Primeiro, os factos
Tanto o ‘facelift’ do Renault Zoë como o novíssimo Dacia Spring tiveram uma paupérrima performance nos mais recentes testes de colisão e segurança Euro NCAP: zero e uma estrela, respetivamente, em cinco possíveis. De salientar que ambos os modelos são EV, ou seja, veículos 100% elétricos.
Segundo, o que é a Euro NCAP e o que significam as estrelas?
Esta organização independente, Euro NCAP (New Car Assessment Program), monitoriza a segurança dos modelos automóveis à venda no Velho Continente, de acordo com um conjunto de regras e métodos que são seus. Formada em 1996 na cidade belga de Lovaina, publicou os seus primeiros testes em fevereiro do ano seguinte. E se bem que não confira qualquer certificado oficial nem represente qualquer autoridade rodoviária, a verdade é que este organismo teve na sua génese o apoio de vários governos de Estados-membros e, posteriormente, da própria União Europeia.
A classificação Euro NCAP está escalonada em cinco níveis:
As estrelas Euro NCAP têm sido usadas pelos fabricantes automóveis com orgulho (os que as conquistam), e perseguidas pelos outros, os que a elas aspiram. Tal como um grande vinho ostenta a medalha de ouro do concurso tal, ou como a própria indústria automóvel exibe o pomposo título "O Carro do Ano", as estrelas Euro NCAP rapidamente atingiram um estatuto que praticamente "obriga" os fabricantes a tê-las.
Ao longo dos anos, a Euro NCAP foi alargando o alcance dos seus testes e ao mesmo tempo tornando-os cada vez mais exigentes, seja pela introdução de novos parâmetros (p.ex. proteção aos peões no exterior, em caso de atropelamento), seja pelo apertar da malha de exigência sobre os já existentes.
Quais os resultados dos testes Euro NCAP em 2021?
Um total de 33 modelos foi submetido a testes ao longo de 2021. Além da classificação por estrelas, é também apurada uma percentagem de performance para cada um destes quatro parâmetros:
Dos 33 modelos testados, 67% obtiveram a classificação máxima de 5 estrelas, 21% atingiram as 4 estrelas, 1% (dois modelos, ambos Dacia) as duas, 0.3% apenas 1 estrela (Dacia Spring) e 0.3% zero estrelas (Renault Zoë). Logo à partida, um ‘ranking’ devastador para o Grupo Renault, que fecha com quatro dos seus modelos no fundo da tabela.
Em termos percentuais, 12 dos 33 modelos conseguiram 90% ou mais na classificação referente aos ocupantes adultos, enquanto 27 modelos tiveram um score de 80% ou mais referente aos ocupantes crianças. Nestes dois parâmetros, o Dacia Spring e o Renault Zoë atingiram respetivamente 49% e 56% (Dacia) e uns preocupantes 43% e 52% (Renault).
O que se passou então com a Renault?
No caso destes dois modelos do Grupo Renault – Renault Zoë, zero estrelas, e Dacia Spring, 1 estrela – a malha de exigência foi decididamente apertada, o que causou as referidas más classificações. Mas foi apertada para todos os modelos de todas as marcas, e alguns (muitos) atingiram ‘scores’ de excelência.
Nada de admirar, por outro lado, no que respeita ao aumento das exigências de segurança. Isso apenas acompanha uma tendência que se verifica há bastantes anos nos mercados do primeiro mundo, e principalmente na Europa. Além disso, é a própria indústria automóvel que fomenta esse aumento de exigência, ao propor cada vez mais medidas de segurança passiva e ativa nos seus modelos. A eletrónica é, aliás, uma "autoestrada aberta" no campo da segurança automóvel, que oferece à indústria soluções tecnológicas inimagináveis há uns meros... 25 anos, lá está, precisamente quando foi formada a Euro NCAP.
No caso particular do Renault Zoë, uma justificação – e ao mesmo tempo uma acusação difícil de explicar por parte do fabricante francês – foi a substituição pura e simples do airbag que protegia o tórax e a cabeça dos ocupantes, por um que protege apenas o tórax. Como explicar este ‘downgrade’ de equipamento de segurança? Poupança de custos? Dificuldades técnicas de instalação? Negligência por simpatia (os EV são claramente veículos de cidade, se calhar ninguém baterá com a cabeça)? Não, estas duas últimas são impossíveis de engolir. Permanece a anterior...
E agora, que conclusões tirar disto?
Descansemos, já devem ter sido tiradas, analisadas, remoídas, matraqueadas e implementadas, que um fabricante do calibre da Renault não pode dar-se ao luxo de cometer lapsos destes. Sob pena de hipotecar o seu futuro num mercado dos EV que tanto ajudou a implementar. O alarme deve ter soado em vários departamentos do gigante francês e de certeza que uma próxima geração (ou um próximo ‘facelift’) do Zoë há-de voltar a colocar os pontos nos is – ou as percentagens nas estrelas.