Hitler ordenou que o criassem, o professor Porsche (sim, esse) concebeu-o: o glorioso III Reich necessitava de um automóvel para toda a gente, um verdadeiro carro do povo. Nascia o Volkswagen, o único modelo da história do automóvel que batizou a própria marca. Mas a II Guerra Mundial meteu-se de permeio e só em 1946 começou a ser produzido a sério. E em série.
Quatro anos depois, com a Alemanha a atravessar o deserto do pós-Guerra mas já a beneficiar dos dólares do Plano Marshall, surge o Type 2, o celebre "pão de forma", a furgoneta que viria a conquistar um lugar definitivo na história do Automóvel. E onze anos passados, já com o ‘boom’ económico e social a fazer-se sentir na República Federal da Alemanha (infelizmente, não na sua congénere do Leste, que meses antes iniciara a construção de um muro que dividiu Berlim), em setembro de 1961 é apresentado no Salão de Frankfurt o Type 3. Uma espécie de carro do povo, sim, mas um povo agora com maior poder de compra e com outras aspirações automóveis.
Tecnicamente, um Carocha mais avantajado
A base do Type 3, tal como a do Type 2 antes dele, era evidentemente a mesma do Type 1, o Carocha, Beetle, Fusca, Coccinelle, Escarabajo, mais uma miríade de outras alcunhas, tantas quantos os países onde foi vendido – só por curiosidade, "apenas" umas 21.529.464 unidades, coisa pouca. Um châssis-plataforma, plano (um autêntico estrado), sobre o qual era montado, em cima do eixo traseiro, um motor de 4 cilindros opostos – dito ‘boxer’ – refrigerado a ar; uma carroçaria cujas linhas se tornariam inconfundíveis e intemporais, e que ainda hoje vivem na silhueta-base de, pasme-se, um Porsche 911; e uma simplicidade de fabrico e de manutenção, segredo maior para a sua implantação naqueles terríveis anos do pós-Guerra.
E se o Type 2 ("pão de forma") tinha representado a entrada do fabricante alemão num segmento de mercado comercial, de trabalho mas também de lazer, já o Type 3 foi uma aposta em novos tempos e nas novas gerações saídas do conflito: a necessidade de um automóvel civil, para uso particular, com linhas maiores e mais modernas, e motorizações de maior gabarito – a cilindrada do 4-cilindros ‘boxer’ subiu dos 1100/1200 cm3 para os 1500 e logo a seguir 1600 cm3, com potências entre os 44 e os 54 cavalos.
O que era, de facto, o Volkswagen Type 3?
Era já um carro mais "burguês", se é que o termo não é demasiado forte. Decomposto em mais do que uma carroçaria, viva o luxo, apresentava-se como um três-volumes clássico (bagageira + habitáculo + compartimento do motor, e aqui a ordem dos fatores não é arbitrária, já lá iremos), apelidado pelos alemães Limousine (sedan para os anglófonos e berline para os francófonos); também como uma carrinha de três ou de cinco portas, a Variant, um nome que perdura até aos nossos dias; mais um Fastback de duas portas e dotado de uma silhueta desportiva, que desce do tejadilho até à traseira; e até, pasme-se!, sob a forma de um Cabriolet. Sim, os alemães, os derrotados, já podiam apreciar as benesses do "open air motoring" dos vencedores, os britânicos – e, convenhamos, o termo na língua de Shakespeare é bastante mais agradável do que o teutónico "Autofahren unter freiem Himmel". Note-se que o Type 1 já tinha tido direito a um descapotável, mas isso era uma transformação efetuada pela Karmann, um dos "carroçadores" acreditados pela marca. Com o Type 3, isso passou a fazer parte do catálogo oficial do modelo.
Vivia-se ainda a era do "tudo-atrás"
A indústria automóvel era dominada pela tração traseira (embora a dianteira já existisse há décadas, ainda eram poucos os modelos que a usavam) e era bastante comum o conceito do "tudo-atrás": motor e caixa de velocidades sobre o eixo traseiro, o que deixava a dianteira como espaço privilegiado para bagagens – privilegiado e o único disponível, para dizer a verdade. O Volkswagen Type 3 não foi exceção, tal como os seus antecessores e tal como muitos dos seus concorrentes diretos: Fiat 500 e 600, Renault Dauphine e Caravelle, Simca, NSU, eram várias as marcas a adotar esta arquitetura. O tamanho, esse, inflacionou (4.34 m de comprimento por 1.61 de largura e 1.47 de altura) em relação ao Type 1, embora a distância entre eixos se mantivesse exatamente igual – não admira, o châssis-plataforma era o mesmo. O peso também subiu (880 kg contra os 800 do "original"), fruto de mais equipamento e de um interior menos espartano. As performances e os consumos estavam em linha com o que se produzia na época: 125 km/h de velocidade máxima e 8.4 litros/100.
O adeus às armas
Esta geração Type 3 manteve-se em funções até 1973, altura em que a Volkswagen já ansiava por um substituto para o Type 1, o célebre Carocha. Esse substituto viria a ser o Golf, mas sobre ele aguardaremos pela efeméride respetiva. Já a carrinha Variant ganhou asas próprias e viria a evoluir até dar lugar a um novo modelo, que se mantém até aos nossos dias: o Passat.
A produção do Type 3 cruzou o Atlântico até ao Brasil, onde se manteve durante mais alguns anos e de onde, inclusivamente, ainda se forneceu o mercado europeu. A versão de três volumes foi um ‘flop’ e ganhou mesmo a célebre alcunha de "Zé do Caixão", uma personagem de filmes de terror. Já o Fastback registou maior sucesso e manteve-se em produção até 1976. Mas a versão Variant foi, de longe, a mais bem sucedida, sendo fabricada de 1969 a 1981 (já, então, com uma segunda geração Variant II, mais moderna). Ao todo, a Volkswagen fabricou cerca de três milhões de unidades do Type 3 – longe dos 21 milhões do Type 1, mas esse é caso único na história do automóvel. Ainda assim, é um modelo a relembrar neste 2021 tão rico em efemérides.