Prazeres / Lugares

Fomos ao Snob. Mudam-se os tempos, ficam os croquetes… E tudo o resto

O famoso bar de tertúlias, que atraía políticos, jornalistas e intelectuais, está de volta. Foi restaurado, mas ficou tudo como era. Nem os preços mudaram. Miguel Garcia, o novo proprietário, fez questão de guardar um menu antigo para poder fazer prova do que diz a algum cliente mais desconfiado.

Foto: DR
Ontem às 22:17 | Madalena Haderer
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Fechou quase sem se dar por isso. Exceto, talvez, os clientes habituais que, durante os dois meses que duraram as obras, não deixaram de aparecer e de bater à porta. Preocupados em saber quando é que o Snob voltava a abrir e, sobretudo, se ia mudar muito. Não mudou de todo. Foi apenas restituído à sua antiga glória. Substituiu-se o que não tinha conserto e tudo o resto foi restaurado. As madeiras foram recuperadas, os latões brilham como nunca, o couro verde das cadeiras e sofás foi renovado. Mantém-se a meia-luz e os recantos discretos e acolhedores onde políticos, jornalistas e intelectuais discutiam abertamente os temas da atualidade ou cochichavam segredos e escândalos. Alguns haviam de aparecer nas páginas dos jornais, a maioria nunca saiu daquelas quatro paredes. O Snob, o famoso bar da rua do Século, casa de tertúlias, bons bifes e excelentes croquetes, voltou a abrir a sua icónica porta verde. Mas só para quem tocar a campainha, que, aqui, a tradição ainda é o que era.

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O Snob abriu em 1964 e fez 60 anos no passado dia 16 de novembro, uma celebração que foi adiada um mês, por bom motivo: festejou-se aniversário e reabertura. Nos últimos anos, era o senhor Albino, irmão do dono original, que mantinha o espaço a funcionar, praticamente sozinho e cansado, depois de mais de 50 anos de trabalho. Era, sem dúvida, tempo de vender, mas não a alguém que destruísse a história e o legado do espaço. Miguel Garcia, que há dois anos comprou e restaurou o também histórico Café de São Bento, sabe qualquer coisa sobre legados. Um amigo comum pô-los em contacto. E o senhor Albino pôde, finalmente, ir gozar a reforma, mas não sem deixar as receitas dos pratos mais emblemáticos do espaço: o bife à Snob, os croquetes e a mousse de manga. O Snob, porém, não é um restaurante, é, isso sim, um bar onde se pode comer. Um sítio onde se vai para ficar porque há tudo que faz falta: sossego, privacidade, conforto, boa comida, e uma carta de bebidas extensa. E está aberto todos os dias até às duas da manhã.

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A carta de bebidas, de resto, foi a única coisa que mudou. Ou, melhor dizendo, triplicou. Agora, há mais de 60 variedades de whiskies, runs e conhaques e um grande foco nos cocktails. E por que é que tudo o resto ficou igual? Miguel Garcia explica: "O Snob não é um lugar para invenções. Não é um lugar de modas. Não é um lugar de tendências. É um sítio que tem de continuar a ser o que sempre foi. Portanto, não vamos estar a lançar cartas novas daqui a seis meses ou daqui a um ano. Ninguém vai chegar aqui e descobrir, com desagrado, que os croquetes desapareceram, ou já não há bife à Snob. Aqui, as pessoas sabem sempre com o que é que contam. Sabem ao que vão. Não há invenções, não há mudanças. Há espaços que têm de ser assim. Há outros espaços que não. Há outros espaços que dependem de invenções, dependem de criatividade, dependem de muita mudança para se manterem vivos. Lugares como o Snob, como o Café de São Bento, têm que permanecer sempre iguais para que o público que os procura não deixe de os procurar. É isto."

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E isto foi o que fidelizou algumas das grandes figuras da cultura e da política portuguesas da segunda metade do século XX e das duas primeiras décadas do século XXI. Isto e o facto de haver uma campainha que os alertava para a chegada de alguém, não fosse o caso de a conversa não ser adequada para esses outros ouvidos. Escritores como José Saramago, José Cardoso Pires e Miguel Sousa Tavares. Cineastas como João César Monteiro e João Botelho. As atrizes Maria do Céu Guerra ou Márcia Breia. Os músicos Carlos do Carmo, Rui Veloso, Camané, Simone de Oliveira ou Maria João Pires. Jornalistas como Octávio Ribeiro, César Camacho, José Manuel Barata Feyo, Fernando Gaspar, Torcato Sepúlveda e Constança Cunha e Sá, e muitos outros, do tempo em que as redações se concentravam por ali, no coração da cidade, e não nos arrabaldes, e que rumavam ao Snob, depois do fecho das edições – bons tempos.

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Frequentaram também o espaço quase todos os presidentes da República como Marcelo Rebelo de Sousa, Jorge Sampaio, Mário Soares ou Ramalho Eanes. Políticos como António Costa, António Guterres, José Sócrates, Mota Pinto e Paulo Portas – o jornalista e o político – foram outros habitués do espaço. E o mais provável é que voltem todos a passar pela porta verde do Snob. Pelo menos, os que ainda estão vivos. Os outros, se os deixarem, se calhar também aparecem. 

Onde? Rua do Século, 178, Lisboa Horário? Todos os dias, das 19h às 2h (a cozinha fecha à 1h) Contacto? 926 459 164

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