Começando pelo princípio, o que é um ‘chip’?
Trata-se de um pequeno transístor feito de silício, um elemento da Tabela Periódica, que permite estabelecer e manter ligações elétricas necessárias ao funcionamento de computadores, telemóveis, eletrodomésticos e todo o tipo de aparelhos e equipamentos que se possa imaginar e que trabalhem a eletricidade. Os automóveis necessitam também de chips e apenas uma peça (das mais de 30 mil utilizadas no seu fabrico) pode levar entre 500 e 1500 desses pequeninos semicondutores.
Segundo a BBC, a indústria dos chips – a maioria menor que uma moeda de 5 cêntimos – vale atualmente cerca de 500 mil milhões de dólares – um pouco menos de 424 mil milhões de euros – e sustenta ela própria uma economia tecnológica global de bem mais de dois biliões de euros (para facilitar a compreensão, é escrever o número 2 e juntar-lhe 12 zeros).
Porque é que não se fala de outra coisa na "automobilândia"?
Tudo se resume à escassez de chips nos mercados internacionais. Resultado imediato da pandemia de Covid-19, que fez disparar a procura por equipamentos eletrónicos pessoais – laptops, smartphones, tablets – até atingir um ponto em que a oferta (dos chips) deixou de ser capaz de satisfazer a procura.
Quando no primeiro trimestre de 2020 o Mundo entrou em lockdown, quase todos os fabricantes de automóveis pararam a sua atividade. Fecharam. A economia entrou em recessão, situação que não era propriamente estranha a esses fabricantes, que recearam uma queda abrupta nas suas vendas. A reação foi imediata: cancelaram as encomendas junto dos seus fornecedores de peças – onde se incluía, claro, os fabricantes de chips.
Só que a quebra nas vendas de automóveis não foi tão grave como se tinha previsto, e foi decerto mais curta do que se temia: o comércio online substituiu os stands e as concessões, e começou, de uma forma gradual mas significativa, a aumentar os números de encomendas de carros novos. Estava na hora de abrir de novo as fábricas, e em força! Só que nessa altura, a capacidade de produzir chips tinha sido transferida para as indústrias dos telemóveis, dos computadores e – um player a ter cada vez mais em conta – do gaming (a indústria dos jogos já vale cerca de 250 mil milhões de euros, mais do que o Cinema e a Música juntos).
Estava instalada uma crise de produção no mundo automóvel, situação que ainda pioraria mais com o incêndio que destruiu em março deste ano uma megafábrica japonesa de produção de chips.
Como está a situação hoje em dia?
Bastante mal, dirá qualquer representante de fabricantes automóveis cujas fábricas estão, no melhor dos casos, a laborar a meio-gás; ou fechadas, muitas delas. Mary Barra, a CEO da General Motors, estima que no segundo semestre deste ano o fornecimento de chips regresse a níveis normais, mas não afasta do horizonte do gigante americano um cenário de perdas de 1700 milhões de euros até dezembro de 2021.
Muitos outros fabricantes estão a "fechar-se em copas", optando por não comentar/não divulgar informações sobre a forma como a crise dos chips os está a afetar. Uma forma de tentar estancar a tendência negativa das notícias e também um aceno de orgulho ("Quem, eu? Falta de ‘chips’? Nada disso!").
Exceções são a Volvo – que assume que a sua fábrica-mãe de Torslanda, perto de Gotemburgo, fechou até... poder reabrir de novo; e a Tesla, que adotou uma estratégia radical digna do seu CEO Elon Musk: os ‘chips’ são principalmente usados em equipamentos e funções (muitos deles os chamados "opcionais"), não é verdade? Então reduz-se a oferta desses equipamentos e funções. Só que são esses mesmos equipamentos e funções que constituem parte importante do apelo que a marca americana exerce sobre os seus clientes...
A ‘Alliance for Auto Innovation’, grupo que congrega os principais fabricantes norte-americanos, estima que a presente escassez de chips pode continuar a prejudicar a indústria durante todo o segundo semestre deste ano e representar menos 1.3 milhões de viaturas a serem fabricadas nos EUA até ao final de 2021. Já a sua congénere europeia ‘ACEA’, a associação que agrupa os fabricantes automóveis do Velho Continente, prefere não se comprometer com números, mas já apelou à Comissão Europeia para que a UE venha em socorro da indústria, chamando a atenção de Bruxelas para o facto de os centros de produção de chips se situarem no Japão, em Taiwan e em menor escala nos EUA, enquanto que a Europa, praticamente sem produção própria de relevo, fica refém de situações como a que se está a viver.
E daqui para a frente, como vai ser?
Aumentar a produção parece ser o único caminho. A Coreia do Sul anunciou em maio deste ano um investimento de 380 mil milhões de euros que tornarão o país num gigante dos chips. Nos EUA, o Senado votou em julho um pacote de 44 mil milhões de euros de subsídios – veja-se bem, os EUA a darem subsídios... – destinados a aumentar a competitividade das suas "fabs" (fábricas de chips). Já a União Europeia pretende duplicar até 2030 a sua quota de fabrico, de 10 para 20% – sem avançar com números, no entanto, nem sequer precisar como irá lá chegar.
Definitivamente vai ser necessário haver mais e mais chips no mercado. Não é expectável que as indústrias dos computadores, dos telemóveis e dos jogos venham a reduzir as suas exigências – bem pelo contrário. E também a necessidade de chips por parte da indústria automóvel vai crescer em vez de diminuir: um automóvel recorre cada vez mais à eletrónica, e onde houver esta, terá de haver chips.