Poucos forasteiros terão passado naquela pequena ruela, no extremo este da Horta, junto à ribeira da Conceição, onde se terão estabelecido os primeiros habitantes da ilha. Chama-se Travessa do Mirante e segundo Luís Bicudo, guia da empresa Our Island, será "a rua mais antiga da cidade". O tour que este faialense propõe pela cidade é no mínimo alternativo, pois conduz o visitante por locais menos óbvios, mas igualmente importantes na história do Faial, como o Jardim Florêncio Terra, onde a imponente Torre do Relógio, enquadrada pela montanha do Pico, mesmo em frente, é uma imagem arrebatadora. O passeio continua depois, sempre por ruas secundárias, até à Praça da República, junto ao renovado mercado municipal, onde três enormes auricárias centenárias dão um toque de exotismo ao cenário. À volta vislumbram-se diversos edifícios Art Déco, que são também uma das imagens de marca da cidade, como o antigo quartel dos bombeiros ou a exclusiva Sociedade Amor da Pátria. "Acreditamos num turismo responsável, muito focado na cultura e na natureza", afirma Luís Bicudo, explicando assim o conceito da Our Island, a agência da qual foi fundador. Os mesmos princípios que, há cinco anos, levaram à criação da Associação de Turismo Sustentável do Faial, cujo objetivo passa por "criar um novo paradigma turístico para a ilha do Faial, mais local e menos sazonal", como refere à Must o presidente Pedro Rosa. Partamos então à descoberta desse outro lado da ilha do Faial…
VER E FAZER
Trilhos fora de trilho
São muitos os trilhos existentes no Faial e alguns até bastante conhecidos, como o que circunda a caldeira ou do dos Dez Vulcões, que como o nome indica percorre os principais vulcões da ilha, terminando no mais recente, o dos Capelinhos, cuja erupção, em 1958, acrescentou mais de 2,4 quilómetros quadrados à geografia da ilha, deixando atrás de si um rasto de destruição nas freguesias limítrofes, com casas e campos de cultivo soterrados por cinzas vulcânicas. É para lá que nos dirigimos, na companhia de Luís Bicudo, mas através de um caminho, digamos, mais alternativo. Começamos por percorrer um trilho circular da Rocha da Fajã, à volta da pequena localidade da Fajã da Praia do Norte, um verdadeiro tesouro na costa norte, cuja maior joia é a praia de areia negra, uma das três existentes na ilha, emoldurada por uma imensa falésia basáltica. Daí, pode-se seguir pelo novo trilho que liga a Fajã da Praia do Norte aos Capelinhos, por um caminho de pedra com centenas de anos, "possivelmente construído pelos primeiros povoadores da ilha" e desbravado novamente há dois anos, pela organização do Azores Trail Run, uma prova de corrida em trilhos que aqui se realiza desde 2014, nas distâncias de 25, 42, 65 e 118 km. Para já, esta rota ainda não está marcada no terreno, mas quem a pretender percorrer pode descarregar o trajeto na internet, através da página do Azores Trail Run. Ou então recorrer aos serviços de empresas como a Our Island, que percorrem estes trilhos menos óbvios.
