Mustang? Sacrilégio! Blasfémia!
Numa altura em que os veículos 100% elétricos já representam um décimo dos carros vendidos em Portugal, esta (e outras) "ofensas" farão cada vez mais parte do nosso dia a dia. E vai ser preciso aprender a viver com elas: ao lançar o seu primeiro veículo 100% elétrico, a Ford – a centenária Ford, o berço da indústria, uma das marcas mais importantes da história do Automóvel – socorreu-se de um nome fortíssimo, que lhe pertence, o de um modelo também ele parte da história, o Mustang. Para conferir ao seu primeiro EV uma aura desportiva e impor respeito à concorrência ("olha a Ford com um carrinho a pilhas", diriam alguns), o construtor americano batizou-o Mustang Mach-E, também aqui uma alusão a um modelo icónico da marca, o Mustang Mach 1, com o "E" de elétrico a fazer a sua entrada no nome.
Breve apresentação do Mustang Mach-E
Lançado no mercado mundial em finais de 2020, o Mustang Mach-E é fabricado sobre a plataforma GE1 da Ford, uma versão bastante modificada de outra plataforma, a C2, utilizada para o Ford Focus e para o Kuga, imagine-se. Trata-se de um SUV de cinco portas, compacto, com uma generosa distância entre eixos (2.98 m) para um comprimento total de 4.74 m, largura de 1.88 m e altura de 1.62 m. É nessa generosa distância entre eixos que repousa o conjunto de baterias, de duas capacidades: 68 e 88 kWh, com autonomias respetivas de 340 e 483 km. A motorização pode ser simples (um motor sobre o eixo traseiro) ou dupla (um motor sobre cada eixo, proporcionando assim tração integral), com potências entre os 269 e os 487 cavalos.
Primeiras impressões
Visto de fora, o Mustang Mach-E parece grande. Maior, aliás, do que as medidas deixam transparecer. Contribuem para isso os guarda-lamas e as jantes de 19 polegadas, que lhe dão um aspecto musculado, e toda uma atitude desportiva, agressiva, como se fosse uma fera (ou um cavalo Mustang, lá está) pronto a saltar em frente e a galopar livremente, estrada fora. Não há maçanetas nas portas, antes uns botões que as abrem, havendo em cada uma delas uma espécie de perfil que permite manuseá-las. Lá dentro, um ambiente cuidado, amplo, que revela uma escolha cuidada de cores e materiais. À frente, a meio do tablier, um grande ecrã onde se concentram as informações e os comandos de todas as funções e mais algumas, o que evita a dispersão de botões e outros comandos pelo interior do habitáculo. A qualidade dos materiais é boa, assim como os acabamentos.
Ao volante, que é o que interessa aqui
A unidade testada era uma versão AWD (tração integral, logo, dois motores) que debitava 351 cavalos. E logo aí ficou desvendado o mistério: a utilização do nome Mustang é perfeitamente aceitável, descansem os puristas, já que quando lhe damos rédea solta (leia-se quando carregamos fortemente no acelerador, que é para isso que ele ali está), o seu comportamento é do mais vivo, desportivo, selvagem, que já testámos num EV. As acelerações são de ficar com as costas coladas ao banco e a consequente travagem (à velocidade a que ele nos leva, tem mesmo que haver uma travagem a seguir...) só não nos atira pára-brisas fora porque o cinto de segurança nos agarra. As suspensões são durinhas q.b., têm mesmo que ser, e o "pisar" da estrada é direto, seguro e confortável (dentro do limite do razoável). É fácil conduzi-lo, mesmo em estradas estreitas e sinuosas, já que a direção é extremamente precisa e coloca as duas toneladas (concretamente 2218 kg) de Mustang Mach-E precisamente onde queremos colocá-lo.
Preço: não é barato. A unidade testada custava uns módicos 77 mil euros e trocos, mas trata-se de uma versão de topo, equipada com (quase) tudo o que a Ford tinha no catálogo. Para quem não se importar de abdicar de um motor (logo, tração traseira) e de reduzir a potência e o nível de equipamento e opcionais, o preço começa nos €52,550. Continua a não ser barato, mas fica mais próximo do que a concorrência oferece. Em suma, trata-se de um EV que proporciona ao condutor um alto prazer de condução. Um paradoxo? Talvez seja, mas temos mesmo que nos habituar a paradoxos destes e aprender a viver com eles.