"Fabricámos imensos chuveiros de vitamina C ao longo do último ano", conta Hamish Brown, da 1508, uma das mais perspicazes empresas de design de interiores de Londres. "Está em linha com a forma como os novos super-ricos preferem viver. O estilo de vida costumava andar à volta do fato e dos grandes relógios Tom Ford, e das idas a restaurantes requintados. Agora, na era da vida digital, a preferência vai toda para as t-shirts brancas, o calçado desportivo branco e o bem-estar", sublinha. Antes era o dinheiro que falava mais alto. Agora é a florescente noção de saúde.
Brown sabe bem aquilo que os super-ricos querem. Além dos chuveiros de vitamina C, que se diz que purificam a água e melhoram a qualidade do cabelo e da pele, existem também os programas quase-essenciais de iluminação circadiana (que reproduzem as propriedades da luz natural, do dia à noite, obedecendo ao ritmo circadiano natural [ritmos diários de 24 horas]).
E apesar de os majestosos sistemas de cinema em casa poderem parecer incompatíveis com o mindfulness, estes consumidores de espaço integrados voltaram a estar na berra. Atendendo a que o trabalho a partir de casa não é apenas parte da vida na era covid, mas também parte de um melhor equilíbrio entre a vida profissional e a vida familiar, um cinema em casa pode ser, durante o dia, perfeitamente adaptado a um espaço de trabalho de onde se podem realizar sofisticadas videoconferências. "Já o fizemos numa casa em Chelsea", diz Brown.
Na qualidade de sócio da 1508, fundada em 2010 com a missão específica de não se conotar a um determinado "estilo de casa" mas sim a uma sensibilidade para a história e para o contexto contemporâneo, Brown tem supervisionado os projetos de topo mais importantes de todo o mundo. Num recente trabalho numa penthouse londrina com 930 m2, a principal preocupação do cliente era o seu espaço de meditação, criteriosamente posicionado para receber os primeiros raios de sol da manhã.
"Tem muito a ver com o conceito ‘ganha a manhã, ganha o dia’. Estas pessoas estão interessadas naquele 1% extra que as coloca mais à frente. Sermos a melhor versão de nós mesmos, comermos os alimentos certos e vencermos".
Os atuais projetos de Brown incluem novas casas enormes no Koweit e em Reiquejavique, bem como o velho edifício do Departamento de Guerra britânico, em Whitehall, intacto desde a sua construção em 1906 (muitas personalidades, desde Lord Kitchener a John Profumo, tiveram ali os seus escritórios), que está agora a ser convertido em 85 apartamentos super luxuosos e num hotel 5 estrelas. "É um vasto projeto transformacional que vai demorar alguns anos", diz.
Uma "vida anti-inflamatória" é primordial para clientes abastados de quase toda a parte. "Estamos a criar embalagens especiais para o carregamento dos telemóveis que eliminam qualquer possibilidade de radiação, obtemos os materiais o mais localmente possível e concebemos tudo o que requeira colas, carpetes contendo qualquer fibra plástica –, tudo coisas óbvias. Mas um novo pedido muito comum tem sido o salão de chá, em vez da clássica garrafeira", conta. Ainda assim, os automóveis continuam a ser uma peça importante e as propriedades mais caras do projeto da 1508 nas Mandarin Oriental Residences de Wilshire Boulevard, em Los Angeles, contarão com "lugares de estacionamento para oito carros, numa zona discreta, com uma área adjacente para conviver com os amigos, num espaço com vidraças para que possam ver o seu Bugatti e passar um bom bocado".
Numa outra casa em Chelsea, Brown diz que a prioridade é separar o controlo da temperatura de cada lado do leito conjugal, já que o marido precisa de ar mais fresco do que a mulher. "Estamos a trabalhar nisso".
"Dormir é o melhor que há", concorda Simon Rawlings, diretor criativo do David Collins Studio, que granjeou fama ao criar casas para muitas estrelas, de Madonna a Gywneth Paltrow, bem como restaurantes e hotéis – o mais recente dos quais foi o novo Nobu Hotel de Portman Square, em Londres, que abriu dias antes do primeiro confinamento.
