ser, pé ante pé, na natureza da Comporta. "O eixo Tróia-Melides é um destino que já conhecemos muito bem, onde já passamos férias há mais de 30 anos", diz-nos Duarte d'Eça Leal, em entrevista. Em 2012, tiveram uma pequena guesthouse na Praia da Aberta Nova chamada Uva do Monte, e esta "oportunidade surgiu através de um concurso onde, imediatamente, ficámos fascinados com o master plan e a visão que a Authentic Bicas tinha para aquele local."

Foto: @Independente Comporta
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São 12 hectares de pinhal onde se aninham 40 quartos de hotel, do mais simples, belo, despojado e autêntico. "Tentamos ter atenção com inúmeros detalhes. Por exemplo, em todos os nossos projetos começámos por desenhar as camas. Todas as camas são particulares nos quartos onde se inserem e foram pensadas para ser uma projeção do conceito como um todo." Os seus conceitos "obedecem" a três pilares - "Sleep & Rest", "Eat & Drink" e "Have Fun & Explore" - e "são desenhados a partir destes princípios fundamentais."

Descansar tudo

Catarina Cabral foi quem pensou os interiores do hotel, como acontece, aliás, com todos os espaços do grupo Independente. Das paredes suspendem-se tapetes para os quais a artista Filipa Won, inspirada no ponto de Arraiolos, convidou tecelões alentejanos a criar padrões e motivos. O design inspira-se na humilde tradição portuguesa do sul, no pouco mas em bom e feito à mão, sempre com a preocupação de estimular a criatividade local e evitar o desperdício. Encontramos peças de artes decorativas alentejanas, cadeiras de vime algarvias e peças em madeira sustentável certificada. A iluminação faz-se com arandelas de cerâmica de Melides e os candeeiros foram tecidos em Évora.

Foto: Kerry Murray
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A caminho dos quartos encontram-se sempre árvores de fruto, laranjeiras, ameixeiras que ajudam na privacidade. Mal chegamos ao quarto reparamos na cama de ferro antiga à porta, para longas leituras e espreguiçadelas, uma versão melhorada do banquinho de casa na aldeia. Os pavimentos seguem as técnicas tradicionais da região e sobre eles estão tapetes feitos a partir de garrafas de plástico recicladas. Adorámos tomar banho e lavar os dentes com os produtos 8950 de Eglantina Monteiro, fundadora da Companhia das Culturas, em Castro Marim. São fabricados natural e localmente, sem plástico. Pormenores, onde está quase tudo: a televisão dos quartos esconde-se atrás das cortinas, caso a queiram ignorar estoicamente, e, em vez do robe turco e branco do costume, existem ponchos para os banhos, na piscina ou na felicidade do spa.

Foto: Kerry Murray

Comer e beber em bom

O restaurante Maroto é, por si, uma boa razão para ir ao Independente Comporta. Lá está, o conceito é de partilha e só saem coisinhas boas daquela cozinha. Ficamos logo encantadas com as louças, que são de São Pedro do Curval, os jarros e as canecas em grés são portugueses e esta simplicidade estende-se aos pratos frescos, de uma gastronomia leve, mas robusta, pensada pelo chef Bruno Antunes que diz ter procurado ser "criativo, sem fronteiras, nem barreiras, dignificando a região, a utilização de produtos locais e técnicas tão bem conhecidas pelos portugueses, como a cura ou a utilização do fogo." Uma oferta excelente de entradas onde não faltam ostras, gaspacho com poejo, sopa de peixe, saladas variadas e pratos também para veganos e piscitrianos. O grande destaque está no peixe, ou não estivéssemos na costa, fresquíssimo cru, grelhado, curado, salteado ou numa bela arrozada cremosa à portuguesa. Para relaxar à beira da piscina, o pequeno Bóia torna-se o centro do hotel e serve cocktails, vinhos, pizzas, saladas e sumos, ligeiros como os dias de sol.

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Foto: @Independente Comporta

Os vinhos são 60% nacionais e o resto é europeu, "para não viajarem muito", assegura-nos Duarte D’Eça Leal, sorridente e recostado na simpática esplanada do restaurante. "Procuram seguir uma linha de identificação do terroir, por um lado, e uma oferta mais alternativa. Apesar da carta não ser extensa, procuramos que o Alentejo esteja presente, e vinhos de produtores mais pequenos". Mais uma vez, é garantir o cuidado das coisas bem feitas em pequena escala. A sua vontade é plantar uma vinha com seis hectares e uma horta bio com três hectares para alimentar o restaurante, assim como ter galinhas para os ovos, "e reaproveitar o desperdício do restaurante para alimentá-las", e ovelhas "o pasto e o estrume são os melhores amigos da vinha. E quem sabe fazer queijos e aproveitar os pomares, principalmente a maçã e a pera para fazer cidra", e os seus grandes olhos azuis brilham. Circularidade sempre que possível: querem fazer compostagem do lixo orgânico e não se encontram garrafas de plástico no hotel, são fornecidas umas que enchemos nas diversas fontes da propriedade.