Parque Jurássico Botânico
Situada a pouco mais de mil metros, com dois quilómetros de diâmetro e cerca de 400 metros de profundidade, a Caldeira do faial impressiona pela dimensão. Compreende-se portanto que o percurso do perímetro da caldeira seja um dos trilhos mais percorridos da ilha e compreende-se bem porquê. Tem apenas dois km de extensão, nos dias limpos, e oferece uma vista panorâmica sobre o grupo central, com especial destaque para a o Pico, mas também para São Jorge e mais além para a Graciosa. O maior tesouro esconde-se, no entanto, no seu interior. Formada há cerca de 500 mil anos, esta enorme cratera teve a última erupção há "apenas" 1200 anos e desde então tem permanecido quase intocada. No interior da Caldeira estão representadas mais de 75 por cento das espécies endémicas do arquipélago e devido à necessidade de conservação deste precioso reduto da primitiva Laurissilva húmida, o troço da Descida à Caldeira é o único da ilha, a par do Vulcão dos Capelinhos, que não é de visitação livre, sendo necessária a presença de um guia credenciado pelo Parque Natural – podem ser realizadas até três descidas por dia, com um número máximo de 12 visitantes. A aventura implica percorrer um íngreme trilho, invisível desde o miradouro, que serpenteia pela encosta ao longo de quase um quilómetro. Chegados à base da caldeira, os pequenos arbustos vistos desde o topo, revelam-se, afinal, uma floresta de cedros, dando finalmente a real noção da escala desta imensa cratera, que mais parece saído de um qualquer Parque Jurássico de Hollywood.
Porto Pim e Fábrica da baleia
Para quem chega à cidade da Horta pela primeira vez, aconselha-se um passeio pelos percursos pedestres do Monte da Guia e do Monte Queimado, onde ainda se vêm alguns restos do tempo em a cidade era toda amuralhada. Lá em baixo fica Porto Pim, que como nome o nome indica foi em tempos um importante porto e é hoje o principal centro balnear da ilha. Aí impõem-se também uma visita à renovada Fábrica da Baleia, um complexo situado na encosta do Monte da Guia, integrado no Observatório do Mar dos Açores, que se mantém como um dos melhores exemplares da extinta indústria baleeira açoriana. Além de toda a maquinaria original relacionada com a caça ao cachalote e respetiva transformação, inclui um moderno centro interpretativo, onde está exposto o esqueleto completo de um cachalote fêmea que há alguns anos deu à costa no Faial e foi entretanto batizado de "Carlota, a Cachalota", pelas crianças das escolas locais.
Centro de Interpretação do Vulcão dos Capelinhos
Inaugurado em 2008, é um dos museus mais visitados em todo o arquipélago dos Açores. O arrojado edifício, da autoria do arquiteto Nuno Lopes, fica situado nos pisos térreos do antigo farol, hoje totalmente soterrados pelas cinzas então projetadas, e é composto por vários espaços visitáveis, que permitem reviver, de forma interativa, os fenómenos geológicos que levaram à formação destas ilhas.
COMER E BEBER
Rumar
Este típico café/restaurante/venda de beira de estrada, perto da Praia do Norte, é conhecido em toda a ilha pela Mista Regional, um dos pratos mais típicos dos Açores, desaconselhável a estômagos mais sensíveis, por levar linguiça, morcela e torresmo de vinha de alhos, encimados por um par de ovos estrelados e acompanhado de inhame e batata-doce. Convém esclarecer que a carne servida é de produção própria, tal como os ovos, e a plantação de inhames e batata-doce vê-se da janela da sala de refeições. Até o "vinho de cheiro" servido no jarro é caseiro. Um verdadeiro farm-to-table.
Cantina da Praça
No renovado mercado da Horta, a ida a esta cantina de partilha já se tornou um ritual, tanto para locais como para visitantes. Liderada pelo chefe Sérgio Nazaré, um filho da terra, de 25 anos, antigo colaborador de Vítor Sobral na Peixaria da Esquina, a cozinha da Cantina da Praça pegou "nos deliciosos ingredientes da ilha" e deu-lhes "uma volta" que conquistou os clientes pelo estômago, com pratos como a sopa de peixe, o carpaccio de novilho com queijo da ilha, o pica-pau de atum, o polvo panado ou o brás de linguiça, um dos "pratos de assinatura" da casa.
Mar Sushi Internacional
Do mesmo responsável do Mar Sushi Terrace, na ilha do Pico, este restaurante de sushi, situado num dos edifícios mais icónicos do centro da Horta, o Hotel Internacional, tem também nos peixes do mar dos Açores o seu principal ingrediente, que aqui é degustado num estado quase puro, num sushi de pendor mais tradicional, para melhor se apreciar toda a frescura deste produto de eleição. A oferta varia consoante a safra de cada dia, pelo que o melhor é mesmo optar pela seleção do chef.
