Prazeres / Lugares

72h no Dubai: uma terra de contrastes. A segunda parte

Este pequeno emirado do Golfo Pérsico atrai visitantes pelas suas praias em exuberantes ilhas artificiais e pelos seus colossos de arquitetura moderna. O que significa que afasta quem prefere destinos mais históricos e culturais, mais isso é um erro. Fomos conhecer o lado B do Dubai.

Foto: DET Dubai
13:08 | Madalena Haderer
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A propósito de colossos da arquitetura, vale muito a pena visitar o Dubai Frame – excepto para quem tem vertigens –, um edifício em forma de moldura dourada, com 150 metros de altura e 93 de largura, que simboliza a conexão entre o passado e o futuro da cidade. Os visitantes podem subir até ao Sky Deck, onde há um piso de vidro transparente – inclusivamente debaixo dos pés de quem por lá se passeia – que oferece uma vista panorâmica incrível: de um lado, o Dubai antigo, com os souks e o Dubai Creek, do outro, o Dubai moderno, com arranha-céus como o Burj Khalifa.

Foto: DET Dubai

E já que falamos no Burj Khalifa, esse ícone da arquitetura e da engenharia, é natural que queira subir até ao seu topo, o miradouro no 148º andar. Razão pela qual esta jornalista tem algumas indicações para si. Primeira e mais importante: esqueça o miradouro. Um pouco mais abaixo, no 122º andar, encontra-se o At.mosphere, um elegante restaurante com vista igualmente panorâmica e, pelos mesmos cerca de 100 euros que custa o bilhete para subir ao topo, fica um pouco mais abaixo, mas confortavelmente instalado e a consumir um delicioso brunch. Para manifesta incredulidade e desconsolo da assessora de comunicação que nos acompanhava, que deve ter pensado "pérolas a porcos" – ou a porcas, no caso – não ficámos maravilhadas com a vista. Havia uma névoa de areia do deserto que limitava muitíssimo o que o olhar abarcava. Era suposto conseguirmos ver a Palm Jumeirah, mas era impossível. Pelo menos, tínhamos um superlativo brunch para nos consolarmos. Além disso, aparentemente, no 148º andar, o vidro é muito grosso, o que também dificulta a visibilidade. Consta que o fim da tarde é a melhor altura para ir porque há menos poeira no ar. Esqueça o brunch e reserve um chá da tarde – porém, não se surpreenda se vir crianças aos gritos, com os pés em cima dos opulentos sofás de veludo enquanto os pais observam impávidos, mastigando de boca aberta. Como já deve ter descoberto por si, o dinheiro não compra boa educação.

Foto: DET Dubai
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O hotel onde ficámos – The Heritage Hotel Autograph Collection – é muito agradável e tem uma excelente localização. Fica perto do Dubai Mall, do Burj Khalifa e da Dubai Fountain – um lago artificial onde todas as noites a partir das seis da tarde, de meia em meia hora até às onze da noite, há um espectáculo de luzes, música e repuxos coreografados que vale a pena ver. E é possível comprar bilhete para andar num barquinho lá pelo meio dos esguichos. Esta é uma zona turística e endinheirada pelo que é bastante segura a todas as horas do dia ou da noite, e a maior parte das pessoas estão vestidas de forma ocidental – decotes e saias curtas é o que não falta. Esta jornalista tem um metro e meio e fez (sozinha) uma caminhada noturna de vários quilómetros, em redor da zona do hotel, na famosa avenida Sheik Mohammed bin Rashid e não se sentiu minimamente ameaçada. 

Foto: DET Dubai

Toda esta volta para regressarmos ao último dia, o dia em que eu e a I. partimos em busca de paus de canela, tâmaras e noz moscada, mas que começou, conforme referido na primeira parte deste texto, com uma viagem de carro, de hora e meia, rumo ao deserto, um périplo organizado por uma empresa chamada Platinum Heritage, que prepara diversos tipos de experiências para grupos grandes e pequenos. Neste caso em particular, o objetivo era conhecer a cultura beduína. 

