"Nascido" em 1928, da pena do escritor Leslie Charteris, Simon Templar é a personagem central de O Santo, uma espécie de Robin Hood dos tempos modernos. Interpretado na adaptação televisiva por um Roger Moore pré-007, Templar tem de se deslocar com frequência, de um local para outro, ao sabor das suas peripécias e aventuras, e ao longo de estradas rurais da Velha Albion. Na segunda metade do século XX – o ano era 1962 – o cavalo estava fora de questão, pelo que era necessário arranjar-lhe um automóvel.
O Volvo P1800
A escolha viria a recair sobre um modelo recém-lançado, no ano anterior, pela Volvo. Mas não sem um prévio golpe de teatro do destino: o Volvo P1800 dividira as atenções do Salão de Genebra de 1961 com outro modelo icónico, o Jaguar E. Convidada a "motorizar" a série televisiva compatriota, a marca inglesa declinou. Quando o convite foi endereçado à Volvo, a marca sueca agarrou-o com unhas e dentes.
No exterior, o Volvo P1800 apresentava-se como um ‘coupé’ de aspeto desportivo mas elegante, algo diletante mas suficientemente prático e potente para quando fosse preciso carregar no acelerador e desarvorar pelas estreitas estradas do campo inglês. Com um ar britânico, sim, apesar do seu ADN nórdico.
As linhas exteriores ficaram a cargo do sueco Pelle Petterson, famoso designer de... iates. E não há dúvida que o P1800 tem na sua silhueta, principalmente na secção traseira, algo de náutico. Petterson não o desenhou sozinho, no entanto: fê-lo sob supervisão do italiano Pietro Frua – criador, entre outros, do Renault Floride, um descapotável a que o novo Volvo não deixava de apelar.
Dados dinâmicos
O novo P1800 baseou-se na série Amazon/122 da Volvo, de fiabilidade mais do que comprovada. Exemplo: um P1800 de 1966, propriedade do americano Irv Gordon, viria a percorrer 4.890.993 km com o motor original – este era um 4 cilindros em linha com 1800 cm3 de cilindrada, que desenvolvia uns altíssimos (para a época) 100 cavalos. Caixa manual de 4 velocidades, à qual se juntariam quase de seguida uma versão com ‘overdrive’ e uma automática de 3 velocidades (um piscar de olho ao mercado americano). Com o passar dos anos, a cilindrada subiria para os 2000 cm3 e a potência para os 115 cavalos.
As dimensões eram generosas: 4.40 m de comprimento, largura de 1.70 m e altura de 1.28 m, para uma distância entre eixos de 2.45 m. O conjunto acusava na balança 1175 kg, um bom peso para a época, o que lhe permitia atingir os 193 km/h, uma velocidade máxima espantosa!
Um Volvo desportivo? A sério?
É verdade que, não parecendo muito consentâneo com a imagem que o fabricante sueco já na altura transmitia – segurança, segurança e mais segurança – o conceito de um desportivo tinha, não obstante, a sua razão de ser: com o ‘boom’ económico do pós-guerra, várias marcas vinham lançando, ao longo de toda a década de 50, modelos com esse cariz. Casos de toda a série XK da Jaguar, do AC Cobra, do Chevrolet Corvette e do Austin Healey, entre outros, já para não falar dos vários Ferraris e Maseratis que começavam a povoar os sonhos dos ‘tiffosi’. Este tipo de carroçaria e de conceito do automóvel obtinha grande sucesso no mercado europeu e, principalmente, no americano. A Volvo não queria, não podia, perder este comboio.
Um "parto" difícil
O lançamento do P1800 estava a ser preparado desde 1957, mas parecia que os deuses do automóvel não queriam nada com ele. Necessitada de estabelecer uma ‘joint-venture’ com um construtor externo – devido à especificidade do novo modelo e ao facto de a sua fábrica estar 100% dedicada a produzir os modelos da gama existente – que lhe assegurasse o fabrico, a Volvo esteve prestes a assinar um acordo com a Karmann – só que, à última hora, o maior cliente do carroçador alemão (a Volkswagen) proibiu o negócio. Outras tentativas se seguiram (NSU, Drautz, Hanomag) sem sucesso, até que a britânica Jensen Motors – que viria a lançar uma década depois um GT de tração integral – assumiu o fabrico de 10 mil unidades do Volvo P1800. Desses, apenas seis mil seriam construídos, devido a problemas de controlo de qualidade que levaram, em 1963, a administração da Volvo a deslocar a produção para a fábrica de Lundby, perto da sede em Gotemburgo. O modelo passou então a chamar-se P1800S (S de Suécia).
Temas e variações
Nunca tendo havido uma versão descapotável oficial do P1800, um concessionário norte-americano chegou a fazer a transformação a partir do ‘coupé’ e vendeu uma trintena de exemplares de um P1800 ‘cabriolet’ – a Volvo não ficou muito agradada com a ideia e proibiu esse exercício de estilo.
Ao ‘coupé’ de duas portas viria a juntar-se, já em final de vida, em 1972, uma carrinha de ar futurista e desportivo – só podia – num conceito de "shooting brake" tão do agrado dos ingleses. Denominada P1800ES, recebeu na sua nativa Suécia a alcunha "fiskbilen" (a carrinha do peixe), enquanto na Alemanha e Suíça foi baptizada de "Schneewittchensarg" (o caixão da Branca de Neve), devido à terceira porta, a traseira, ser feita inteiramente em vidro.
Em 1973, ao fim de 12 anos de produção, o Volvo P1800 despedia-se das linhas de produção: 47.492 unidades tinham sido vendidas e são, hoje, verdadeiras peças de coleção.
Em 2020, a Cyan – estrutura de competição que venceu o WTCC para a Volvo – apresentou a sua interpretação "do que poderia ter sido" um P1800 preparado para as pistas. Fibra de carbono, 420 cavalos, caixa de 5 velocidades, pneus 245/40-R18 à frente e 265/35-R18 atrás, toda uma panóplia de peças e acessórios para competição, mas o que fica na retina é a extraordinária imagem de um carro baseado no P1800 de 1961.