Cantinho das Provas
Loja de vinhos, bar também restaurante, assim se pode resumir o projeto de Mariana Silveira e Franz Hutschenreuter, que mais ou menos a meio da Rua Conselheiro Medeiros, uma das principais artérias do centro histórico da Horta, celebra a paixão conjunta do casal pelos vinhos açorianos, aqui harmonizados com imaginativos petiscos de inspiração regional, como são exemplo os cogumelos ostra de produção local com queijo de cabra do Pico ou o atum cor-de-rosa, curado com beterraba. cantinhodasprovas.com
Peter Café Sport
Fez 100 anos em 2018 que o avô do atual proprietário, José Henrique Azevedo, abriu as portas deste lendário estabelecimento, tornado mundialmente famoso a partir da década de 1960, quando a ilha passou a ser ponto de paragem obrigatório para as tripulações de veleiros de recreio, durante as travessias do Atlântico. Além de bar e restaurante, a casa funcionava também como posto de correio para os solitários marinheiros e ainda permanecem por lá algumas caixas com correspondência por entregar. No piso superior do bar fica o Museu do Peter, dedicado ao scrimshaw, a arte de esculpir dentes e ossos de baleia. O gin tónico do Peter tornou-se, entretanto, um verdadeiro ritual para quem chega à ilha, de preferência tomado na esplanada junto à marina, com o Pico em frente.
DORMIR
Azul Singular
Num terreno de família, onde eram cultivadas palmeiras e bananeiras, o casal Pedro Rosa e Antónia Reis abriu o Azul Singular, o primeiro espaço de glamping dos Açores. Ao todo, são oito unidades de alojamento, entre iurtes (tendas tradicionais da Mongólia) e as batizadas "Ata-Desata", umas tendas híbridas pensadas e construídas de raiz para este projeto por Albino Pinho, um arquiteto portuense há muito radicado na ilha. O terreno, com cerca de cinco mil metros quadrados, permanece intocado ao longo de quase três décadas, resultando numa autêntica floresta de palmeiras, situada a apenas cerca de 4 quilómetros da Horta. Pedro fez questão de encaixar as tendas na floresta, sem recurso a máquinas. Isto permitiu ter os alojamentos a uma distância de 30 a 40 metros entre si, garantindo assim a total privacidade dos hóspedes. O empreendimento conta ainda com uma área comum, a casa de vidro, onde se pode relaxar no terraço com vista para o mar, "na companhia de um livro e de uma chávena de chá".
Pátio Horse & Lodge
Quando o alemão Victor Hucke chegou ao Faial, em meados dos anos 90, já tinha o objetivo de se dedicar ao turismo, mas o grande sismo de 1998 acabou por trocar-lhe as voltas, arrasando quase por completo a casa que havia adquirido e começado a recuperar. Decidiu, então, transformar em negócio outra das suas paixões, os cavalos, abrindo uma empresa de férias equestres. Fica na freguesia dos Cedros, na zona norte da ilha, e inclui também uma unidade de alojamento, onde o design contemporâneo se mescla com a tradição da ilha, presente nos móveis de madeira de criptoméria ou nos lavabos em basalto vulcânico. A oferta é variada e direcionada a todo o tipo de público: "De iniciantes sem qualquer experiência a cavaleiros mais hábeis". Quanto ao alojamento, conta com 6 casas, 4 quartos e ainda uma casa principal para grupos ou famílias. Mais recentemente abriu também um parque de campismo, do outro lado da estrada, onde entretanto foram instaladas três "Tiny Houses" em madeira. Dispõe também de sauna, sala de ioga e piscina interior de água salgada.