Foto: @Independente Comporta

As maravilhas do spa

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A hotelaria portuguesa já percebeu a importância que tem um spa de qualidade, e o Aura é disso bom exemplo. Tem um menu de cuidados muito específico que cruza técnicas de tratamento e relaxamento, com "toda a liberdade porque o grupo valoriza a comunidade e os produtos locais, e um spa é um cartão de visita, não pode ser igual a um no Norte, numa cidade ou em Espanha", diz-nos Filipa Santos, a diretora do spa, antes de nos pôr as mãos em cima. "Deve ser memorável a experiência." Além da qualidade técnica, trabalha com produtos regionais, como o sal e o arroz da Comporta, o azeite alentejano, a areia e as plantas da zona e a grainha da uva antioxidante. A aromaterapia é a base onde brilham a lavanda e o alecrim, e posiciona o spa numa "vertente holística declarada que trabalha várias áreas, muito ligada às terapias energéticas da medicina tradicional chinesa e do ayurveda", onde se trabalham também os sons e os aromas. Também fazem aconselhamento nutricional e de osteopatia, dão aulas de yoga ou pilates. Para quem prefere ar livre, pode aventurar-se no surf e no stand-up paddle, nas ecobikes do hotel, desenhadas por um holandês em Águeda, fazer passeios a cavalo, de barco ou caiaque.

Um ideia de comunidade

Quando escurece, os hóspedes podem reunir-se à volta de quatro fire pits, temos sempre a sensação de encontro. A ideia é "trazer um pouco o espírito de hostel", explica Duarte. Prova disso é o Casão, uma sala para mil usos com zonas de lazer e de estar, para aulas, provas, eventos, casamentos, conferências, mas também cinema e concertos intimistas. E são muitos os jogos e atividades para as crianças.

Foto: Kerry Murray
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Além da clássica loja de produtos e vinhos selecionados, de um precioso quiosque de verão com a imprensa nacional e internacional, e uma zona para cafés "to go", uma das suas melhores ideias é o mercado de produtores locais, que vai ser lançado no final deste verão. Sob a pérgola à entrada do hotel, estes montam as suas bancas, "muito diversas, para lhes trazer retorno económico e convidarmos as pessoas da Comporta". Querem mesmo "tornar-se uma referência na região". As ideias não faltam e são mesmo bonitas, como a sua coleção de arte feita por doentes do espectro mental, e uma coleção de arte bruta em Portugal, que querem que seja relevante. "Não queremos ser pretensiosos, frios ou desligados, queremos ser mais próximos. Sem barreiras as pessoas fazem tudo com naturalidade, a hospitalidade não se ensina."

Foto: Kerry Murray

Viver na Comporta

Existem ainda 34 villas com vivência autónoma do hotel, pequenos estúdios a casas de família até cinco quartos. São espaços privados cedidos ao hotel quando não estão ocupados, algumas partilham piscinas e a decoração é de Marta Mantero a quem os proprietários deram carta branca. Consta que o projeto prevê mais 34 villas de quatro e cinco assoalhadas, dois campos de ténis e paddle e uma clubhouse com um spa maior, assim como mais 40 quartos de hotel de tipologia superiores Por momento, ficamos a pensar em como se pode perder o espírito de uma aldeia, mas se cuidar da Natureza, talvez consiga. Gostamos do facto de não ser apenas para os happy few: "A acessibilidade, ou a universalidade, da nossa hotelaria esteve sempre como base de tudo. Acreditamos mais em tribos e menos em carteiras. Pela nossa observação, ao longo dos últimos quase 15 anos, há miúdos de 18 anos com mais em comum com os seus avós do que com os seus pares. O inverso também é válido. De uma forma prática, queremos que no Independente seja possível jantar por um valor mais democrático ainda que na mesa ao lado também possa estar um cliente à procura de uma experiência mais robusta, com outras matérias-primas e vinhos mais caros". São possíveis lugares onde todos podem ser felizes.

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