"É bastante comum haver um quarto de dormir junto a um espaço de trabalho, para que, no caso de trabalhar pela noite fora, não tenha de acordar o seu companheiro quando se vai deitar. Chama-se Snore Room [Quarto para Ressonar], ou será que inventei isto?", graceja Rawlings. A par com as saunas de infravermelhos que estão a ser instaladas com alguma regularidade, predomina também o The Mirror [O Espelho] – a ferramenta digital integrada de fitness, no valor de 1.500 dólares, que, tal como a bicicleta Peloton [que permite simular a experiência do ciclismo num estúdio indoor], vem com um programa de aulas [no espelho vê-se o instrutor e o nosso próprio reflexo a fazer os mesmos exercícios].
Mas Rawlings está convicto de que a verdadeira ênfase, neste momento, está na zona da cozinha. "Mesmo nas casas maiores [com 930 m2, só para terem uma ideia], a cozinha está a tornar-se parte integrante da sala de jantar. E faz sentido – as pessoas estão mais interessadas do que nunca naquilo que comem. Quando vou a casa da Angela Hartnett, que é uma boa amiga minha, confraternizamos sempre na cozinha dela", conta Rawlings. "As pessoas gostam verdadeiramente de mostrar a preparação da sua comida. Quando criámos os pavilhões alimentares do Harrods, colocámo-los em primeiro plano".
A profissionalização da cozinha doméstica atingiu agora o ponto em que os clientes pedem placas de indução em titânio, em que qualquer ponto da superfície reage ao que lhe for colocado em cima, e em que até uma frigideira com um metro pode ser aquecida de forma uniforme, diz Rawlings. E os ultra-congeladores são praticamente a norma [são também chamados de ‘abatedores de temperatura’ porque baixam rapidamente a temperatura dos alimentos confecionados, não permitindo que permaneçam na zona de perigo (+ de 8ºC) e evitando assim fungos e outras bactérias].
Claro que, em cidades como Hong Kong, o espaço é muito valorizado. "Os apartamentos em Hong Kong podem ser super-caros e, ainda assim, não terem suficiente espaço de convívio", afirma Rawlings. Um novo projeto residencial no setor dos New Territories [Novos Territórios, que fazem parte da Região Administrativa Especial de Hong Kong que abrange vários distritos] vai ter cozinhas profissionais no clube do edifício, bem como uma horta do chef na cobertura, para plantas e vegetais. "Penso que até o [hotel britânico] Heckfield Place tem uma quinta. Isso não vai acontecer em Hong Kong".
Nem tão pouco em Nova Iorque, onde Jean-Louis Deniot está a trabalhar na conversão do Waldorf Astoria em 375 apartamentos e 4.500 m2 de espaços comuns. Deniot – um francês super expansivo, que está também a trabalhar na transformação do In and Out Club [clube naval e militar], em Piccadilly, num hotel – tem, talvez, uma visão mais convencional do luxo. Diz que nunca usou materiais sintéticos nem verniz de poliuretano, pelo que nesse campo não tem qualquer problema. (Rawlings, a esse propósito, é fã do linóleo marmoleum, que é feito unicamente de óleo de linhaça).
Deniot preocupa-se mais com a privacidade e intimismo – desde a criação de vastas propriedades com tudo aquilo que um cliente abastado precisa para a subtil localização das salas de estar, e dispersando pequenas zonas de refeição por toda a casa. "Deixemos de passar cinco horas à volta de uma mesa!", diz, quase gritando, para logo em seguida condenar a mera existência do ecrã de televisão.
Com efeito, a eliminação da televisão é talvez o mais próximo que este purista francês está da filosofia Zen. "Eu escondo as televisões: por detrás de um espelho unidirecional ou de um quadro deslizante", exclama. "O ecrã da TV é a coisa menos sexy de sempre! Preferia ver uma tábua de engomar!".
Caroline Roux/ The Telegraph/Atlântico Press
Tradução: Carla Pedro