Foto: DET Dubai
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Já perto do acampamento, largámos o jipe moderno que nos levou até ali e passámos para dois Land Rover de caixa aberta. Um pouco mais à frente tínhamos camelos à nossa espera e foram eles que nos levaram até ao nosso destino. Subir e descer dos camelos é um desafio considerável – os bichinhos deitam-se no chão para conseguirmos trepar para cima deles, mas depois têm de se levantar, com as suas longas pernas com cerca de metro e meio de altura, primeiro endireitam as pernas da frente, depois as de trás, e uma pessoa sente-se numa espécie de montanha russa com vontade própria. Fizemos uns bons 45 minutos de camelo. Quando chegámos ao acampamento, um dos beduínos disse que sabia que vínhamos a caminho porque ouviu os nossos gritos de terror. Viu-se na cara dos outros que é uma piada recorrente, mas nós rimo-nos muito. É, de facto, muito difícil manter a dignidade quando se monta um camelo.

Foto: DET Dubai

Fomos recebidas por Poppy, uma cadelinha sonolenta e muito mansa, com ar de galgo. Em teoria, os povos árabes preferem os gatos em detrimento dos cães, mas aqui a presença dos cães era essencial, pelo menos para o falcoeiro, já que ajudam a localizar o falcão e a presa que este acaba de caçar – algo que agora se faz com GPS, mas antigamente, não. Além disso, protegem os camelos de ladrões e de predadores. Assim que entramos no acampamento, somos acolhidas com café e tâmaras, como qualquer visitante desde tempos imemoriais. A hospitalidade é um dos princípios mais sagrados: um hóspede nunca era rejeitado e recebia café e tâmaras assim que chegava. Os beduínos eram nómadas do deserto da Península Arábica que viviam da criação de camelos, da pesca e do comércio, adaptando-se ao ambiente árido com uma vida simples e comunitária. Poderem contar com a hospitalidade uns dos outros era essencial à sobrevivência.

Foto: DET Dubai
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"O Sheik foi muito bom para nós", dizem-nos quando nos acomodamos nas almofadas. Todos aqui são descendentes de beduínos. "Quando o país evoluiu ele não nos deixou ficar para trás. Ele sabe que esta é uma vida muito dura e ajudou-nos." Esta vida dura consistia em percorrer o deserto durante semanas e meses em busca de água e pasto para os animais. Quando o Dubai se modernizou, o sheik, explicam-nos, ofereceu a todos os beduínos a possibilidade de estudar, abrir um negócio, comprar casa ou um pedaço de terra, o que precisassem para deixar o deserto para trás. Dizem-nos que todos, ou quase todos, aceitaram. 

Foto: DET Dubai

Yusuf, o falcoeiro, fala-nos mais sobre a dificuldade desta vida. Pergunta-nos quanto tempo achamos que demora a fazer de camelo a hora e meia de que fizemos de carro do centro da cidade do Dubai, até ali. Ninguém acertou. Demora 15 dias. "Montamos o camelo, mas, a determinada altura, já não aguentamos o balanço, ficamos com dores nas costas, no rabo, nas coxas. Desmontamos e caminhamos ao lado do camelo, mas, passado um bocado, já não aguentamos as pernas, e voltamos a montar o camelo. O vento, o calor, tudo conspira contra nós. Levamos alguma água, mas não toda a que precisamos para a viagem porque isso seria impossível de carregar. Precisamos de procurar água pelo caminho e o camelo precisa de comer. E nós também. De comer e de descansar." Uma viagem de camelo do Dubai à Arábia Saudita, um percurso típico na vida de um beduíno, uma distância de cerca de 1200 quilómetros que, diz-me o Google Maps, demoraria 12 horas e meia de carro. De camelo, diz-nos o Yusuf, demoraria seis meses.

Foto: DET Dubai
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Enquanto ele fala, temos oportunidade de apreciar as penas e o porte do seu falcão, uma fêmea chamada Troublemaker – Mushaghib, em árabe. Ela tem um pequeno capacete que lhe tapa os olhos, para não se assustar nem se interessar demasiado por alguma coisa que veja. Yusuf explica como é que se treina um falcão, dando-lhe comida e mostrando-lhe que não lhe vamos fazer mal, para criar confiança. "Mas um falcão não é um cão. É um animal selvagem, não se constrói uma relação de amizade com ele. Quer sempre fugir. Quer ser livre. E se fugir, lá se vai o nosso investimento e a nossa subsistência." É por isso que, antes do GPS, que ela agora tem na pata, os cães eram tão importantes, porque encontravam o falcão antes de ele ter tempo de comer a presa e fugir.

Foto: DET Dubai

Vemos uma pequena demonstração das capacidades de voo da Troublemaker e depois voltamos para o interior do acampamento, onde comemos um pequeno-almoço beduíno, com direito a leite de camelo – é esquisito, sabe a erva seca. Só provámos um dedal porque, alegadamente, para quem não está habituado, resulta num dia muito mal passado na casa de banho. Comemos fruta, umas deliciosas panquecas com xarope de tâmara, vários tipos de pães achatados acabados de fazer ali mesmo, diante dos nossos olhos, uma estranha sopa de feijão, uma espécie de papas com corn flakes, mas muito espessas, queijo, tâmaras. Os grãos de café também são torrados e moídos ali, para fazer o café que nos é servido. 

Foto: DET Dubai
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Conversamos mais um pouco sobre o modo de vida dos beduínos com um jovem bem parecido que estava bem lançado para ser futebolista, não tivesse sido uma lesão no joelho. Participamos numa dança típica, fazemos uma tatuagem com henna, e partimos para uma volta de jipe pelo deserto. Não podemos ir muito longe nem andar à vontade, há uma zona demarcada para os turistas, para que não destruam as dunas. Ou seja, não estamos assim tão longe da civilização que dê para canalizar o Lawrence da Árabia. É muito bonito e vale muito a pena, mas não é tão selvagem e remoto quanto esta jornalista imaginava.

Foto: DR

Regressamos à civilização e, ao fim da tarde, dirigimo-nos ao Grande Souk de Deira, um dos mercados mais antigos e autênticos do Dubai, localizado na área histórica de Deira, junto ao Dubai Creek, e que foi estabelecido por volta de 1850. Naquela época, Dubai era um pequeno porto mercantil, e o souk servia de ponto de encontro para comerciantes locais e estrangeiros que vinham de toda a região do Golfo, Índia e África. O souk cresceu rapidamente devido à posição estratégica e continua a ser um local vibrante, cheio de lojas tradicionais que vendem um pouco de tudo. E é aqui que se encontram os souks das especiarias, dos perfumes e do ouro, numa amálgama colorida que não dá para perceber onde acaba um e começa outro. Mais importante que tudo: onde há compras para fazer há coisas para comer. E foi isso que aqui nos trouxe: um tour gastronómico que leva o visitante através dos souks, para experimentar comidas tradicionais do Oriente Médio, da Índia, do Irão e de outras culturas que influenciaram a gastronomia dos Emirados. 

Foto: DET Dubai
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Estas visitas são organizadas pela Frying Pan Adventures, uma empresa fundada por duas irmãs, Arva e Farid Ahmed, apaixonadas por gastronomia, e que achavam que os turistas não tinham oportunidade de conhecer a verdadeira cultura gastronómica do Dubai. Há diversos tours temáticos, nem todos são passados no Grande Souk de Deira, pelo que vale a pena entrar no site e escolher o que lhe interessa mais. A participação custa cerca de 90 euros – o que pode parecer caro, mas inclui comida que nunca mais acaba, explicações e pequenas histórias que não ouvirá de outra forma e tem a duração de cerca de quatro horas. E é francamente engraçado dar por si a parar em tascos onde nunca pararia e a comer coisas de aspeto duvidoso – mas estou em posição de garantir que, do nosso grupo, ninguém ficou mal da barriga. Um conselho: entre paragens, a guia vai falando com o grupo através de um sistema de áudio, daqueles à moda antiga, com auriculares – portanto, se nem todos os auriculares servem nas suas orelhas, lembre-se de levar os seus.

Foto: DET Dubai

No nosso caso, parámos numa loja de especiarias, para aprendermos mais sobre temperos típicos, depois, em três sítios diferentes para comer três snacks salgados, seguidos de um gelado estranhíssimo feito com noodles e um topping doce. Depois, atravessámos o Dubai Creek de barco rumo ao jantar no segundo restaurante mais antigo do Dubai, chamado Al Fanar. Ou seja, na prática, comemos um jantar em cima de outro jantar. Portanto, lembre-se de passar fome durante o dia.

Foto: DET Dubai
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Pouco depois, demos por nós de volta ao hotel, onde eu e a I. decidimos partir em busca das tais especiarias que não conseguimos comprar no souk. Encontrámos, com alguma dificuldade, o hipermercado Lulu dentro da gigantesca superfície do Dubai Mall. Para nossa grande alegria, o Lulu tinha uma zona só de especiarias e frutos secos que podíamos comprar a peso. O entusiasmo foi tal que fizemos toda uma pantomina sobre querermos paus a dar com pau. Seguido de uma espécie de grito de guerra: "PAUS PARA TODAS!" Felizmente ninguém sabia português ou o mais provável era que nos tivessem convidado a sair. 

Foto: DET Dubai

(Leia a 1ª parte deste texto aqui.)

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